POLÍTICA
A tentação do controle | VEJA

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Arthur Pirino
“Eleitores votaram contra a democracia”, leio em um artigo. “Voto irracional”, em outro. Criei até um “exagerômetro”, para ranquear os artigos. Um deles falava na vitória da “idiocracia”. A economia estava crescendo, desemprego baixo, e havia uma mulher na disputa. Como aquela gente cretina foi votar em um “misógino, fascista, lunático”? De um escritor, leio que os Estados Unidos não são “um país sério”, visto que “pretos votam em um racista, mulheres em um machista, e imigrantes em um xenófobo”. Em um grande jornal, leio a incrível tese de que “Trump quer desmontar o sistema de check and balances” da democracia americana. Copiou de sua própria candidata, que em um comício disse que Trump buscava um unchecked power. Pouca criatividade. Não me surpreendo. Antes das eleições, Anne Applebaum escreveu que Trump, vejam só, andava falando como Hitler. Fiquei pensando no que Applebaum achou quando Biden chamou os eleitores de Trump de lixo. Uma eleição poderia ser a chance de uma mirada no espelho. E, quiçá, de alguma humildade.
À época do atentado a Trump, muita gente reconheceu que esse negócio de ficar associando o adversário a Hitler e a Mussolini, que chamei de “retórica existencial”, não ia terminar bem. O bom senso durou uma semana. Por estes dias, a maluquice tomou conta. E aviso: seguirá assim nos próximos quatro anos. Logo os “indicadores de democracia” irão registrar um súbito “declínio democrático”. E uma nova leva de livros tratando de “como as democracias morrem” irá povoar as livrarias. A linguagem dos superlativos, do tipo “o maior risco já vivido pelo Ocidente”, como li em um texto delirante, voltará à moda. A vantagem é que já vimos este filme. Os eleitores eram fascistas quando votaram em George W. Bush (sim, o termo já era usado); voltaram a prezar pela democracia, na era Obama; e subitamente retornaram ao fascismo, em 2016, com o primeiro Trump. Depois agiram com “racionalidade”, com Biden. Agora se converteram em nazifascistas, porque não votaram em Kamala. Em quatro anos, se o ziguezague da política americana funcionar, o universo voltará a sorrir.
A primeira lição disso é a incrível dificuldade dessas pessoas com a democracia. Algo na linha: dado que meu candidato perdeu, a civilização perdeu. Foi o mesmo com as eleições francesas, quando a Frente Nacional parecia que iria ganhar. E no Brasil, nos anos recentes. Há quem imagine que uma derrota dura possa ensinar alguma coisa a essas pessoas. Não creio. E há casos de bom senso. David Brooks, por exemplo. Em sua coluna no Times, ele fez uma dura oposição a Trump, mas é capaz de ir além dos gritos de “fascismo”. Brooks sugere que o cerne da questão é o divórcio contemporâneo entre o mundo de uma elite egressa das grandes universidades, e dominante nos meios de opinião, e o cidadão comum. Com um detalhe: a elite sendo representada pelo Partido Democrata, pelo “progressismo”, de um modo geral, ficando o Partido Republicano com o redneck. O caipira. Incluindo aí os novos rednecks perdedores da globalização e da mudança tecnológica. Vai por aí o convite a J.D. Vance, cuja história (vejam o filme Era uma Vez um Sonho) retrata a vida da América desprezada pelos intelectuais bacanas de Harvard ou Berkeley. Mas que teima em acreditar nos valores do American dream.
Scott Rasmussen conduziu uma pesquisa sobre o tema. Descobriu o seguinte: entre o top 1%, a superelite americana, 73% se identificam com os democratas, que teriam se tornado (a provocação é de Brooks) o “partido das universidades, dos bairros ricos e das zonas urbanas hipsters”. É o caso de Naty. Advogada, chique, progressista, formada em Columbia. Vive em Tribeca, 250 000 dólares anuais, gosta de circular pelo High Line Park aos domingos e, entre um e outro bom capuccino, posta alguma coisa sobre aquecimento global. Ela acha Trump um horror e lá no fundo concorda com a palavra garbage dita por Biden para definir seus eleitores. Do outro lado da pracinha está Mark, que pode morar em algum condado periférico em Michigan ou na Pensilvânia, no Rust Belt, o cinturão da ferrugem, que um dia foi o centro da indústria pesada. Mark observa a invasão de produtos chineses, anda preocupado com o emprego, com o avanço tecnológico, acha que a escola em que mandam matricular o filho é ruim e percebe que o salário compra cada vez menos coisas. Ele não é fascista, não faz ideia do que seja a cultura woke e não tem nada contra imigrantes. Mas acha que há um descontrole na fronteira. Que há muita gente ilegal. E que não seria ruim que alguém colocasse alguma ordem nessas coisas todas.
“A democracia americana recusou o drible na regra do jogo”
Naty e Mark são tipos reais. Estão longe de resumir a complexidade de uma escolha eleitoral, mas tocam no nervo da política atual. Nos swing states, observa Sam Harris, a pergunta que moveu o eleitor mediano girou em torno da questão: “Kamala Harris se preocupa mais com temas culturais, como a questão transgênero, do que em ajudar a classe média”. Seu argumento: venceu a ideia de que os americanos “não gostam muito de ver homens biológicos socarem mulheres na cara nas Olimpíadas”. E que igualdade política não significa que “mulheres trans são mulheres”. O tema é de fato mais amplo. A agenda woke é uma espécie avessa da tradição americana do self-made. Das histórias de Horatio Alger, do indivíduo capaz de vencer com base em valores e escolhas, e não agir como vítima das circunstâncias. Algo que Obama soube traduzir com seu “yes, we can”, mas que foi entregue de bandeja para os republicanos. Não acho que a política identitária esteja morta, como parece acreditar Sam Harris, mas a velha profecia de Steve Bannon continua de pé: “Enquanto a esquerda se concentrar na raça e na identidade, e nós no nacionalismo econômico, vamos continuar ganhando”.
O risco é a tentação do controle. Algo na linha: “Se a direita está ganhando o jogo, é preciso regular”. Se essa gente agora “é a mídia”, como escreveu Elon Musk, com exagero, na noite das eleições, então é preciso regular isso tudo. Muito escutei por aqui que “deveriam ter tirado Trump do jogo”, colocado “essa gente do MAGA na cadeia”. Fosse um país latino de baixa institucionalidade, não duvido que teria acontecido. Algum juiz tirando da cartola uma tese sobre “risco à democracia”, dizendo que “momentos excepcionais exigem medidas excepcionais”. E uma penca de editoriais fazendo tudo parecer muito sério e apropriado. E talvez vá aí a grande diferença. A democracia americana passou pelo teste, nos anos recentes, porque suas instituições recusaram o drible na regra do jogo. Ainda este ano, a Suprema Corte recusou por unanimidade a retirada de Trump da votação. E não há registros de parlamentares banidos e jornalistas com passaportes retidos. Sinto que por aí vai uma grande lição. É algo com o que, no fundo, deveríamos nos preocupar.
Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper
Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2024, edição nº 2919
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TRE de Goiás derruba decisão que tornou Ronaldo Ca…

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8 de abril de 2025
Meire Kusumoto
O Tribunal Regional Eleitoral de Goiás decidiu nesta terça-feira, 8, por unanimidade, reverter a decisão que havia tornado o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) inelegível por oito anos.
Caiado havia sido condenado em dezembro por abuso de poder político durante as eleições municipais junto com o prefeito de Goiânia, Sandro Mabel (União), seu aliado, e Cláudia da Silva Lira, vice de Mabel.
O processo havia sido movido por Frederico Gustavo Rodrigues Cunha (PL), que disputou a eleição contra Mabel. A chapa acusava o uso do Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano, para eventos de campanha.
Em nota, Caiado afirmou que recebeu com “tranquilidade” a decisão do TRE. “Recebi com muito respeito e tranquilidade a decisão desta terça-feira (8/4) do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-GO) que reformou a decisão de primeira instância sobre minha conduta durante o pleito municipal de 2024. Minha trajetória é de absoluto respeito às leis do nosso país e seguirei sempre neste caminho”, disse.
Na semana passada, Caiado oficializou sua pré-candidatura à Presidência da República nas eleições de 2026.
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O fantasma que causou a demissão do ministro de Lula

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8 de abril de 2025
Matheus Leitão
O primeiro ministro de Lula denunciado por corrupção não tem conexão com os escândalos passados, como o mensalão e o petrolão, mas ressuscita um fantasma assombroso que a direita quer muito usar nas eleições de 2026, assim como fez de forma vitoriosa em 2018.
A constatação política circulou hoje em Brasília e foi o principal motivo para o pedido de demissão feito há pouco ao presidente por Juscelino Filho, após negociação com o Palácio do Planalto.
Depois de ser denunciado pela PGR ao STF por suspeita de desvio de emendas parlamentares para obras no interior do Maranhão, estava dada a senha de que seria inevitável uma saída do governo, especialmente em um momento de fragilidade de Lula.
Não é segredo na capital que a inflação de alimentos precisa ser combatida rapidamente, assim como a comunicação do governo precisa mudar, tornando-se afinada aos anseios do PT para a próxima eleição.
Um primeiro passo foi dado recentemente em evento de celebração dos avanços do governo, mas é preciso mais, como a criação de uma marca social para este terceiro mandato de Lula.
Aí mora o perigo. Ter um ministro ligado a área ddas Comunicações denunciado por corrupção seria um tiro no pé sem cirurgia para estancar o sangramento, analisou um integrante do governo à coluna.
Lula, que saiu de punitivista a garantista em sua carreira política após ser preso por mais de 500 dias, já havia dito que se fosse provado algo contra Juscelino, ele teria que sair do governo.
Trata-se ainda da denúncia da procuradoria-geral da República, e não de uma condenação, mas as circunstâncias políticas do presidente adiantaram a fritura do agora ex-ministro das comunicações.
O relógio eleitoral mirando 2026 fez a areia descer rapidamente pela ampulheta no caso de Juscelino Filho. Nada como uma proximidade de uma disputa presidencial para mudar a avaliação política de um escândalo de corrupção.
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Juscelino Filho divulga carta de demissão; leia a…

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8 de abril de 2025
Gustavo Maia
O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, acaba de divulgar uma “carta aberta” em que confirma que pediu demissão ao presidente Lula nesta terça-feira — depois de ser denunciado pela PGR ao STF por suspeita de desvio de emendas parlamentares para obras no interior do Maranhão. No texto, ele informou que retomará o mandato de deputado federal, do qual estava licenciado desde que assumiu o ministério das Comunicações, em janeiro de 2023.
O ministro foi indiciado pela Polícia Federal em junho do ano passado pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. A investigação se refere ao mandato de Juscelino na Câmara, e não tem relação com sua atuação na Esplanada do governo Lula. O caso envolve repasses para Vitorino Freire, cidade comandada pela irmã do ministro Luanna Rezende. O processo é sigiloso e está sob relatoria do ministro Flávio Dino no Supremo.
“Hoje tomei uma das decisões mais difíceis da minha trajetória pública. Solicitei ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva meu desligamento do cargo de ministro das Comunicações. Não o fiz por falta de compromisso, muito pelo contrário. Saio por acreditar que, neste momento, o mais importante é proteger o projeto de país que ajudamos a construir e em que sigo acreditando”, diz Juscelino no início da carta.
Na sequência, ele diz que teve o “apoio incondicional” de Lula, a quem disse admirar “profundamente”.
“A decisão de sair agora também é um gesto de respeito ao governo e ao povo brasileiro. Preciso me dedicar à minha defesa, com serenidade e firmeza, porque sei que a verdade há de prevalecer. As acusações que me atingem são infundadas, e confio plenamente nas instituições do nosso país, especialmente no Supremo Tribunal Federal, para que isso fique claro. A justiça virá!”, escreveu.
Na carta, o ministro também afirmou ainda que deixa o cargo “com a cabeça erguida e o sentimento de dever cumprido”.
Leia a seguir a íntegra do texto:
Carta aberta
Hoje tomei uma das decisões mais difíceis da minha trajetória pública. Solicitei ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva meu desligamento do cargo de ministro das Comunicações. Não o fiz por falta de compromisso, muito pelo contrário. Saio por acreditar que, neste momento, o mais importante é proteger o projeto de país que ajudamos a construir e em que sigo acreditando.
Nos últimos dois anos e quatro meses, vivi a missão mais desafiadora — e, ao mesmo tempo, mais bonita — da minha vida pública: ajudar a conectar os brasileiros e unir o Brasil. Trabalhar por um país onde a inclusão digital não seja privilégio, mas direito. Levar internet onde antes só havia isolamento. Criar oportunidades onde só havia ausência do Estado.
Tive o apoio incondicional do presidente Lula. Um líder a quem admiro profundamente e que sempre me garantiu liberdade e respaldo para trabalhar com autonomia e coragem. Nunca tive apego ao cargo, mas sempre tive paixão pela possibilidade de transformar a vida das pessoas — especialmente das que mais precisam.
A decisão de sair agora também é um gesto de respeito ao governo e ao povo brasileiro. Preciso me dedicar à minha defesa, com serenidade e firmeza, porque sei que a verdade há de prevalecer. As acusações que me atingem são infundadas, e confio plenamente nas instituições do nosso país, especialmente no Supremo Tribunal Federal, para que isso fique claro. A justiça virá!
Retomarei meu mandato de deputado federal pelo Maranhão, de onde seguirei lutando pelo Brasil. Com o mesmo compromisso, a mesma energia e ainda mais fé.
Saio do Ministério com a cabeça erguida e o sentimento de dever cumprido. O Brasil está em outro patamar. Estamos levando banda larga a 138 mil escolas, destravamos o Fust – que estava parado há mais de duas décadas – para investimento de mais de R$ 3 bilhões em projetos de inclusão digital, entregamos mais de 56 mil computadores em comunidades carentes, estamos conectando a Amazônia com 12 mil km de fibra óptica submersa e deixamos pronta a TV 3.0, que vai revolucionar a televisão aberta no país.
É esse legado que deixo. E é com ele que sigo, de pé, lutando por justiça, pela democracia e pelo povo brasileiro.
Meu agradecimento a toda a minha equipe, ao presidente Lula, mais uma vez, ao meu partido União Brasil e, em especial, ao povo do Maranhão que me escolheu para ser seu representante na vida pública. Me orgulha muito ser maranhense e poder ter contribuído com meu Estado e meu País.
Juscelino Filho
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