POLÍTICA
Anúncio do corte de gastos traz novo desgaste na relação de Lula com militares
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Laryssa Borges
Em 2023, logo depois do fatídico dia 8 de janeiro, Lula contou a um aliado uma história intrigante que teria consolidado sua convicção de que o país esteve mesmo à beira de uma ruptura institucional. A Polícia Federal ainda engatinhava nas investigações sobre a tentativa de golpe. Nada se sabia sobre minutas, reuniões secretas, sequestros ou kids pretos. O presidente disse que havia um plano idealizado pela Marinha para impedir sua posse, era para ter sido colocado em prática dez dias antes da transmissão do cargo, contaria com o apoio operacional de fuzileiros navais e só não se concretizou porque não teve adesão do Alto-Comando do Exército. Naquele momento, sem maiores detalhes, optou-se por não levar o caso adiante. Mas agora, em vista do que foi revelado recentemente sobre a atuação de alguns setores militares no apagar das luzes da gestão de Jair Bolsonaro, o governo não tem dúvida de que essa trama de fato ocorreu, o que ampliou ainda mais o nível de desconfiança que sempre existiu em relação às Forças Armadas.
Na época dessa suposta conspiração dos fuzileiros, o comandante da Marinha era o almirante Almir Garnier. Há duas semanas, ele foi apontado pela Polícia Federal como o único dos três comandantes militares a apoiar os planos golpistas para manter Bolsonaro no poder. Teria, de acordo com os investigadores, inclusive colocado “as tropas à disposição”. Fora isso não há qualquer evidência que ligue a história que o presidente ouviu lá atrás com o que a PF descobriu tempos depois. Às vezes, simples coincidências são suficientes para alimentar teorias. Se esse plano de fato existiu, a execução necessariamente passaria pelo Comando de Operações Navais, posto então ocupado pelo almirante Marcos Olsen, o atual chefe da Marinha, promovido por Lula, e que já disse que não houve nenhuma movimentação ou ordem para emprego de seus soldados naquele período. Se tivesse ocorrido, garante, ele saberia. Um episódio aparentemente corriqueiro ocorrido no domingo 1º, no entanto, gerou dúvidas sobre a lealdade do comandante.
Para comemorar o Dia do Marinheiro, a Marinha divulgou um vídeo de 1 minuto e 16 segundos que fazia um paralelo entre a rotina dos militares e a vida tranquila da população civil. As imagens mostram soldados em um mar revolto, enquanto jovens dançam e brindam em terra firme. Apresenta cenas de rigorosos treinamentos a que os soldados são submetidos, ao mesmo tempo em que pessoas praticam esportes. A peça publicitária termina com uma pergunta carregada de ironia: “Privilégios? Vem para a Marinha”. O Planalto interpretou o vídeo como uma provocação, uma forma que os militares encontraram de protestar publicamente contra as mudanças propostas pelo governo no regime de previdência das Forças Armadas, mas optou pelo silêncio para não alimentar um embate. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ficou encarregada da reprimenda. “Ninguém duvida que o serviço militar exige esforço e sacrifícios pessoais, especialmente da tropa que se arrisca nos treinamentos e faz o serviço pesado. Isso não faz dos militares cidadãos mais merecedores de respeito do que a população civil, que trabalha duro, não vive na farra”, escreveu ela numa rede social.
Nos bastidores, porém, houve desdobramentos. Lula não gostou da peça publicitária e, irritado, ensaiou como primeira reação encerrar as negociações que estavam em andamento sobre as mudanças na aposentadoria. Um dia antes da divulgação do vídeo, o presidente havia se reunido com o ministro da Defesa, José Múcio, e os três comandantes militares para discutir alguns pontos da reforma. Múcio não foi informado previamente sobre a publicação. Na segunda-feira, o presidente recuou, convencido de que a radicalização poderia produzir novos desgastes e criar uma crise desnecessária, principalmente no momento em que as investigações sobre o golpe atingiram seu ponto mais alto, com o indiciamento de 25 militares, incluindo sete generais. Em nota, a Marinha informou que a intenção do vídeo foi “destacar e reconhecer o constante sacrifício de marinheiros e fuzileiros navais, que trabalham incansavelmente para a Defesa da Pátria e o desenvolvimento nacional, atividades essenciais para que a sociedade desfrute de vida segura e próspera”. Não respondeu, porém, se o almirante Olsen foi instado a dar alguma explicação ao presidente e também não quis comentar a polêmica sobre o vídeo que ultrapassou 4 milhões de visualizações em uma rede social.
O fato é que, apesar das aparências, as relações entre os militares e o presidente nunca foi das melhores — pelo contrário. A desconfiança é mútua. Lula começou o mandato batendo de frente com o então comandante do Exército, Júlio Cesar de Arruda. A convite do presidente, o militar assumiu a chefia da força pouco antes da posse e foi demitido 22 dias depois, na esteira do 8 de Janeiro. Além de ter impedido a retirada dos manifestantes acampados em frente ao quartel militar em Brasília na noite seguinte aos ataques, o general enviou recados velados ao presidente de que não admitiria a entrada da Polícia Federal em área militar. O Exército sempre suspeitou — e ainda suspeita — que a PF é utilizada pelo governo para constranger a corporação. O governo, por sua vez, tem convicção de que a atual cúpula militar, embora mais afastada do bolsonarismo, tem profundas resistências a Lula e ao PT.
De acordo com a polícia, os comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, da Aeronáutica, Carlos Baptista Jr., e da Marinha, Almir Garnier, sob a batuta de Bolsonaro, presenciaram alterações, melhorias e edições de decretos e minutas que, a pretexto de reverter uma inexistente fraude eleitoral, permitiriam a anulação da eleição e a manutenção do então presidente no poder. Os dois primeiros garantem que rechaçaram os planos golpistas. No momento mais tenso daquele período, Freire Gomes, segundo o relato de Baptista Jr., teria até ameaçado prender Bolsonaro se ele levasse sua intenção adiante. Menos enfático, o ex-chefe do Exército disse que apenas alertou o presidente para a possibilidade de uma “responsabilização penal”. Almir Garnier, o ex-comandante da Marinha, optou pelo silêncio. Não haveria heróis nesse enredo antidemocrático.
A PF chegou a levantar a hipótese de o general Freire Gomes ter sido deliberadamente “omisso” ao não denunciar a conspiração em curso que ele testemunhou. Confrontados com a hipótese de serem acusados de prevaricação, tanto ele quanto Baptista Jr. argumentam que a inação foi tática. Se tivessem se rebelado, poderiam ter sido substituídos por colegas mais extremistas e o golpe poderia ter se concretizado. Os dois oficiais nunca mais se manifestaram publicamente sobre o caso. Transferido para a reserva, o general tem passado temporadas na Europa. Já o brigadeiro, também na reserva, publicou recentemente um post enigmático. “Percebemos que a vida não é como esses dramas tão adorados pelas pessoas nos quais todo vilão é punido e todo ato de virtude tem a sua recompensa”, escreveu. Pouco afeito às redes sociais, Garnier só não submergiu totalmente desde que foi enredado na trama golpista porque fez quatro publicações neste ano, todas antes do indiciamento. Em uma delas, no Dia das Crianças, disse acreditar no futuro da nação, “mesmo navegando em manobra de furacão”. Na mais recente, postada após a eleição de Donald Trump, exaltou os Estados Unidos e parabenizou os “homens e mulheres dessa terra dos livres e lar dos valentes”.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2024, edição nº 2922
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Senado deve votar projeto de Pacheco para refinanc…
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17 de dezembro de 2024 Nicholas Shores
O Senado deve votar nesta terça-feira o texto substitutivo da Câmara ao projeto de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) que cria instrumentos para os estados abaterem sua dívida com a União e refinancia o saldo remanescente em 30 anos. A proposta beneficia principalmente Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, que devem, juntos, mais de 700 bilhões de reais aos cofres federais.
De acordo com o texto aprovado pelos deputados, as dívidas dos estados que aderirem ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) seriam refinanciadas com atualização monetária pela variação do IPCA e juros que podem ser de 0%, 1% ou 2% ao ano, dependendo de quanto cada governo investir em saneamento, habitação, adaptação às mudanças climáticas e transportes.
Os estados também terão de fazer aportes anuais em um fundo de equalização federativa. As aplicações serão de:
- 1% do montante do saldo devedor da divida, para os estados pagando prestações com juros reais de 0%;
- 1,5% do saldo devedor, para os que pagarem prestações a juros reais de 1%;
- 2% do saldo devedor, para os estados pagando prestações a juros reais de 2% (dois por cento).
O substitutivo da Câmara também propõe que os estados participantes do Propag limitem o crescimento de suas despesas primárias sob modelo parecido ao do novo arcabouço fiscal vigente para o governo federal.
O Senado pode carimbar o texto dos deputados ou retomar a versão original do relatório de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
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O relatório de Damares sobre a Política Nacional d…
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10 horas atrásem
16 de dezembro de 2024Gustavo Maia
A Comissão de Segurança Pública do Senado vai analisar na manhã desta terça-feira o relatório da senadora Damares Alves (Republicanos-DF) com as conclusões da avaliação da política pública analisada pelo colegiado neste ano, a respeito da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas — estabelecida na Lei 13.182, de 2019.
O documento foi resultado de debates com especialistas promovidos em quatro audiências públicas e utilizou informações coletadas de órgãos públicos que executam ações relacionadas à política, como os ministérios da Justiça, dos Direitos Humanos e da Saúde, as polícias Federal e Rodoviária Federal e o Conselho Nacional de Saúde.
“A estrutura do governo federal, à época, carecia de um órgão dedicado exclusivamente à busca de pessoas desaparecidas. Não existia, por exemplo, uma secretaria em nível ministerial para promover o diálogo entre diferentes entidades governamentais e não governamentais, o que resultava, muitas vezes, em resposta fragmentada diante de casos tão urgentes”, destaca Damares no seu relatório.
Entre elogios, críticas e recomendações, a senadora apontou que a política nacional “revelou avanços importantes na estruturação de uma resposta coordenada e integrada pelo poder público e a sociedade civil”, entre elas a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, a implementação de sistemas de alerta como o Amber Alerts, e a ampliação da capacitação de agentes públicos.
“Contudo, os desafios permanecem. A falta de padronização de dados, a subnotificação de casos e as dificuldades de articulação interinstitucional evidenciam a necessidade de aperfeiçoamento das estratégias já implementadas”, escreveu.
“Além disso, é imprescindível fortalecer os equipamentos públicos de atendimento psicossocial às famílias de desaparecidos, cuja vulnerabilidade emocional, social e econômica exige uma abordagem multidisciplinar e contínua. Assim, é urgente que o Governo Federal implemente o disposto no art. 15 da Lei no 13.812/20219, que trata sobre a implementação de programas de atendimento psicossociais para as famílias de pessoas desaparecidas”, complementou.
Dentre as proposições para o Executivo estão a implantação da Carteira de Identidade Nacional em todo o território brasileiro, a expansão de cartórios integrados em maternidades e a criação de uma rede de perícia. Para o Legislativo, as sugestões incluem a tipificação do crime de desaparecimento forçado e a revisão da Lei Geral de Proteção de Dados, de 2018, para autorizar quebra de sigilo de dados de pessoas desaparecidas por autoridades policiais.
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Colômbia é condenada pelo sumiço de defensores de…
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16 de dezembro de 2024Matheus Leitão
A Corte Interamericana de Direitos Humanos realizou o Ato de Notificação de Sentença do Caso Ubaté y Bogotá Vs. Colombia, transmitido através do canal da Corte no Youtube. O Estado colombiano foi condenado pelo desaparecimento forçado de Jhon Ricardo Ubaté Monroy e Gloria Mireya Bogotá Barbosa, perpetrado por agentes estatais em 19 de maio de 1995.
Ambas as vítimas já tinham integrado o Ejército Popular de Liberación (EPL), mas, quando desapareceram, já haviam deixado a organização há quatro anos. Ubaté atuava, à época do sequestro, como defensor de direitos humanos, denunciando violências praticadas por paramilitares em sua região.
A sentença considerou o Estado colombiano responsável pela violação de direitos humanos das duas vítimas e de seus familiares, em vista do assédio e das hostilidades que sofreram enquanto buscavam elucidar o fato. Ademais, a Corte entendeu que, passados quase 30 anos desde o desaparecimento sem que os responsáveis tenham sido punidos e sem que se tenha conhecimento sobre o paradeiro das vítimas, os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial também foram violados, destacando que alguns familiares foram obrigados a exilar-se em razão das ameaças recebidas.
O juiz brasileiro e atual vice-presidente da Corte, Rodrigo Mudrovitsch, proferiu voto parcialmente dissidente, em que, além de corroborar o posicionamento da sentença sobre a responsabilidade do Estado no caso, propõe uma medida extra, defendendo a “necessidade de alinhar o tipo penal colombiano aos parâmetros internacionais sobre a matéria”, com intuito de “assegurar que a vasta jurisprudência da Corte IDH e os diversos tratados internacionais específicos sobre o desaparecimento forçado sejam plenamente eficazes, evitando assim a distorção da natureza delitiva de crimes internacionalmente protegido”.
Não se trata do primeiro caso da Corte a respeito de desaparecimento forçado, prática comum em nossa região sobretudo durante os períodos em que vigoraram regimes ditatoriais. O mais recente sucesso do cinema brasileiro, “Ainda estou aqui”, trata justamente de uma história real de desaparecimento forçado, em que a vítima, o ex-deputado Rubens Paiva, foi retirado de sua casa por agentes da ditadura militar brasileira supostamente para um interrogatório, e nunca mais foi visto.
O filme ilustra não apenas o desaparecimento em si, mas todo o doloroso processo de busca pelo desaparecido, a luta na justiça para identificar os responsáveis, o sofrimento dos familiares diante da ausência de respostas e de um luto que não é vivido em sua completude, dada a incerteza do que verdadeiramente ocorreu com a vítima. Todos esses desdobramentos que decorrem de um desaparecimento forçado são amplamente discutidos pela Corte, inclusive no Caso Ubaté, e estão especialmente presentes no voto de Mudrovitsch, que reforça a necessidade de criminalização dessa prática.
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