Não podemos nos iludir nem nos conformar. O Brasil é um país com sérios problemas estruturais e desafios conjunturais que precisam ser enfrentados. Há uma enorme desigualdade de renda e de oportunidades. Onde faltam água, energia, gás e saneamento básico, sobram violência urbana, trânsito e poluição. Os sistemas públicos de saúde e de educação não dão conta da demanda.
Admito que é difícil enxergar o copo meio cheio em algumas questões.
Não estamos gerando respostas capazes de deter a expansão e a institucionalização do crime organizado. Outro exemplo: até para restabelecer a credibilidade do Judiciário, é imperativo acelerar a retomada responsável da agenda anticorrupção.
Mas eu gostaria de fazer aqui uma provocação, deixando uma visão menos negativa sobre a realidade e o porvir.
Primeiro, porque o desânimo não faz justiça à maior parte da nossa população, que é esperançosa e se desdobra para construir um futuro melhor.
Segundo, porque o pessimismo fica a um passo da prostração, e isso interessa somente àqueles que não desejam que as coisas melhorem.
Terceiro, quem se acostuma a enxergar o copo meio vazio para de enxergar o copo todo. Daí a saltar para conclusões precipitadas, enviesadas e inconsistentes é um palito.
Peguemos a política como exemplo, mais especificamente as eleições municipais, que ainda estão fresquinhas na memória coletiva.
Durante boa parte do ano, prevaleceu a narrativa sombria e fatalista segundo a qual o pleito seria palco de uma batalha de rejeições e o apogeu do voto negativo, do voto “do contra”. E, no entanto, as urnas apontaram o contrário.
Houve um recorde histórico de prefeitos reeleitos —dos que tentaram, mais de 80% conseguiram. Uns dirão que as emendas parlamentares aumentaram o “custo de entrada” na disputa, atrapalhando a renovação. Mas esta foi a eleição mais vitoriosa de movimentos de oxigenação da política como o RenovaBR. E os extremistas “antissistema”? Quase todos sucumbiram.
Também foi dito que a polarização Lula vs. Bolsonaro estava irremediavelmente sedimentada na sociedade brasileira e que ela pautaria os resultados das eleições. De novo esqueceram de combinar com os eleitores.
Nem ocupando a Presidência a esquerda conseguiu crescer. E a direita, que conseguiu, saiu das urnas menos dependente de Bolsonaro, confirmando que o antipetismo é forte, mas explicitando que ele não tem dono.
Alguém pedirá aparte para apontar que também foram mal neste ano os partidos que desafiaram os dois polos e orbitaram em torno de uma alternativa (a “terceira via”) nas eleições anteriores.
De fato, se computarmos as maiores cidades (com mais de 200 mil eleitores), todas essas legendas diminuíram —do PSDB ao PDT, do PSB ao MDB inclusive. Mas os votos delas correram majoritariamente para siglas-pêndulo, sem ligação umbilical com nenhum dos dois polos. Essas siglas-pêndulo nunca estiveram tão fortes. As condições para um voo independente estão mais do que dadas.
Para não ficarmos apenas na política, tomemos a questão climática e os desastres ambientais que afligiram o país neste ano, das enchentes no Rio Grande do Sul às queimadas do Pantanal.
Alguém poderá lamentar o claro despreparo e/ou a inação do poder público para lidar com essas tragédias. Mas não é oportuno lembrar que foi por iniciativa do Brasil que a maior conferência mundial sobre o clima acontecerá, pela primeira vez, em solo brasileiro? E na Amazônia!
Alguém ressalvará que o governo federal não tem um plano estratégico para levar a essa COP, que ele hesita em fazer as lições de casa necessárias, que continua refém do dilema entre explorar ou não as reservas de combustíveis fósseis, que se perde olhando para o retrovisor em vez de mirar o que o para-brisa está mostrando.
Em contrapartida, a sociedade civil como um todo está respondendo à altura. Lideranças empresariais, num gesto inédito, se ofereceram para ajudar. Ciente dos riscos de uma crise hídrica, o agronegócio sentou à mesa para construir soluções. O debate da transição energética ganhou tração.
Nunca mobilizamos tanta tecnologia a serviço do monitoramento ambiental. E brasileiros que são referência no tema têm rodado o país e o mundo fazendo alertas consequentes. Um progresso: o negacionismo murchou, e quase ninguém mais refuta a importância dessa questão.
Àqueles que, corretamente, reclamam do dólar e dos juros altos, não vale uma contextualização histórica?
Em crises de confiança anteriores, o ataque especulativo ao real veio de fora. Não desta vez. Assim como o problema nasceu aqui no país, a solução está em nossas mãos.
Até as pedras sabem que, para o mercado se aquietar, basta o Planalto dar uma guinada e firmar um compromisso de responsabilidade fiscal. Os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet já deram a senha para isso. Merecem reconhecimento e apoio.
Aliás, há oito anos e três gestões diferentes, os times econômicos têm deixado um legado virtuoso e transformador.
A reforma trabalhista contribuiu para vermos hoje, ao mesmo tempo, um recorde de empregos de carteira assinada e um movimento dinâmico da economia empreendedora. Imaginem o rombo do caixa se a reforma da Previdência não houvesse sido aprovada.
A reforma tributária vem aí, para simplificar e tornar mais justa a cobrança de impostos. E tivemos o Pix, o maior programa de inclusão financeira do mundo —e, intuo, o maior programa de redistribuição de renda do país desde o Bolsa Família, ao isentar milhões de brasileiros de tarifas bancárias.
Como perder de vista esses e tantos outros avanços? E como não se inspirar neles para avançar ainda mais? Faz sentido ficar falando mal o tempo todo? No Brasil, o não conformismo é construtivo e otimista.