Lula nem tentou disfarçar a decepção com o resultado das eleições municipais. Reunido com aliados já no início da semana, o presidente repetiu uma avaliação que assombra o PT há tempos: a esquerda perdeu conexão com grupos sociais importantes. A elite do governo saiu da conversa com a velha ordem de que é preciso melhorar a comunicação com o povo.
A noção de que a recauchutagem do discurso é a grande solução para os problemas da esquerda é um presente para a direita. Ela parte do princípio de que falta apenas explicar melhor as ideias e ações desse campo político. Pode até ser verdade, mas é também uma bela maneira de ignorar as transformações sociais que estão na raiz do distanciamento.
A esquerda brasileira está diante de um momento aparentemente inadiável de revisão de suas plataformas. Não se trata de abandonar princípios ou de imitar um programa político de direita para atender a um eleitorado conservador. É preciso adaptar o conteúdo, mais do que a forma, para evitar que o processo de alienação se aprofunde.
Essa é uma exigência conhecida pelo PT e adiada há mais de uma década. Os protestos de 2013, o raio-x do eleitor da periferia feito pela fundação do partido em 2017 e o famoso discurso de Mano Brown em 2018 (“deixou de entender o povão, já era”) apontavam na mesma direção.
A esquerda não precisa se desfazer de suas convicções sobre a proteção dos trabalhadores nem imitar farsas do tipo “ganhe dinheiro fácil enganando otários”. Pode buscar maneiras de enfrentar a penetração dos ideais do liberalismo econômico nos segmentos de baixa renda e oferecer alternativas, sem ficar amarrada de forma dogmática a modelos clássicos de regulação estatal.
Nas últimas décadas, a esquerda cumpriu um papel determinante na defesa dos direitos humanos e das minorias. A superioridade moral que acompanhou os partidos desse campo, no entanto, levou à negligência total em temas como a segurança pública e a uma cegueira em relação aos valores de seu próprio eleitorado.
Não se trata de uma rendição ao conservadorismo e ao liberalismo, mas da oferta de um novo cardápio, com menos conflitos com essa nova visão de mundo da população. Enquanto partidos acreditarem que é preciso mudar a comunicação para convencer o eleitor a pensar como os líderes políticos, o fracasso estará dado.
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