Catia Seabra, Ranier Bragon, Renato Machado
As explosões ocorridas na noite de quarta-feira (13) na praça dos Três Poderes motivaram discursos distintos no mundo político e jurídico. Da parte do governo e do STF (Supremo Tribunal Federal), as falas vinculam o atentado aos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. Já a oposição sustenta que houve uma ação isolada de um “lobo solitário”.
Embora essas posições ainda dependam de confirmação pelas investigações, há objetivos claros em torno da discussão de possível anistia aos que participaram do 8 de janeiro.
Na manhã desta quinta-feira (14), o ministro do STF Alexandre de Moraes e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, foram a público com discursos em tom uníssono, o de que o ato do chaveiro e ex-candidato a vereador Francisco Wanderley Luiz tem clara conexão com as mensagens de ódio bolsonaristas e com os ataques golpistas do início de 2023.
A argumentação vai na direção contrária aos interesses dos que defendem anistia, como o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, que conseguiram emplacar o tema em uma comissão especial da Câmara dos Deputados.
“Só é possível essa necessária pacificação do país com a responsabilização de todos os criminosos. Não existe possibilidade de pacificação com anistia a criminosos”, disse Moraes. A investigação da PF sobre o ataque foi enviada ao ministro após a corte ver conexão com os ataques de 8 de janeiro, que já estão sob a guarda dele no tribunal.
Moraes afirmou ainda que o ocorrido não é um ato isolado e começou com o chamado “gabinete do ódio” na gestão Bolsonaro.
Já Andrei declarou que, ainda que a “ação visível” seja individual, “por trás nunca há só uma pessoa, é sempre um grupo ou ideias de um grupo, ou extremismos e radicalismos que levam ao cometimento desses delitos”.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e o decano, Gilmar Mendes, foram na mesma linha. “Querem perdoar sem antes sequer condenar”, disse o primeiro. “O discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação foram largamente estimulados pelo governo anterior”, completou o segundo.
Já Cármen Lúcia disse, ao abrir sessão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido por ela, que se tratou de um ato grave e que “o Brasil foi dormir preocupado com os acontecimentos”.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, publicou em rede social que, como disse Moraes, o atentado “confirma que é imprescindível processar e punir todos os envolvidos no 8 de janeiro, […] a começar pelos mandantes e pelo chefe de todos, que é o maior inspirador do terrorismo da extrema direita”, em referência a Bolsonaro.
Na opinião de líderes partidários e ministros, o ato de Francisco, que concorreu ao cargo de vereador pelo PL em 2020, fortalece o papel do STF na condução do inquérito sobre o 8 de janeiro e ajuda a frear o impulso político aos bolsonaristas ocorrido com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos.
Titular da Secretaria de Comunicação da Presidência, o ministro Paulo Pimenta sugere que o autor do atentado estaria atendendo a orientações de lideranças.
“Por que está acontecendo isso? Por que o Alexandre de Moraes como alvo? Basta abrir as redes [sociais], é o tal do apito de cachorro: a liderança fala, e as coisas acontecem embaixo. Eles têm que responder por isso. Essas conexões têm que ser investigadas, se tem financiamento, se não tem, [eles] têm que ser responsabilizados.”
O ministro da Secretaria de Comunicação também questiona a versão de que o autor do atentado teria se suicidado. Argumenta que, ao analisar o vídeo, chegou à conclusão de que ele teria caído quando uma bomba estourou em sua mão.
Sobre a repercussão política, Pimenta afirma que compromete o avanço do debate em favor da anistia dos participantes dos ataques de 8 de janeiro. “Impunidade é o fermento do ódio e da violência.”
Sob reserva, um ministro diz que a anistia virou palavrão neste momento.
Líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) afirma que o fato “enterra de vez qualquer possibilidade de votação de anistia” na Casa, opinião compartilhada reservadamente por outros parlamentares governistas.
“Nunca foi nem será um ato isolado. É um projeto encorajado de violência e retrocesso”, escreveu em suas redes a ministra Anielle Franco (Igualdade Racial).
Simone Tebet, ministra do Planejamento, também relativizou a ideia de iniciativa individual, afirmando que, “no ataque à democracia, os ‘lobos’ nunca são solitários” e “há, sempre, um ‘apito’ a encorajá-los”. Para ela, o ato “foi mais um sinal de alerta de que, enquanto permanecerem esses ‘apitos’, a luta democrática não permite qualquer tipo de trégua”.
O vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), defendeu por sua vez apuração célere e classificou o episódio como triste e grave. “Triste pela perda de vida e grave por ser um atentado a uma instituição da República, Poder da República, e que deve ser apurado com extrema rapidez e com extremo rigor.”
Na oposição, o tom predominante foi o de lamentar o episódio, mas afastar o atentado de Bolsonaro e também de vínculos com o 8 de janeiro.
Tanto o ex-mandatário quanto os presidentes do PL, Valdemar Costa Neto, e do PP, Ciro Nogueira, usaram a expressão “fato isolado”.
“Apesar de configurar um fato isolado, e ao que tudo indica causado por perturbações na saúde mental da pessoa que, infelizmente, acabou falecendo, é um acontecimento que nos deve levar à reflexão”, escreveu Bolsonaro em suas redes.
“Já passou da hora de o Brasil voltar a cultivar um ambiente adequado para que as diferentes ideias possam se confrontar pacificamente, e que a força dos argumentos valha mais que o argumento da força”, continuou o ex-mandatário.
“Temos quase 1 milhão de filiados no Brasil, claramente esse era um sujeito desequilibrado. Foi um caso isolado”, disse Valdemar à coluna Painel.
“O ato isolado de um desequilibrado é o que é: um absurdo. Mas daí a extrapolar uma atitude mentecapta de um indivíduo para dar contornos institucionais a esse incidente abominável é dizer que nossa democracia não é sólida e resiliente como ela é”, afirmou Ciro Nogueira.
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), criticou Moraes e reafirmou articulação para a concessão de anistia.
O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) ironizou a posição dos bolsonaristas. “Lobo solitário? De alguma matilha ele saiu”.