Hugo César Marques
Desde que Lula conquistou o terceiro mandato, uma espécie de operação resgate começou a ser colocada em prática pelo governo. Petistas que ao longo dos últimos anos foram investigados, condenados e até presos por crimes como corrupção passaram a se dedicar a recuperar o prestígio e reescrever a própria história ou, no mínimo, maquiá-la. O impeachment da Dilma Rousseff, por exemplo, é tratado como um golpe congressual movido por interesses subalternos, associados a uma dose de preconceito contra as mulheres. Narrativa difícil de engolir, mas o que vale é a versão martelada à exaustão. Para demonstrar a capacidade e a competência da ex-presidente, que nem sequer conseguiu se eleger para um cargo no Congresso após deixar o Planalto, ela foi nomeada para comandar o Novo Banco de Desenvolvimento, mais um empurrãozinho dos companheiros a levou ao banco do Brics, como a instituição é conhecida. Assim, trocou o modesto apartamento em Porto Alegre por uma confortável residência em Xangai, na China, a pensão do INSS ganhou um reforço de 50 000 dólares mensais e ela voltou a ter uma rotina de reuniões com chefes de Estado e autoridades de vários países. Vez por outra, até arrisca alguns palpites sobre a economia mundial. Dilma, sem dúvida, é um caso de redenção bem-sucedido.
O mesmo, por enquanto, não se pode dizer de um personagem singular que submergiu junto com a ex-presidente. Guido Mantega foi o todo-poderoso ministro da Fazenda durante nove anos de governo petista — do final do primeiro mandato de Lula até quase o final do governo Dilma. Ele é apontado como responsável por erros na condução da política econômica e pelas manobras contábeis que resultaram na cassação do mandato da petista. Ao deixar o governo, ele foi atropelado por uma avalanche de denúncias, acabou preso durante a Lava-Jato e chegou a admitir que mantinha uma conta não declarada na Suíça. Os processos contra o ex-ministro, alguns sustentados apenas em delações premiadas, foram arquivados por falta de provas ou prescreveram por inação da Justiça. Desde então, Lula tenta içar o antigo auxiliar às hostes do poder. A última incursão aconteceu na semana passada, quando o ex-ministro foi convidado para integrar o conselho fiscal da Eletrobras, a antiga estatal do setor elétrico, privatizada durante o governo Bolsonaro. A indicação, que ocorreu dias após o arquivamento de um processo em que o ex-ministro era acusado de lavagem de dinheiro, ainda precisa do aval dos acionistas.
Não é a primeira vez que Lula estende a mão ao ex-aliado. Durante a transição de governo, em 2022, o presidente convidou o ex-ministro para compor o grupo responsável por traçar as metas de planejamento, orçamento e gestão do terceiro mandato, mas foi obrigado a afastá-lo da função ao ser informado de que havia uma condenação imposta pelo Tribunal de Contas da União (TCU) impedindo o ex-ministro de ocupar públicos. Depois disso, o presidente fez gestões para incluir Mantega no conselho de administração da mineradora Vale. A reação negativa do mercado financeiro inviabilizou a ideia. No ano passado, o alvo do lobby foi a petroquímica Braskem. Apenas os rumores sobre essa intenção provocaram uma queda nas ações da empresa. O presidente desistiu. Enquanto aguardava nova oportunidade, o ex-ministro dava aulas on-line na Fundação Perseu Abramo, entidade ligada ao PT, e prestava consultoria a alguns clientes específicos, como o Banco Master, às voltas recentemente numa controversa operação financeira de venda de ações para o BRB, instituição financeira controlada pelo governo do Distrito Federal.
Se tudo der certo, Mantega vai se somar a um grupo de “anistiados” do qual já fazem parte, além de Dilma Rousseff, o ex-ministro José Dirceu (condenado por corrupção), os ex-deputados João Paulo Cunha (condenado por corrupção) e José Genoino (condenado por corrupção), o ex-governador Fernando Pimentel (acusado de corrupção) e os ex-tesoureiros Delúbio Soares (condenado por corrupção) e João Vaccari Neto (condenado por corrupção). Desde a posse de Lula, o ex-ministro da Fazenda já esteve ao menos cinco vezes em Brasília para reuniões “de urgência” no “gabinete presidencial” e no “gabinete pessoal do presidente”. As informações sobre as viagens, cujas passagens foram custeadas com dinheiro público, estão registradas no Portal da Transparência.
Indagado a respeito pela reportagem de VEJA, o Palácio do Planalto disse que “não houve agenda do presidente Lula com Guido Mantega nas datas citadas”, porém se recusou a informar com quem então o ex-ministro teria se encontrado no gabinete pessoal e presidencial e o motivo da urgência. Procurado, Guido Mantega também não quis se pronunciar. A Eletrobras marcou para o próximo dia 29 a assembleia que vai decidir se aprova ou não a entrada do ex-ministro no conselho da empresa.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2025, edição nº 2939