Reconstruir a Síria depois de mais de uma década de conflito devastador não é uma tarefa simples. A destruição do país abrange infra-estruturas físicas, sistemas de governação e o próprio tecido social que outrora manteve o seu povo unido. Embora o sonho de uma nova Síria próspera, forte e unificada seja certamente realizável após a queda do regime de al-Assad, certas condições devem ser cumpridas antes que o país possa ressurgir das cinzas.
Em primeiro lugar, deve ser formado um governo de transição cuja autoridade seja aceite por todas as partes interessadas, para garantir uma transferência harmoniosa para a democracia. Qualquer tentativa de reconstrução só poderá ter sucesso se for guiada por um governo inclusivo e estável que tenha reconhecimento internacional e a confiança do povo sírio. Uma nova Síria não pode ser construída sem um novo contrato social que defenda os direitos humanos, a democracia e o Estado de direito. A elaboração deste contrato exigirá a sabedoria colectiva das mentes e dos líderes intelectuais mais brilhantes da Síria, bem como o apoio genuíno da comunidade global. Só uma transição dirigida pelos próprios sírios, mas totalmente apoiada pelas instituições internacionais através da partilha de conhecimentos especializados e da prestação de apoio técnico, pode garantir uma reconstrução bem sucedida.
Este esforço será um desafio e o caminho para a sua concretização estará provavelmente repleto de obstáculos, uma vez que o actual cenário político permanece fragmentado, sem um caminho claro para um governo estável e plenamente representativo. Sem isso, porém, os esforços de reconstrução correm o risco de se tornarem mais uma ferramenta para aprofundar as divisões, em vez de as curar.
Em segundo lugar, a estabilidade do Estado sírio e a segurança do seu povo devem ser garantidas. Um país sob ataque e repleto de conflitos não pode ser reconstruído de forma eficaz. Os ataques aéreos de Israel ao território sírio e a anexação de mais terras desde a queda do regime de al-Assad exacerbaram a instabilidade. Estas acções não só devastam as infra-estruturas, mas também desmoralizam as comunidades e comprometem as esperanças de uma rápida reconstrução e recuperação.
À medida que a comunidade global acompanha de perto a nova liderança da Síria para garantir uma transição suave, deve também enviar uma mensagem clara e contundente a Israel. Esta mensagem deveria condenar veementemente as ações de Israel e exigir a sua cessação imediata. A comunidade internacional precisa de deixar claro que tal comportamento é inaceitável e deve parar imediatamente. A estabilidade não se trata apenas da ausência de guerra; trata-se de criar um ambiente onde as pessoas se sintam seguras para reconstruir as suas vidas e investir no seu futuro. A última coisa que os sírios precisam nesta fase crítica é de uma nova frente de guerra com todas as incertezas e instabilidades que criará para o novo governo de transição.
Terceiro, as sanções internacionais devem ser levantadas para permitir que o país se recupere. A Lei Césarespecialmente, que paralisou a economia da Síria e tornou quase impossível atrair investimento estrangeiro, deve ser revogada. Estas sanções, que visavam pressionar o regime anterior a aprovar reformas em matéria de direitos humanos e a aliviar a repressão, também tiveram um efeito significativo na vida dos cidadãos sírios quotidianos, aprofundando o seu sofrimento e desespero.
A comunidade global pode hesitar em levantar totalmente as sanções devido à incerteza sobre a nova liderança da Síria. No entanto, uma abordagem mais matizada poderia ser adotada. Em vez de sanções gerais, poderia ser implementada uma estratégia direccionada que envolvesse o alívio das restrições à dinâmica comunidade empresarial e ao sector privado da Síria. Isto contribuiria para a estabilidade a longo prazo da Síria e aceleraria a reconstrução. Entretanto, sanções específicas contra funcionários governamentais específicos podem ser utilizadas como uma ferramenta para encorajar uma transição positiva, se necessário. Esta abordagem equilibra a necessidade de cautela com o imperativo da recuperação económica e da reconstrução.
Quarto, a sociedade civil deve ser capacitada para desempenhar um papel activo no processo de reconstrução. As organizações locais independentes devem estar estreitamente envolvidas em todos os esforços de reconstrução, garantindo transparência e responsabilização. Sob o governo da família al-Assad, a Síria nunca teve uma sociedade civil independente. Anos de controlo com mão de ferro extinguiram iniciativas lideradas pela comunidade, deixando uma sociedade mal equipada para uma participação pública significativa. No entanto, durante um período de transição e de reconstrução de grande alcance, as organizações de base que defendem a justiça e garantem que a ajuda chega aos necessitados têm um papel crucial a desempenhar. Sem eles, o processo de reconstrução corre o risco de ser contaminado pela corrupção e pelo favoritismo. Os novos governantes da Síria devem dar prioridade ao apoio e ao fortalecimento da sociedade civil síria para garantir uma reconstrução saudável e bem-sucedida.
A reconstrução da Síria não envolve apenas política – é também um puzzle técnico complexo. O país precisa desesperadamente de pessoas com conhecimento técnico e experiência para poder elaborar um plano de reconstrução a longo prazo, orçamentar de forma eficaz e enfrentar os obstáculos que inevitavelmente surgirão em vários projectos complexos de reconstrução. Mas aqui está a parte complicada: deveriam os novos líderes da Síria aproveitar o conhecimento dos funcionários do antigo regime? Estes funcionários e funcionários públicos possuem conhecimentos privilegiados valiosos, mas as suas ligações a um governo acusado de actos terríveis podem fazer com que grandes segmentos da população percam a fé em todo o processo. Encontrar o equilíbrio certo é crucial. O esforço de reconstrução deve incluir todos os sírios, e especialmente aqueles mais duramente atingidos pela guerra – mulheres, crianças e grupos minoritários. Alienar qualquer grupo, dando demasiado poder a pessoas com laços estreitos com o antigo regime, não seria apenas errado, mas também uma forma infalível de reacender as tensões e sabotar qualquer esforço de reconstrução antes de este realmente começar.
A reconstrução da Síria também será dispendiosa. Quem vai pagar por tudo isso? A nova liderança da Síria não pode fazer isto sozinha, usando apenas o que resta nos cofres do Estado. Uma coligação de doadores internacionais, incluindo organizações da ONU, necessitaria de fornecer ao país fundos volumosos. Mas só abrirão as suas carteiras se houver um governo em que as pessoas confiem. Os doadores precisam saber que seu dinheiro não será desperdiçado ou roubado. É também importante garantir que a ajuda que chega à Síria não seja dispersa ou tenha motivação política. Os doadores que vinculassem a ajuda às suas próprias exigências e prioridades políticas só levariam a esforços desperdiçados, lacunas na ajuda e mais desconfiança. O que é necessário é uma abordagem unida que dê prioridade às necessidades reais do povo sírio e não permita que os esforços de ajuda sejam moldados por jogos políticos. A Síria poderia beneficiar se acolhesse uma conferência de reconstrução abrangente, reunindo doadores internacionais e o novo governo sírio para alinhar as prioridades de reconstrução, assegurar uma colaboração transparente e começar a reconstruir as infra-estruturas e o tecido social do país.
Por último, mas não menos importante, a educação será crucial na reconstrução da Síria num país vibrante, inclusivo e próspero. Um sistema educativo forte promove uma sociedade que valoriza os direitos humanos, o envolvimento comunitário e a justiça. Só investindo na educação e no envolvimento comunitário a Síria poderá curar o seu tecido social e nutrir uma geração que escolhe o diálogo e a colaboração em vez do conflito.
O aspecto mais importante da reconstrução da Síria será a reconstrução da sociedade síria. Afinal de contas, por trás de todo o material técnico estão pessoas reais – famílias que perderam entes queridos em detenções arbitrárias, crianças que ficaram sem educação, comunidades inteiras que sofrem traumas. Reconstruir não envolve apenas consertar estradas, casas, escolas e hospitais; trata-se de devolver às pessoas a sua dignidade e esperança. Os sírios precisam de sentir que o seu sofrimento não foi em vão, que têm uma palavra a dizer sobre o futuro do seu país e que os próximos dias reservam mais do que perdas e conflitos.
A reconstrução da Síria levará tempo e exigirá a dedicação de todas as partes interessadas. Não se trata apenas de construção – trata-se de reconstruir a confiança, incluindo todos os envolvidos no processo, e garantir que as pessoas sejam responsabilizadas. A jornada que temos pela frente é longa, mas com as bases certas, há esperança de que a Síria possa voltar a ser um país próspero e resiliente. Este é um desafio que importa para os sírios e para todos nós.
As opiniões expressas neste artigo são do próprio autor e não refletem necessariamente a posição editorial da Al Jazeera.