Essencial ao funcionamento da Justiça, como dispositivo que garante o direito à defesa dos cidadãos, a advocacia de fato desfruta de prerrogativas. Estar imune a críticas, contudo, não é uma delas.
No final de novembro, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal de São Paulo agiu de maneira correta, portanto, ao rejeitar pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para censurar o site Reclame Aqui, onde consumidores relatam insatisfações sobre empresas, produtos e serviços —como os advocatícios.
O argumento da entidade foi o de que caberia a ela apurar, de modo sigiloso, eventuais infrações éticas e disciplinares. Trata-se de uma tese frágil e, pior, com laivos autoritários.
Não se pode confundir o direito ao contraditório de advogados em investigações internas com a liberdade dos clientes de expressar insatisfação com os profissionais por eles contratados.
Assim entendeu o desembargador Souza Ribeiro, relator do processo: “Qualquer pessoa pode expor sua vida na internet e contar uma história dissaborosa envolvendo o trabalho prestado por advogado, assim como expor qualquer relação contratual com outros prestadores de serviço”.
A classe dos causídicos não deve se encastelar contra críticas, já que outros prestadores de serviço não possuem tal privilégio.
A advocacia já goza, de maneira justificável, de prerrogativas inacessíveis a outras profissões, em razão de ser “indispensável à administração da Justiça”, nos termos da Constituição.
Entre elas, a inviolabilidade de escritórios, o ingresso livre em dependências do sistema de justiça, o acesso a processos judiciais de qualquer natureza, entre outras. Nenhuma inclui o direito a censurar reclamações de clientes.
Há outras práticas recentes da OAB igualmente condenáveis. Em 2023, o órgão elaborou um cadastro interno, sem acesso ao público, de autoridades consideradas “violadoras de prerrogativas” da advocacia, que inclui magistrados, membros do Ministério Público, delegados de polícia e servidores da Receita. A falta de transparência e do devido processo legal na formulação da lista deveria justificar sua anulação.
Algumas das benesses da advocacia não são essenciais à função, como regime tributário mais favorável a sociedades de advocacia e o direito à prisão especial.
Faria bem à OAB separar prerrogativas indispensáveis à promoção da justiça de meros privilégios, além de direcionar esforços para coibir más práticas de seus integrantes, em vez de tentar silenciar clientes insatisfeitos.