Debate foi solicitado pelo deputado Adailton Cruz (PSB) que trabalha em um projeto de lei para proibir que policiais entrem armados em locais com venda de bebidas alcóolicas. Representantes de diversas entidades compareceram para apresentar sugestões.
Capa: Deputado Adailton Cruz (PSB) solicitou audiência pública antes de concluir projeto de lei para proibir porte de armas de agentes de segurança em festas — Foto: Murilo Lima/Rede Amazônica Acre.
Eu não sou contra o porte de arma para nenhum agente, seja no ambiente de serviço seja fora. Jamais iria trabalhar para que esse direito legal fosse furtado dos nossos agentes. No entanto, o que nos traz aqui ao debate, e eu jamais iria ser responsável de apresentar uma proposta de lei sem ouvir os responsáveis. Estamos aqui para discutir a disciplina e a regulamentação para usar armamento fora do expediente e em ambiente com consumo de álcool. Saber como isso está sendo comandado pelas corregedorias, saber se já existe disciplina, e se já existe, não iremos nos furtar de disciplinar. Porque eu vejo sempre o agente de segurança pública como um alicerce, não podemos ver com temor, com medo. Alguém bêbado com uma arma em punho ou na cintura, não transmite outra coisa que não medo”, destacou o parlamentar.
Já o representante do comando da Polícia Civil do Acre, delegado Alex de Souza Cavalcante, ressaltou que o porte de arma, ainda que fora do expediente, é um direito garantido aos agentes. Ele ressalta que a legislação precisa ser atualizada e discutida, mas classifica o direito ao porte de armamento como proteção.
“A legislação precisa ser atualizada, é preciso que se tenha esse olhar para o policial, a qualidade de vida do policial tem que ser verificada, tanto para fiscalizar a atuação, se estão sendo preenchidos os requisitos, e o lado psicológico do policial, que lida com situações estressantes. A legislação deixa a critério do comandante de cada corporação. Minha sugestão é que, hoje como temos uma promotoria de assuntos de segurança pública, a gente tem como avançar nessas questões, na atualização dessa legislação, instando as forças a intensificar essa fiscalização”, sugeriu.
O presidente do Sindicato dos Policiais Penais (Sindpen), Joélison Ramos de Sena, foi além, e criticou propostas que proíbam os agentes de segurança pública de portar armas mesmo fora do horário de serviço. Ele ressaltou a necessidade de fiscalização, mas disse que sem o direito ao armamento, os agentes ficariam desprotegidos. Ele acrescentou que seria impossível impedir casos em que agentes se excedem no direito a utilizar o armamento.
“A gente lamenta, acredita que é algo impossível de um cenário, de impedir que ações ínfimas dessa venham a acontecer. Seria brincar de deuses a gente achar que pode impedir ações como essa. Ainda mais no caso de policiais do Acre. O Acre é, proporcionalmente, o lugar onde mais se prende no mundo. Polícia Militar, todos os dias prende gente, combate, colocando sua vida em risco, os bandidos no Acre estão cada vez mais audaciosos, com o advento das facções. Nós podemos contar pelo menos com essa legislação que nos dá proteção. Como algumas autoridades talvez não sintam isso na pele, porque têm segurança 24 horas, e nós não temos. E moramos na periferia, porque nosso salário não nos permite morar em condomínios fechados. O estado que mais prende, não pode de maneira alguma ter o direito de proteção à sua própria vida e de familiares, e consequentemente da sociedade, no momento de folga, cerceado”, argumentou.
Pesquisa do MP-AC
Uma pesquisa feita pelo Ministério Público do Acre (MP-AC), por meio da Promotoria Especializada de Tutela do Direito Difuso à Segurança Pública, mostra os resultados de uma pesquisa de opinião sobre o porte de arma de fogo por agentes de Segurança Pública durante o período de folga.
O estudo, foi feito em março deste ano e ouviu 385 pessoas, sendo 206 do sexo feminino (53,6%) e 179 do sexo masculino (46,6%). Porém, só foi divulgado no dia 10 de agosto.
Para a pesquisa, foi elaborada a seguinte pergunta: “Na sua opinião, um policial de folga pode andar armado em locais de aglomeração e consumir bebida alcoólica?”, podendo responder “Sim” ou “Não”. A maioria dos entrevistados, 96%, respondeu que não.
O promotor de Justiça Especializada de Tutela do Direito Difuso à Segurança Pública, Rodrigo Curti, também esteve na audiência e disse que é muito importante ter esse debate.
“Nós solicitamos informações das corporações para entender todo esse contexto normativo que possibilita o porte de arma para os agentes de segurança pública e a ideia do Ministério Público, que foi trazida aqui hoje nessa audiência pública, é buscar formas mais efetivas, ou seja, jogar um olhar diferenciado na legislação atual, nas portarias, nas instruções normativas das corporações, de forma a poder torná-las mais efetivas, melhorá-las, torná-las mais eficientes”, disse.
‘Queremos justiça’
Pais de Wesley Santos da Silva, que foi morto por policial penal na Expoacre, compareceram à audiência — Foto: Murilo Lima/Rede Amazônica Acre
O estado do Acre já registrou diversos casos de agentes policiais que acabam ferindo ou até causando mortes em situações que não eram ocorrências policiais. No dia 9 de agosto, o deputado Adailton Cruz propôs um projeto de lei para proibir que agentes de segurança pública portem armas em locais onde ocorrem festas.
Ele citou o caso de Wesley Santos da Silva, de 20 anos, que morreu após ser baleado pelo policial penal e ex-diretor do presídio de Senador Guiomard, Raimundo Nonato Veloso da Silva Neto, durante a Expoacre.
A família de Wesley compareceu à audiência pública para pedir justiça pelo caso do jovem, e também para exigir sensibilidade de todos os participantes na análise da questão.
A operadora de caixa Brenda Gonçalves, prima de Wesley, disse que os familiares não se conformam com o caso, e ressaltou que o jovem tinha três empregos, era uma boa pessoa, e que não era usuário de drogas.
“Então, a gente tá aqui, mandou fazer essas camisas e a gente quer justiça pelo Wesley, porque ele não era nenhum usuário de drogas, ele não era nenhum faccionado, ele era um trabalhador. Ele tinha três empregos, ele ajudava a mãe dele nas despesas de casa, cuidando de dois irmãos menores e hoje ele não tá mais aqui no nosso meio. Ele era uma pessoa boa, nunca fez mal a ninguém, nem inimizade ele não tinha. Então, isso é muito injusto e a gente quer justiça pela vida dele. Isso não vai ficar assim, enquanto a gente tiver força, a gente vai estar se mobilizando e vai ser feita a justiça sim, se Deus quiser”, declarou.
Francisca pede justiça pela morte de Wesley durante audiência pública — Foto: Murilo Lima/Rede Amazônica Acre
Outros casos
Outro caso de grande repercussão, foi a morte do estudante Rafael Frota em 2 de julho de 2016. Ele foi atingido por um tiro efetuado pelo policial federal Victor Campelo, após uma confusão em uma boate de Rio Branco.
Em janeiro deste ano, Campelo foi absolvido em juri popular, após ser acusado de homicídio contra Frota, e tentativa de homicídio contra Nelciony Patrício, um dos envolvidos na confusão.
Antes de ler a sentença, o juiz Alesson Braz, destacou que o uso da arma por agentes de segurança em boates e somado com bebida alcoólica precisa ser melhor debatido.
Outro caso ocorrido fora do horário de trabalho foi do policial penal Alessandro Rosas Lopes, denunciado por matar o vendedor de picolé Gilcimar da Silva Honorato em dezembro de 2020 em Rio Branco. A PM-AC informou que o policial, que estava à paisana, parou em um bar do conjunto para comprar bebida, quando um homem pediu para ele comprar cachaça. Lopes se recusou e iniciou uma discussão entre os dois. Honorato entrou na discussão e os dois iniciaram uma luta corporal. O servidor público teria saído para a rua e foi perseguido pelo picolezeiro. O policial afirmou que percebeu que a vítima estava com uma faca, pegou o revólver no carro e atirou no picolezeiro, que morreu ainda no local. O processo segue em andamento e Lopes está preso.
Após os disparos, Lopes saiu do local em seu carro, mas a população anotou a placa do veículo e repassou para a PM-AC.
O vigilante Raimundo Carlos Costa de Araújo, de 37 anos, foi morto em um balneário de Rio Branco no dia 24 de julho de 2016. De acordo com a PM, em matéria publicada no g1 no dia do crime, o sargento teria chamado a esposa da vítima para dançar, gerando uma discussão e o vigilante teria reagido e dado um soco nele.
Após a briga, o homem foi alvejado com os disparos. O sargento da Polícia Militar Jorge Werston de Andrade Mendes, foi condenado pelo crime.
Outro caso que não terminou em morte, mas teve bastante repercussão foi do ex-sargento da Polícia Militar Erisson de Melo Nery, preso desde novembro de 2021 por ter atirado contra um estudante durante uma briga em um bar de Epitaciolândia.
Em novembro de 2021, o ex-sargento foi preso por atirar no estudante Flávio Endres Ferreira durante uma briga em um bar de Epitaciolândia. Ele responde por tentativa de homicídio qualificado por motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima, porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e lesão corporal grave. Ele segue preso e o processo também ainda está correndo.
Brenda Gonçalves é prima de Wesley, e diz que ele era uma boa pessoa — Foto: Murilo Lima/Rede Amazônica Acre