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Anna Kendrick estreia bem na direção de ‘A Garota da Vez’ – 17/10/2024 – Ilustrada

Anna Kendrick estreia bem na direção de 'A Garota da Vez' - 17/10/2024 - Ilustrada

Bruno Ghetti

Na década de 1970, o psicopata Rodney Alcala cometeu estupros e assassinatos que por anos seguiram não solucionados. Enquanto continuava ocultamente sua trajetória criminosa, o rapaz participou de um programa de namoro na TV, em que ele e dois outros jovens disputavam a preferência de uma mulher.

Alcala foi o vencedor, sem que a participante fizesse ideia de que, talvez ali, estivesse assinando sua própria sentença de morte. Esse episódio verídico, assustador, é o centro gravitacional de “A Garota da Vez“, boa estreia da atriz Anna Kendrick na direção.

O filme intercala a história da participação televisiva de Cheryl Bradshaw, vivida pela própria cineasta, com cenas de abordagens do serial killer a outras vítimas. Em geral, dizia ser fotógrafo, e entre elogios e falas respeitosas, ganhava a confiança das moças –para performar suas fantasias sádicas em seguida.

Com Cheryl foi diferente. A jovem era uma aspirante a atriz inteligente e dedicada, mas sem emprego, que aceitou aparecer no game show pelo cachê, sem interesse em namoro real.

Já Alcala talvez estivesse ali não só para conquistar uma nova presa: seu narcisismo o tornava tão certo de que sairia vitorioso –e em rede nacional– quanto de que não seria reconhecido ou preso, apesar de se mostrar diante da câmera. Era pura satisfação de ego.

No programa, Cheryl é instruída a parecer tola e sexy, perguntando idiotices aos pretendentes e ouvindo respostas igualmente estúpidas –menos as de Alcala, que espertamente sabia seduzir a participante.

O vídeo do show original existe na internet, e o conjunto da obra tem uma atmosfera geral tão ou mais assustadora que o próprio olhar autoconfiante do Alcala verdadeiro.

É nauseante ver a Cheryl da vida real sorrindo exageradamente e perguntando ao pretendente coisas do tipo: “Com que comida você se parece?”, ouvindo de Alcala respostas de uma vulgaridade que Kendrick preferiu conter em sua versão.

Se ela reproduzisse em seu filme algo fiel ao original, conseguiria cenas sinistras, mas cujo terror viria mais do circo de horrores daquele programa do que da presença do serial killer em si. Em uma jogada de risco, Kendrick e o roteirista Ian McDonald têm uma boa solução: Cheryl sai do script e, de repente, faz perguntas inusitadas, que são na verdade armadilhas para seus pretendentes, e o filme ganha ali uma salutar lufada cômica.

Kendrick é do tipo de pessoa que parece estar sorrindo mesmo quando seu rosto está sério, e isso rende a suas personagens um quê de ironia que ela costuma utilizar com sagacidade, como no trecho do quiz. Mas quando o programa termina e ela de fato se encontra com Alcala, seu rosto ganha um semblante mais humanizado, e sem precisar dizer muito, o espectador capta ali seu pavor.

A cena em que eles se encontram em um estacionamento é dirigida com um senso de suspense bastante pronunciado. Mas existe uma certa banalidade nas cenas entre o psicopata e as outras vítimas.

A estrutura em vai e vem temporal, intercalando o game show com trechos de outros crimes, mais atrapalha o fluxo do que amplia o suspense. E uma cena envolvendo um estagiário do Los Angeles Times, em um indicativo de uma suposta bissexualidade de Alcala, é especialmente desacertada.

Mas em seus melhores momentos, a diretora ressalta o que era o grande interesse: mostrar o quanto a sociedade espera da mulher papéis definidos, aquém de suas possibilidades, jamais as levando a sério de fato. “Seja tola e sexy”, e é isso.

Falas mais atenciosas, como as de Alcala, não as seduzem à toa. A personagem que reconhece o psicopata durante a gravação, por exemplo, tenta denunciar o rapaz, mas se nem o próprio namorado acredita muito no que ela diz, o que dizer dos demais?

Não há saída para as mulheres que não seja contarem com a sororidade entre si, e isso se revela em cenas simples. Como uma no restaurante, quando Cheryl se sente desconfortável diante de um homem e faz um leve sinal com a cabeça a uma garçonete, que entende o grito de socorro não verbalizado e mente que o bar não está servindo mais bebidas.

Há um problema, no entanto, que o filme não é capaz de burlar. A visão que o longa tem sobre os homens reproduz praticamente os arquétipos que estão no programa de TV. Há os que são como o pretendente 1, completamente idiotas, e os que pendem mais para o pretendente 2, completamente machistas –a terceira opção, é claro, são os psicopatas, como o 3.

Não chega a ser um “statement” da cineasta ou do roteirista, em um esforço de demonização aberta e completa de pessoas do gênero masculino. Mas é uma armadilha que nem todo filme de aspiração feminista tem conseguido evitar.





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