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A esperança do brasileiro na ONU sobre punição a t…

A esperança do brasileiro na ONU sobre punição a t...

Matheus Leitão

O subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia é, hoje, uma das principais autoridades do mundo em combate à tortura. Por isso, foi eleito, em outubro, para integrar o Subcomitê de Prevenção à Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU. O mandato tem quatro anos e pode ser renovado uma vez.

Em entrevista exclusiva à coluna, Mariz Maia explicou que, por ser brasileiro, não pode inspecionar o que acontece no Brasil – a atuação é apenas nos outros países que também aderiram ao protocolo da ONU contra a tortura. 

Maia opinou, no entanto, que o país deve insistir na luta para que sejam punidos os agentes da ditadura militar que praticaram tortura e outros crimes. Uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010 faz com que Lei de Anistia beneficie os torturadores do regime, que seguem impunes.

“Eu não penso que seja fácil, e nem que isso esteja no horizonte de curto prazo”, disse. “Mas acredito que devemos continuar lutando. A luta por justiça é uma luta permanente. E essa luta, constantemente, precisa ser renovada”, afirmou.

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Abaixo, os principais trechos da entrevista sobre o regime e o o trabalho dele na ONU nos próximos quatro anos:

Como será, na prática, seu novo trabalho na ONU?

Luciano Mariz Maia – As Nações Unidas aprovaram, em 1984, uma convenção contra a tortura que determinava aos Estados criminalizarem a conduta na sua jurisdição e realizar atividades de prevenção a atos de tortura, inclusive com mecanismos como invalidar as confissões obtidas com coerção. Depois, foi aprovado um protocolo facultativo, estabelecendo um mecanismo de visitas regulares, periódicas e de surpresa. Ou seja, são visitas não informadas previamente para lugares onde estão pessoas privadas da liberdade. Isso inclui pessoas presas por suspeita ou condenadas pela prática de delitos criminais, mas também adolescentes infratores, também pessoas inimputáveis recolhidas em hospitais psiquiátricos, pessoas em asilo de idosos etc.

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Esse é o aspecto geral do subcomitê. Outra obrigação prevista nesse protocolo facultativo é que os estados-partes se obrigam a criar ou instituir mecanismos assemelhados a esse das Nações Unidas. Ou seja, em cada estado, a expectativa é que possam ser também estabelecidos mecanismos nacionais de prevenção. No Brasil, por exemplo, nós tivemos, a partir de 2013, uma lei sancionada pela presidente Dilma, cuja discussão e redação eu participei na condição de integrante de um comitê de assessoramento ao então-ministro Paulo Vanucchi, com várias organizações participando, com toda a equipe dele participando, com organizações internacionais também. Isso permitiu, de certa forma, que eu pudesse apresentar essa minha candidatura em razão da minha vinculação com o esforço de construção no Brasil desse sistema de prevenção à tortura.

O senhor está impedido de avaliar estabelecimentos no Brasil?

Luciano Mariz Maia – Exato. Eu farei em todos os Estados que sejam parte do protocolo facultativo, menos no Brasil, porque eu sou brasileiro. Mas, embora eu não possa fazer as visitas no Brasil, e essa é uma das razões pelas quais o meu nome foi apoiado por quem atua na luta contra a tortura no Brasil, eu sempre fui e continuo sendo um parceiro próximo e, como consequência, aprendendo como estão fazendo aqui e colaborando para superar alguns impasses que costumam surgir. Por exemplo, nós estivemos junto com a doutora Raquel [Dodge, então procuradora-geral da República] em 2019, quando houve a necessidade de ela entrar com uma arguição de descumprimento de princípio fundamental no Supremo contra um decreto do ex-presidente Bolsonaro, que reduzia a independência e a capacidade de trabalho do Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura. Essa é a experiência que eu já venho tendo. Há 18 anos, escrevi uma tese de doutorado chamada “Do Controle Judicial da Tortura Institucional no Brasil”, em que analisei os aspectos dogmáticos da tortura prevista na lei, na lei de proibição da tortura, e também a identificação de fatores criminológicos sobre quem tortura quem, como, quando, onde e porquê. Entendendo como o fenômeno se desenvolve, você saberá ou poderá tentar desenhar uma política pública de enfrentamento e repressão à tortura.

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Qual tipo de situação degradante para o ser humano o senhor deve encontrar no dia a dia?

Luciano Mariz Maia – A escolha dos lugares costuma exatamente identificar essas situações. E nesse tema não são só os chamados países de terceiro mundo. Muitas vezes, você tem países desenvolvidos em que, por várias razões, o tratamento dado às pessoas presas, adolescentes em conflitos com a lei ou pessoas com medidas de segurança psiquiátricas são tratadas com alguma desumanidade. Isso faz o trabalho ser desafiador e indispensável.

Qual preparação o subcomitê oferece aos novos integrantes?

Luciano Mariz Maia – Nessa eleição, foram renovados 12 mandatos, de um total de 25. Isso significa que metade da composição está sendo renovada e a outra metade continua. Então, é uma estratégia que adotam para que haja um conhecimento por parte dos novos membros sobre a cultura dessa organização, a transmissão do modo de fazer deles, e ao mesmo tempo se abrem para inovações, sugestões, aprimoramentos que esses novos estão trazendo. Há uma previsão de uma primeira imersão no funcionamento do subcomitê antes de entrar numa visita propriamente dita em um Estado-Parte.

Além das denúncias de tortura que acontecem até hoje nos presídios e nas delegacias, o Brasil tem uma cultura não resolvida nesse tema. A meu ver, isso é um reflexo da forma como o Brasil não lidou com os crimes cometidos durante a ditadura, não fez uma justiça de transição. Nosso país sofre os reflexos de não ter tomado algumas decisões após um regime autoritário?

Luciano Mariz Maia – Concordo inteiramente com o seu comentário e vou lhe dizer o seguinte: em 2001, eu escrevi com o James Cavallaro um relatório para o Comitê contra a Tortura. A minha instituição, a Procuradoria, autorizou que a Procuradoria Federal do Distrito Federal fosse na Delegação Oficial do Estado Brasileiro apresentar a defesa do Estado perante o Comitê contra Tortura e me autorizou a ir na Delegação da Sociedade Civil para me reunir com o comitê e dizer quais eram as falhas no relatório oficial do Brasil. A pergunta feita, na época, é essa que está sendo feita: como é que o Brasil democrático convive com a tortura praticada sob o regime militar? E a resposta que o Estado brasileiro deu foi a de que se aplicaria a lei de anistia. O sistema interamericano considera essas leis de autoanistia inválidas, porque violam frontalmente a convenção interamericana de direitos humanos, porque negam o direito à investigação, negam o direito à punição daqueles que tenham praticado esse grave delito. Esse é um problema ainda não resolvido pelo Brasil. E por que eu digo que é não resolvido? Porque, embora o Brasil tenha decidido, o Supremo Tribunal tenha decidido que a lei da anistia era constitucional, houve em seguida uma nova arguição de descumprimento de preceito fundamental, alegando que ela não é constitucional. Ou seja, para o Supremo reconhecer, olha, de fato, eu estou dizendo que ela seria compatível com a Constituição por esse argumento, mas eu preciso enfrentar a questão se ela é ou não compatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos.

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Há esperança de o Brasil mudar de posição e passar a enfrentar esse tema, da necessidade de punir os torturadores?

Luciano Mariz Maia – Essa é uma pergunta difícil porque envolve uma análise a respeito de como você encara a possibilidade de o Estado Democrático realizar justiça para todos. Um das coisas que me impressionam é o exemplo da Alemanha. Após a Segunda Guerra Mundial, houve um imenso esforço dos alemães para realizar o que chamam de “verdade e reparação”. A verdade, para não esconder os fatos que cometeram; e a reparação, para tentar identificar e restituir a situação anterior, ou, na impossibilidade disso, compensar os danos causados. O conceito de vítima não se restringe à pessoa que sofreu diretamente, no seu corpo, as dores do tratamento desumano ou cruel da tortura. Pais, mães, filhos, companheiros e companheiras, todos sofrem. Todos sofrem. Uma vez, numa discussão no nosso Conselho Superior sobre a indicação de alguém para a Comissão de Mortos e Desaparecidos, eu disse: “Um morto e um desaparecido não morreram e desapareceram de forma definitiva trinta anos atrás. Ele continua morto hoje, desaparecido ainda hoje, e o fato de não saber o paradeiro, a história ou a verdade sobre isso é uma dor permanente. E quem sobreviveu a essa pessoa sofre pela impotência de não conseguir que se faça justiça”.

Eu não penso que seja fácil, e nem que isso esteja no horizonte de curto prazo que conseguimos enxergar agora. Mas acredito que devemos continuar lutando. E enquanto não conseguimos, devemos, como você faz, elevar nossa voz para que essas histórias, essas injustiças, não sejam silenciadas. A luta por justiça é uma luta permanente. E essa luta, constantemente, precisa ser renovada.



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