POLÍTICA
Audiência pública debate sobre pessoas em situação de rua, a pedido de Michelle Melo

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Aleac promove audiência pública para debater sobre pessoas em situação de rua
A Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) promoveu na manhã desta sexta-feira (26), uma audiência pública para debater sobre as pessoas em situação de rua que vivem na capital. O encontro é fruto de um requerimento apresentado pela deputada Dra. Michelle Melo (PDT) e contou com a presença do ministro do Supremo Tribunal de Justiça Reynaldo Fonseca.
A proponente da audiência, iniciou a audiência dando boas-vindas ao ministro e destacou a importância da presença dele no debate. Michelle Melo também ressaltou que essa é a primeira vez que o Poder Legislativo promove um encontro com a presença de pessoas em situação de rua no Plenário da Casa.
“Saúdo a todos os presentes nessa solenidade, em especial o ministro Reynaldo Fonseca, uma pessoa muito ética, honesta e sensível que tem representado essa causa tão importante e que abriu um espaço na sua agenda corrida para contribuir com o debate. É a primeira vez que colocamos as pessoas em situação de rua dentro da Assembleia Legislativa e esperamos que daqui saiam soluções eficazes para realidade que eles vivem”, disse.
O ministro Reynaldo Fonseca iniciou seu discurso falando sobre o papel que os trabalhadores inseridos no serviço estatal têm diante desse tipo de problemática. Ele também destacou que a sociedade como um todo deve fazer sua parte e não esperar somente que o governo haja sozinho.
“Todos fazemos parte de uma mesma família humana, portanto, precisamos encontrar caminhos de diálogo e conversa para resolvermos os problemas, pois o Estado sozinho não consegue isso. Temos mais de 35 milhões de pessoas sem água potável, 100 milhões sem saneamento básico e 24 milhões sem habitação. Isso tem que nos incomodar, pois a sociedade que quer ser livre precisa trabalhar para mudar essa situação”, observou.
Ele também agradeceu pela acolhida e enalteceu a iniciativa do Poder Legislativo em abrir as portas para receber e ouvir pessoas em situação de rua.
“A Aleac está de parabéns por abrir suas portas para uma comunidade que tanto merece ser ouvida. Venho do Maranhão e posso dizer que assim como as regiões Norte e Nordeste precisam ser ouvidas pelo restante do Brasil, as pessoas em situação de rua também necessitam. Assim, construiremos um país melhor. Estamos caminhando sim na direção certa, Rudson, uma pessoa que conhece bem as ruas de Rio Branco, é o homenageado hoje, pois representa os que não eram ouvidos, mas aqui na Casa do Povo, eles falarão.
O secretário de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado, Lauro Santos, que participou da audiência pública representando o governador Gladson Cameli (PP), disse que infelizmente o número de pessoas em situação de rua tem aumentado no decorrer dos anos. Dentre uma das causas que ele apontou para que isso ocorra, está o vício em drogas.
“Infelizmente, o número de pessoas em situação de rua cresce a cada dia. Tudo que é mazela social acaba desaguando nelas. Vivemos hoje o risco da K9, uma droga altamente viciante e que causa o efeito ‘zumbi’ em seus usuários. Isso consequentemente aumenta o quantitativo de pessoas nas ruas”, alertou.
O secretário pontuou que atualmente existem mais de 500 pessoas em situação de rua somente em Rio Branco e que a sociedade precisa abraçar sua parte para mudar a realidade, não esperando apenas que o governo haja.
“Como cidadão e ser humano, digo que precisamos despertar pois o problema não é só do governo, mas de todos nós. O Executivo tem planos e colocá-los em prática é fundamental, porém, nada fácil. Rio Branco possui mais de 500 pessoas vivendo nas ruas e elas não querem esmola, mas sim oportunidade de serem reintegradas na sociedade e terem acesso aos seus direitos. O desafio maior é ouvi-las e, através da fala delas, entender como de fato poderão ser ajudadas”, pontuou.
A procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), Patrícia Rêgo, parabenizou a deputada Michelle Melo pela iniciativa. Segundo ela, a Aleac tem como contribuir efetivamente para que as pessoas em situação de rua tenham acesso aos seus direitos fundamentais.
“Parabenizo a deputada Michelle por essa importante audiência. Este poder, que a casa do povo, hoje faz história ao abrir as portas para receber o povo mais vulnerável do Estado. Essas pessoas infelizmente estão por todas as partes, é impossível não os enxerga-los. Nós precisamos mudar essa realidade e esta Casa de Leis tem ferramentas para isso. Podemos sim sair daqui com encaminhamentos concretos”, disse.
A procuradora falou ainda da necessidade da criação de uma política pública estadual que ampare essas pessoas. “Uma política pública de qualidade que não passe apenas uma perspectiva de segurança pública, mas, de saúde, em particular a saúde mental. Uma política que também englobe educação, emprego e moradia. O Acre nunca investiu nessa política e precisa investir. Sugiro que essa casa analise o PPA do governo do Estado desse ano e observe se há nele a métrica orçamentaria para a política estadual de pessoas em situação de rua. Essa é a contribuição concreta que a Aleac pode dá”, enfatizou.
Representado a comunidade trans, Rubi falou sobre a importância da audiência para dar voz aos “invisíveis” da sociedade. “Hoje serei uma ferramenta de representação de muitas pessoas e nesse momento chamo atenção de todos os presentes. Sou uma mulher trans de axé e estar nesse espaço é muito importante para tudo que eu represento. Esse é um grito de gente excluída, que não tem voz, que é assassinada todos os dias no nosso país. Muitos que estão nas ruas são julgados como drogados e nem todos são. Eles vivem lá pelo simples fato de estarem adoecidos por nós. São LGBT’s que foram expulsos de casa, negros discriminados, gente que clama por um espaço e, infelizmente, só são abraçados pela rua”.
Em sua fala, a desembargadora Waldirene Cordeiro frisou que é necessário que os poderes tracem uma linha de foco com o intuito de amenizar o sofrimento da população em situação de rua. A desembargadora destacou também as ações que o Tribunal de Justiça realiza para atender essas pessoas, como o Projeto Cidadão, por exemplo, que é realizado há 27 anos.
“Nós precisamos combater essa disfunção social que é grave e cresce diariamente no Estado. Precisamos nos unir para garantir a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, temos mecanismos para isso. Neste sentido, o Tribunal de Justiça editou uma resolução que trata de todo um cronograma para tratarmos dessa temática, o Projeto Cidadão é um exemplo disso, ele se embrenha em todos os lugares. Nos empenhamos diariamente para garantir que essas pessoas tenham a dignidade que precisam e merecem. É um direito dele, é um direito de todos”, enfatizou.
A invisibilidade também foi citada pelo representante do Movimento Acreano das Pessoas em Situação de Rua, Hudson Nunes. Ele frisou ainda que o movimento foi criado com o objetivo de lutar por uma ampliação de direitos sociais dessas pessoas.
“No Acre, o Movimento Acreano de Pessoas em Situação de Rua foi fundado no dia 19 de agosto de 2016, e desde então, temos lutado para garantir que essas pessoas tenham acesso a direitos básicos como educação, saúde, moradia, segurança, assistência social, transporte, cultura e lazer. O nosso movimento trabalha para combater a violação desses direitos que ocorre diariamente no Estado. Defendemos também a criação de políticas públicas que garantam os nossos direitos, é isso que queremos. Um prato de comida não vai resolver o nosso problema, enquanto houver assistencialismo barato, vai continuar existindo gente na rua. O que buscamos é dignidade e respeito”, salientou.
A parlamentar finalizou a audiência pública agradecendo as pessoas que colaboraram para realização do encontro. Ela destacou mais uma vez a importância e a grandiosidade do evento.
“Faço esse agradecimento porque as pessoas não imaginam o quanto nos esforçamos para fazer dessa audiência não só uma encenação política, não era isso que queríamos. A nossa intenção era trazer de fato os problemas reais que as pessoas em situação de rua enfrentam diariamente para dentro da casa do povo. E isso só foi possível através de muitas mãos e ressalto aqui a ajuda especial do meu gabinete, essa equipe maravilhosa que fez reuniões com a Assistência Social, com as entidades competentes ao tema, que foram para as ruas ouvir essas pessoas. Estou muito feliz, por termos discutido alternativas que tragam melhoria a essas pessoas e por poder ouvi-las neste plenário”, salientou Michelle Melo.
Texto: Andressa Oliveira e Mircléia Magalhães
Agência Aleac
Fotos: Sérgio Vale
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Projeto da anistia impõe primeira grande prova de…

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19 de abril de 2025
Marcela Mattos
Quando seu nome nem era tratado publicamente como uma possibilidade de candidato à presidência da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) era visto por caciques de partidos de centro como alguém com o perfil ideal para exercer o cargo num cenário político tão conflagrado quanto o atual. Jeitoso, equilibrado e de uma rara paciência, como definem seus aliados, o deputado sempre preferiu trocar os holofotes pelas conversas a portas fechadas. Na miúda, ele arregimentou apoios da direita à esquerda, firmou acordos com o presidente Lula e com o ex-presidente Jair Bolsonaro e, de azarão, tornou-se um dos homens mais importantes da República após conquistar o voto de 86% dos deputados. Os pactos firmados para garantir a sua eleição nunca foram revelados. Jamais se soube, por exemplo, o que Motta prometeu em múltiplas mesas de negociação sobre o projeto que concede anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando os prédios do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto foram invadidos e depredados por apoiadores de Bolsonaro que, segundo a Polícia Federal, queriam acelerar um golpe de Estado e manter o capitão no poder.
Esse enigma, que domina a pauta política no início de 2025, ainda não foi desvendado. Petistas garantem ter obtido de Motta o compromisso de que o salvo-conduto aos vândalos não encontrará guarida em sua gestão. Os bolsonaristas, por sua vez, demonstram otimismo ao dizer que o presidente da Câmara lhes afiançou não haver vetos a nenhum tema. Já ministros do STF, que travam uma batalha contra o perdão aos golpistas, afirmam manter contato diário com Motta, de quem teriam ouvido a promessa de que nada acontecerá sem ser combinado previamente com o tribunal.
As partes interessadas, como se vê, têm versões no mínimo contraditórias entre si. Alguém está enganado e será contrariado. Resta saber quando e em que grau. Pressionado, Motta terá de dar algum indício de como pretende desatar esse nó nos próximos dias — não porque ele tenha pressa, mas porque se viu obrigado a começar a arbitrar a disputa. Na última segunda-feira, 14, a oposição alcançou a sua primeira vitória ao protocolar um requerimento com pedido de urgência ao projeto de anistia, assinado por 262 deputados, cinco a mais do que o mínimo necessário. Se aprovado, esse requerimento fará com que o projeto seja analisado direto no plenário, sem passar pelas comissões.
Cabe ao presidente da Câmara decidir quando vai pautar o dito requerimento. A oposição quer pressa, sob o argumento de que a maioria deixou claro que chancela a iniciativa. “Nós demos o conforto que ele precisava. Ele pode virar para o STF e falar: ‘a Casa construiu maioria, não tenho alternativa’”, diz o deputado Sóstenes Cavalcante, líder do PL. Já o governo trabalha para interditar a tramitação, lembrando que há mais de 1 000 pedidos de urgência à espera de análise e que a cartada bolsonarista tem de ir para o final da fila. Procurado por VEJA, Motta não quis comentar o caso. O deputado esticou o feriado da Páscoa longe do Congresso e precisa ainda tocar pautas relevantes, urgentes e de interesse do país, que estão à espera de análise. Entre elas, a revisão dos supersalários e o desafio de encontrar uma compensação para a isenção de imposto de renda de quem ganha até 5 000 reais por mês.

Em uma publicação feita nas redes sociais um dia após a apresentação do requerimento pró-anistia, Motta voltou a dizer que o tema será submetido à análise dos líderes partidários. Foi mais uma de suas inúmeras manifestações protocolares. “Em uma democracia, ninguém tem o direito de decidir nada sozinho. É preciso também ter responsabilidade com o cargo que ocupamos, pensando no que cada pauta significa para as instituições e para toda a população brasileira”, afirmou, equilibrando-se em muitas palavras.
O número mínimo de assinaturas de apoio ao requerimento de urgência foi alcançado após um empenho direto de Jair Bolsonaro. Réu no STF e investigado como o líder máximo de uma tropa que tentou dar um golpe no país, o ex-presidente visitou o Congresso diversas vezes, conversou diretamente com os caciques de partidos e encabeçou manifestações de rua para mobilizar aliados e pressionar os parlamentares a aderir à anistia. Desde que deixou a Presidência, foram cinco atos no Rio de Janeiro e em São Paulo. No último deles, no início do mês, o pastor Silas Malafaia chegou a bradar que Motta estava “envergonhando o honrado povo da Paraíba”. Correligionário do presidente da Câmara, o governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, também disparou telefonemas pedindo apoio à urgência. Ele conseguiu amealhar cinco preciosos votos a favor do requerimento pró-anistia.

Acossado pelo STF, Bolsonaro havia programado um giro pelo Nordeste que começaria no Rio Grande do Norte na última sexta-feira, 11. Ao chegar a uma cidade a 100 quilômetros de Natal, porém, ele passou mal e teve de ser transferido de helicóptero às pressas. O ex-presidente foi diagnosticado com uma obstrução intestinal e passou por cirurgia que durou doze horas, uma das mais complexas desde que levou uma facada durante a campanha presidencial de 2018. Ainda não há previsão de quando ele deixará o hospital, mas é certo que o contratempo médico não deterá a cruzada pela anistia. Antes tratada como uma utopia, a conquista das assinaturas favoráveis à urgência do projeto foi recebida como uma senhora derrota do governo Lula. Quatro dias antes de os aliados do capitão atingirem seu objetivo, a ministra Gleisi Hoffmann, responsável pela articulação política, afirmou ter confiança na palavra de Hugo Motta de que o tema não irá a voto, mas surpreendeu ao dizer que uma redução da pena a alguns dos manifestantes do 8 de Janeiro é “plenamente defensável do ponto de vista de muitos parlamentares”.
No dia seguinte, Gleisi retocou a declaração e disse que eventuais revisões das penas caberiam exclusivamente ao STF. O posicionamento da ministra gerou irritação nos bastidores da Corte, já que os próprios magistrados entraram em campo para, sem sucesso, tentar demover congressistas a endossarem a urgência da pauta. Dos 262 apoios, mais da metade veio de partidos do Centrão que têm cargos no governo. Agora, o Planalto promete fazer um pente-fino nas nomeações das legendas. Quem tiver cargos terá de lutar para frear o avanço do texto ou perderá seu rincão na máquina pública. O PP, que controla o Ministério do Esporte e a Caixa, foi o que mais entregou votos proporcionalmente — mais de 70% da bancada chancelou o pedido. Numa demonstração do tamanho da preocupação com as possíveis retaliações do governo, enquanto a Câmara confirmava as assinaturas pela urgência da anistia, o ministro André Fufuca, do PP, inaugurava ao lado do correligionário Arthur Lira um ginásio esportivo em Coruripe, no litoral de Alagoas.

Da esquerda, o deputado Paulo Foletto (PSB-ES) foi o único que chegou a dar sua rubrica para acelerar a votação da anistia. Depois, recuou. A VEJA, o parlamentar negou ter sofrido pressão do governo e disse que mudou de posição porque acreditou que o texto em discussão se tratava apenas de uma redução da pena para a “massa de manobra” do 8 de Janeiro. “Teve gente que até falou assim: ‘ô, que vontade de assinar também’. Eu mesmo tenho muitos eleitores que não entendem a profundidade da questão e pedem para assinar”, afirmou o deputado. “Eu sou favorável a uma dosimetria. Dá uma pena alternativa, manda limpar escola. Mas não dá para botar dezessete anos de prisão nesse povo que foi levado pela paixão”, acrescentou.
A confusão do deputado, se de fato existiu, não é de todo despropositada. Em meio a todo esse imbróglio, ainda não se sabe qual o conteúdo do projeto que pode aliviar a situação dos condenados pelos ataques na Praça dos Três Poderes. O texto principal foi apresentado em novembro de 2022, antes mesmo dos atos antidemocráticos, e tem como objetivo perdoar quaisquer manifestantes, caminhoneiros e empresários que participaram de protestos após o segundo turno das eleições.

Na Câmara, outros sete projetos que tratam da anistia foram juntados ao original, com adaptações especificamente para o 8 de Janeiro e visando minimizar os atos a uma depredação do patrimônio, restando uma pena mínima. Bolsonaro e seus articuladores já deixaram claro que querem derrubar todas as condenações aplicadas por tentativa de golpe de Estado. Ou seja: lutam por uma anistia ampla, geral e irrestrita. O esforço não é à toa. Embora afirmem que a medida não alcançaria o ex-presidente, isso pode acontecer, dependendo do teor do texto final.
Com o ministro Alexandre de Moraes à frente, e a ajuda providencial de Gilmar Mendes, o STF tem atuado junto a líderes partidários em busca de uma solução para evitar que uma anistia a Bolsonaro ganhe corpo no futuro. Integrantes do tribunal já deixaram claro que o perdão, se aprovado pelo Legislativo, será considerado inconstitucional. Ou seja: de um jeito ou de outro, não prosperará. A saída encontrada pelos magistrados para baixar a temperatura é outra: garantir o abatimento de pena a certos golpistas, especialmente àqueles que consideram massa de manobra.
Em decisões recentes, Moraes trocou penas privativas de liberdade por prisão domiciliar, por exemplo. Foi o que o ministro fez na última terça-feira, 16, com o pastor Jorge Luiz dos Santos. Condenado a dezesseis anos e seis meses de prisão e com problemas cardíacos graves, ele foi autorizado a deixar o presídio da Papuda, em Brasília, mediante o cumprimento de uma série de restrições, como o uso de tornozeleira eletrônica. Antes, Moraes já havia autorizado a trocar o regime fechado pela prisão domiciliar outros processados, como a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou a estátua da Justiça com um batom e se tornou símbolo de campanha bolsonarista contra supostos abusos nas condenações. Segundo integrantes do STF, esse tipo de solução mantém o discurso de que o Judiciário tratará os golpistas com rédeas curtas, mas também ajuda a esvaziar a ladainha do ex-presidente de que cidadãos comuns, idosos e mães de família estariam sendo perseguidos pelo Judiciário. O STF também pretende utilizar os próximos julgamentos para, nas palavras de um ministro, “separar o joio do trigo” e demonstrar que não há espaço para apaziguamento a mentores e executores da tentativa de golpe de Estado.

Na próxima semana, a Corte deve concluir a análise do caso de Débora e declarar que a cabeleireira não é tão inocente como pintam os bolsonaristas, mas, pode, sim, cumprir o restante da pena longe da cadeia. Ao mesmo tempo, o Supremo pretende direcionar os holofotes para réus com atuação direta no plano de demolição da democracia, como o general Mario Fernandes e o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, que deverão se tornar réus por golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado democrático de direito. Sobre o general, recai a acusação de ser o autor do principal capítulo da trama golpista: o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Moraes. Já Silvinei é investigado por supostamente ter tentado impedir eleitores de bolsões tidos como petistas de votar no segundo turno. Enquanto lida com a pressão e faz ajustes gradativos na régua usada para punir a “massa de manobra” do 8 de Janeiro, o Supremo acompanha com lupa os movimentos de Hugo Motta. “Mantemos a confiança no presidente da Câmara e acreditamos que ele não vai fazer nada contra o Supremo nem a despeito do Supremo”, disse a VEJA, sob reserva, um integrante do tribunal.
Esse mesmo ministro reforçou que, se a anistia avançar, será considerada inconstitucional. Portanto, não valeria a Motta comprar essa briga. Argumento parecido é usado por integrantes do governo Lula, que lembram o deputado de que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, já afirmou que o projeto não entrará na pauta da Casa. Até aqui, Motta, o equilibrista, conseguiu manter o diálogo com todos os interessados, sem deixar claro o que fará. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, ele contrariará interesses, naquela que será sua estreia, de fato, na poderosa e desgastante cadeira de presidente da Câmara.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940
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Arthur Pirino
“Tem coisas que têm que ser inexoravelmente do Estado”, disse Lula em uma visita à Telebras, em Brasília. Me chamou a atenção o “têm que ser”. De fato, há coisas estatais, pela sua natureza. O Exército, por exemplo. Ou o Fisco. Mas uma empresa de telecomunicações? Lembrei que foi assim com a Embraer. Era uma questão de “segurança nacional”, como tantas vezes escutei. Haveria “demissões em massa” e infinitas tragédias. Até que privatizaram. E a empresa virou um sucesso. Opera no mundo inteiro, gera seis vezes mais empregos diretos do que antes, mesmo com todo o avanço tecnológico. É um orgulho brasileiro. E com direito a um detalhe: sem problema algum para a soberania nacional.
O assunto voltou à minha cabeça quando lia um artigo detalhando o rombo de 6,7 bilhões de reais de nossas estatais, em 2024. Na lista das que estão no vermelho, chamam atenção os Correios: 3,2 bi de prejuízo. Algumas explicações culpam o governo anterior, como seria previsível, outras lamentam a taxa das blusinhas, que reduziu as encomendas da China. “Tem que criar negócios que tragam receitas”, diz um secretário do governo, em declaração curiosíssima. O que me intriga é nossa teimosia. A privatização dos Correios chegou a ser aprovada pela Câmara, em 2021. Depois das eleições, Lula engavetou o processo. A brincadeira toda agora está custando caro para o contribuinte. Ninguém dá muita bola. De minha parte, a pergunta interessante é: se nosso histórico de privatizações é positivo e somos nós mesmos que pagamos a conta da ineficiência, por que cargas d’água ainda há tanta resistência? A questão me foi colocada por um colega economista. Ele achava aquilo um enigma. Fiquei lhe devendo uma boa resposta.
No fundo é compreensível. A ideia de um Estado grande e paternal vem do fundo da nossa história. Do Estado Novo, daquele sorriso de Vargas, e depois do ufanismo do milagre brasileiro. Alguém me sugeriu uma explicação mais direta: é a “síndrome dos anos 1990”. A tese é de que fizemos uma revolução rápida demais, com aquelas privatizações todas, sem lidar com a cultura do país. Algo na linha: os governos (Collor, Itamar, FHC) ganharam o jogo nas privatizações, mas a esquerda ganhou a guerra retórica e política. Quem não se lembra do barulho infernal sobre o “neoliberalismo”, o “consenso de Washington”, o “desmonte do Estado”, o “FHC bicho-papão” e outros monstrinhos da Parmalat? Sem base empírica nenhuma, mas encharcando (até hoje, em muitos casos) nossos livros didáticos, nossas universidades e os meios de opinião.
A pedra de toque nisso tudo é a ideia algo mágica de que as estatais são “estratégicas”. No caso da Telebras, Lula diz que a empresa é estratégica pois guarda segredos que só o governo deve saber. E que ela é nossa chance de “discutir a inteligência artificial”, em vez de ficar a reboque dos países avançados. De fato, um enigma. Por que raios o país não poderia discutir a inteligência artificial sem depender de uma estatal? Se o presidente desse um pulo em Recife, poderia visitar o Porto Digital, um incrível hub com mais de 430 empresas privadas de tecnologia. Um ótimo exemplo de “privatização”, comandado por uma organização social igualmente privada, que além de tudo é superavitária e não depende de dinheiro do governo.
Durante um bom tempo, o enigma valeu para os aeroportos. Eles também não podiam ser concedidos porque eram estratégicos. Um dia perguntei o porquê disso e escutei que era por causa daquela “casinha lá de cima”, o controle de voo, que “tinha que ser” do governo. Até que um dia não tinha mais, e os aeroportos foram quase todos concedidos. O serviço melhorou incrivelmente, mas o mistério ficou. Foi o mesmo com a telefonia. Devo ter sido um dos últimos brasileiros a comprar uma linha “fixa” de telefone por mil e tantos dólares, nos anos 90. Lembro da minha cara de cachorro molhado quando me dei conta, tempos depois, de que aquela linha “estratégica” não valia mais nada. Culpa da maldita privatização, que inundou o país de telefones. Essas histórias parecem piada. Mas o engraçado é lembrar dos sindicalistas dizendo que aquilo seria nossa grande tragédia, que era “lesa-pátria”, exatamente do mesmo jeito que falam hoje da venda dos Correios.
“Sejamos claros: estratégico, para o país, é obter resultados civilizatórios”
Tudo isso vem de uma incompreensão sobre o papel do Estado, a clássica confusão entre o “público” e o “estatal”. Por alguma razão, tendemos a achar que se um serviço tem relevância ou utilidade pública precisa ser gerenciado pela máquina do governo. Bobagem. Observe-se o caso recente do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Durante anos, a prefeitura gerenciou o parque, gastando dinheiro e com baixa eficiência. Até que um dia fez a concessão. De cara, ganhou uma outorga de 70 milhões de reais. O Ibirapuera melhorou, continua gratuito, cheio de atividades. E público. Só que com gestão 100% privada. Mesmo caso do Hospital do Subúrbio, em Salvador, 100% público e gratuito, do SUS, com gestão 100% privada e fins lucrativos, via PPP. Durante anos, escutamos que a saúde não era mercadoria e coisas do tipo. Retórica malandra. O vital sempre foi a qualidade do serviço na ponta, para as pessoas de carne e osso. Não a retórica fácil da turma que se acostumou a viver pendurada no Estado.
Sejamos claros: estratégico, para o país, é obter resultados civilizatórios. Reduzir a pobreza, estar entre os 30 melhores do Pisa na educação, evitar que pessoas morram na fila de uma unidade de saúde. Estratégico é gastar menos e obter serviços de excelência. Ter uma Osesp, melhor orquestra da América Latina, gerenciada por uma fundação privada. Um hospital como o M’Boi Mirim, em São Paulo, gerenciado em parceria com o Einstein, ou o Hospital Geral de Jundiaí, gerenciado pelo Sírio-Libanês. Ou ainda um parque como o das Cataratas do Iguaçu, uma das mais antigas concessões ambientais do país. Tempos atrás fui lá. Observei o parque cheio, os guias falando três idiomas, a natureza bem cuidada. Tudo gerando receita, em vez de despesa, para o governo.
Muita gente ainda acha que a agenda de modernização do Estado é conversa de elite. Não é. Os mais ricos se viram perfeitamente bem no mercado. Têm bons planos de saúde, boas escolas privadas e bons condomínios de lazer. Quem precisa de bons serviços públicos são os mais pobres. São eles que estudam em escolas que ensinam pouco e estão entre os 100 milhões de brasileiros sem acesso a esgoto tratado. Se quisermos realmente dar um salto, a primeira coisa seria completar aquela tarefa inconclusa dos anos 1990. Mudar a cabeça, a partir da experiência que o próprio Brasil vem fazendo nas últimas três décadas. No fundo, essa é a grande novidade: para saber o que dá certo, é só olhar para dentro do próprio país. Separar o joio do trigo, saber o que é estratégico e o que não passa de retórica corporativista. Conhecimento para isso já temos. E o mistério, no fundo, fica por conta da nossa teimosia. A cisma de insistir em velhos erros que há muito já não devíamos mais cometer.
Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper
Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940
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Robson Bonin
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Relator da proposta do governo Lula que isenta de Imposto de Renda quem ganha até 5.000 reais, Arthur Lira tirou o feriado da Páscoa para estudar o texto.
O ex-presidente da Câmara quer dominar o assunto para debater com os técnicos de igual para igual.
O projeto, a maior aposta de Lula para recuperar popularidade neste mandato, foi enviado ao Parlamento em março.
Presidente da Câmara, Hugo Motta já anunciou que o texto do governo será modificado pelos deputados. O PP de Lira inclusive já prepara uma proposta a ser discutida no colegiado que analisará a matéria.
Depois de passar pelas comissões e pelo plenário da Câmara, a matéria, se aprovada, será enviada ao Senado. O governo acredita que a nova regra esteja em vigor já no próximo ano.
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