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Bolsonaro planeja explorar supostas contradições e…

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Marcela Mattos
Para a Procuradoria-Geral da República, Jair Bolsonaro e sete de seus ex-auxiliares fizeram parte do núcleo central de uma organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado no fim de 2022. O líder era o então presidente. Durante meses, ele levantou suspeitas sobre o processo eleitoral, incentivou seus apoiadores a pressionarem os ministros do Supremo Tribunal Federal, rascunhou medidas de exceção, fez planos para prender e matar adversários, queria a todo custo anular as eleições e permanecer no poder. O ataque aos prédios do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF foi o ápice da sublevação, que só não se concretizou porque não houve apoio militar. Em linhas gerais, esse é o enredo pelo qual serão julgados Bolsonaro, os generais Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, o delegado Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, o deputado Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens.
Bolsonaro não nega que levantou suspeitas sobre o processo eleitoral, não nega que tenha apoiado durante o seu governo as manifestações que pediam o fechamento do Supremo, não nega que tenha estudado medidas de exceção e não nega ter discutido planos para anular as eleições. Nada disso, porém, teria como objetivo um golpe de Estado. Na versão do ex-presidente, era a preparação de um contragolpe. Ele acreditava que havia uma maquinação de adversários para fraudar as urnas eletrônicas. A derrota transformou a suspeita em certeza. A partir de então, o capitão discutiu com seus auxiliares mais próximos alternativas para declarar inválido o pleito e realizar novas eleições. Ouviu deles as mais diversas sugestões: decretação de estado de sítio, intervenção no Tribunal Superior Eleitoral, prisão de ministros e de políticos envolvidos na suposta trama. Mas, antes de qualquer coisa, era preciso reunir provas da fraude, o que, evidentemente, não conseguiu — até porque não havia nenhum indício de fraude. Sem argumentos mais sólidos, o ex-presidente, ainda de acordo com sua versão dos fatos, deu início à transição, concluiu o mandato e foi passar uma temporada no Estados Unidos.

Segundo a Polícia Federal, a peça que contribuiu de maneira decisiva para desmentir de forma cabal essa narrativa é a delação do tenente-coronel Mauro Cid. Principal responsável por colocar Bolsonaro, os ex-ministros e os colegas de farda no banco dos réus, ele sempre se empenhou em não ser tachado como um traidor, comportamento considerado deplorável dentro das Forças Armadas. Para isso, o ex-ajudante de ordens parecia vivenciar dois mundos completamente diferentes. Enquanto contava à PF os detalhes de como o ex-presidente elaborou um plano para levar militares às ruas e reverter a derrota nas eleições de 2022, ele minimizava a gravidade da trama e rechaçava ter se tornado um delator — por essa versão, ele estaria apenas contribuindo com as investigações ao oferecer informações que complementavam lacunas do inquérito sobre a tentativa de golpe. Desde que assinou o acordo de colaboração, em agosto de 2023, Cid acumulou confusões. O ex-ajudante de ordens prestou nove depoimentos, falou por longas horas, confirmou os planos golpistas e, conforme revelou VEJA, depois acusou o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, e os investigadores da Polícia Federal de o pressionarem a contar fatos inverídicos. “Eles queriam que eu falasse coisa que eu não sei, que não aconteceu”, afirmou em uma das gravações obtidas pelo editor-sênior de VEJA Robson Bonin.

A delação do tenente-coronel, por mais paradoxal que pareça, é a aposta dos advogados dos acusados para tentar reverter a tendência de condenação. Intimado a prestar esclarecimentos sobre os áudios em que se queixava de ter de assumir a versão da PF para os fatos, Cid mudou novamente: disse que estava apenas fazendo um desabafo ao falar que havia sido pressionado e garantiu a voluntariedade de seu acordo. Mesmo assim, ficou preso por 42 dias. Em novembro do ano passado, houve outra reviravolta. A Procuradoria-Geral da República recomendou uma nova prisão do militar sob a alegação de que ele estaria omitindo provas. Isso porque os investigadores encontraram um plano, tramado por um grupo de oficiais próximo ao tenente-coronel, que trazia um passo a passo para monitorar o ministro Alexandre de Moraes, o presidente Lula e o vice Geraldo Alckmin para então prendê-los ou até matá-los, provocando uma turbulência no país que forçaria a necessidade da convocação das Forças Armadas e de novas eleições. Num ato atípico, Moraes determinou o monitoramento sigiloso da residência do ex-ajudante de ordens, interceptou seus telefones e ainda decidiu interrogá-lo pessoalmente. Cara a cara, o ministro deu um ultimato: se Cid não contasse de uma vez por todas tudo o que sabia, ele voltaria a ser preso, sua delação seria rescindida e as investigações teriam efeitos também sobre seus familiares. “Eu diria que é a última chance de o colaborador dizer a verdade sobre tudo”, afirmou o relator do processo. Depois da ameaça, o ex-braço direito de Bolsonaro apresentou novos elementos. Ele negou ter tido conhecimento sobre tal plano de assassinato, mas arrastou o general Walter Braga Netto, vice de Bolsonaro na chapa da 2022, para o centro da trama golpista.

No último dia 26, a Primeira Turma do Supremo tornou Bolsonaro, Braga Netto e outros seis ex-auxiliares réus por tentarem dar um golpe no país. Os fatos revelados pelo ex-ajudante de ordens, e depois reforçados por comandantes militares e por provas colhidas ao longo da investigação, formam o cerne das acusações que podem levar a uma condenação de até quarenta anos de prisão. Instaurada a ação penal, os advogados dos acusados tentam agora encontrar elementos que possam mudar o rumo do processo. Nos últimos dias, eles se debruçaram sobre os milhares de páginas do inquérito, as longas horas dos vídeos da colaboração, procuraram lacunas, observaram cada vírgula, e tentam obter provas ainda mantidas em sigilo. Eles também planejam inquirir Mauro Cid, apresentar contradições entre os principais depoimentos das testemunhas e trabalham principalmente para derrubar a colaboração premiada. “Nós não temos provas inéditas trazidas pelo Cid, nós temos apenas palavras ditas por ele. Se a delação cair por terra, toda a denúncia da PGR terá de ser revisitada”, afirma um dos principais advogados do processo.

Em defesa impetrada no STF, Braga Netto foi o primeiro a expor as diferentes versões apresentadas pelo “coagido delator”. “Tal qual um filme ruim e sem sentido, a denúncia apresenta furos em seu roteiro que desafiam qualquer lógica plausível”, escreveu o advogado José Luís Oliveira Lima. Cid, de fato, foi moldando seu depoimento ao longo do tempo. Ao sentar-se diante dos investigadores pela primeira vez, ele contou que Bolsonaro apresentou aos comandantes militares um decreto para prender autoridades e convocar novas eleições, documento que depois foi chamado de minuta do golpe. Mas, ponderou: o ex-presidente não tentou convencer os militares. “Bolsonaro não queria nada que fosse revoltoso, ele não queria quebra-quebra”, disse, em declaração que consta em um dos vídeos, mas curiosamente não foi transcrita na delação. Nessa oitiva, Cid também minimizou a atuação de Braga Netto. “Pelas conversas que eu tinha com ele, eu não o colocaria no grupo dos radicais”, afirmou. Já diante de Alexandre de Moraes, um ano depois, Cid detalhou o tom das tratativas mantidas na casa do general, inicialmente definidas como um encontro para discutir a “conjuntura” do país. “Aí a conversa foi nesse nível: ‘Nós temos que fazer alguma coisa para que haja uma mobilização de massa, para que haja alguma ação que tenha repercussão, que faça que o Exército tenha que fazer uma coisa, tenha que decretar um estado de sítio, os generais entendam a necessidade, que o presidente aceite assinar alguma coisa ou não, né?’ ”, disse.

O ex-ajudante de ordens contou ainda que recebeu dinheiro de Braga Netto dentro de uma sacola de vinho para ajudar a financiar a operação e que o general tentou obter informações sigilosas sobre seu acordo de delação, motivo que justificou a prisão dele em dezembro do ano passado por obstrução de justiça. Questionado, Cid admitiu que havia omitido as informações pelo “respeito” que tem pelo general quatro estrelas. Durante o julgamento na última semana, o ministro Luiz Fux questionou o comportamento do delator. “Nove delações representam nenhuma delação. Eu não tenho a menor dúvida de que houve omissão. Esse colaborador recalcitrante certamente vai ser ouvido em juízo sob contraditório e obedecendo o devido processo legal. Eu até pediria a gentileza de poder assistir essa oitiva”, disse Fux, que se tornou um sopro de esperança para a defesa do ex-presidente e de seus antigos auxiliares.

Mas não é só Mauro Cid que vem sendo alvo de questionamentos. Nos próximos dias, o processo no STF deve ser palco de embates entre os principais envolvidos no caso. Único comandante investigado, o ex-chefe da Marinha, almirante Almir Garnier, já trabalha com a hipótese de cair atirando. Segundo narraram Cid e outros militares, Garnier foi o único a concordar com o decreto de estado de sítio ou de defesa apresentado por Bolsonaro — diante do presidente, ele teria colocado suas tropas à disposição. Em conversas reservadas, o almirante pondera que apenas acataria ordens constitucionais e afirma que, no limite, pode tentar desmascarar alguns militares que “agora estão posando de legalistas”. Também há divergências entre os dois comandantes que não foram enquadrados pela Justiça. Baptista Junior, ex-chefe da Aeronáutica, narrou em depoimento que avisou Bolsonaro que não apoiaria qualquer movimento de ruptura e ainda que o chefe do Exército, general Freire Gomes, teria dito que prenderia o então mandatário caso ele levasse adiante a proposta golpista — ameaça que, de tão grave, sempre foi considerada pouco crível. Essa versão não é confirmada nem pelo próprio general, que disse apenas ter alertado o então presidente que ele poderia ser responsabilizado penalmente.

Interlocutores de Freire Gomes pontuam que o brigadeiro Baptista estava sem advogado quando falou com os investigadores, o que pode ter ensejado falhas ou interpretações equivocadas. “O depoimento do (comandante) da Aeronáutica dá até vergonha. Se mandasse ele plantar bananeira, ele plantava bananeira. Não é que falou a verdade, ele inventou história”, disse Bolsonaro em entrevista a um podcast. O julgamento, inevitavelmente, vai respingar na atual cúpula das Forças Armadas. O almirante Garnier, por exemplo, tem recorrido a seu sucessor na Marinha para sustentar que nenhuma tropa foi mobilizada — à época, o almirante Marcos Olsen era o responsável pelas operações navais e, portanto, qualquer movimento passaria por ele. O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira também quer a ajuda do sucessor — ele arrolou o atual ministro, José Múcio, como testemunha. Isso porque, durante a transição, Múcio bateu à porta do então chefe das Forças Armadas para pedir ajuda para se aproximar dos comandantes, que resistiam a recebê-lo. A ajuda, como já confirmou o próprio ministro, foi dada. O depoimento dele, portanto, fragiliza a versão de que havia um golpe em andamento. Dias atrás, José Múcio recebeu a informação de que seu nome será retirado da lista. Os advogados, por sua vez, não confirmam isso. A batalha está apenas começando.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938
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A jogada de Lula em meio ao tarifaço de Trump

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10 de abril de 2025
Matheus Leitão
O presidente Lula pediu, nesta quarta, 9, mais integração dentro da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Fez bem. Hoje o Brasil tem mais comércio com países da região do que com os Estados Unidos, por exemplo.
Em tempos de tarifaço e guerra comercial de proporções impensáveis até início do segundo mandato de Donald Trump, é uma alternativa importante colocada à mesa. Em outras regiões está havendo o mesmo movimento de adensar o comércio local.
Mas nem tudo é positivo no encontro da Celac. A declaração da reunião com criticas às tarifas altas do presidente dos Estados Unidos teve dissidentes.Curiosamente, são países opostos no campo ideológico: a Nicarágua, a ditadura que se diz de esquerda, e a Argentina, liderada pela extrema direita.
O Paraguai também ficou contra, mas entrou em outro “combo” que não vem ao caso.
Em meio ao caos instalado no mundo, com as bolsas vivendo um sobe desce que mais parece montanha russa, Trump finalmente recuou. Isso para a sorte dos outros países da Celac que não concordam com a metralhadora tarifária do presidente dos Estados Unidos.
Jornais como o The New York Times apontam que Trump estava pressionado pelos grandes empresários das big techs que estão perdendo muito dinheiro. Eles não conseguem produzir sem comércio com a China.
O recuo é temporário e o que está valendo são as sobretaxas de 10% contra o mundo todo. Ou seja, além das tarifas que já eram pagas ainda tem esses dez por cento. A esperança é que o recuo em relação aos outros países seja uma sinalização também em relação ao país asiático.
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O pacote da bancada do livre mercado para rivaliza…

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10 de abril de 2025
Nicholas Shores
A Frente Parlamentar pelo Livre Mercado (FPLM), presidida pela deputada Caroline de Toni (PL-SC) e pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), vai apresentar em breve o pacote legislativo “Brasil Mais Seguro” para rivalizar com a PEC da segurança pública do governo Lula.
Entre as medidas do pacote está a autorização para governos firmarem parcerias público-privadas para empresas gerenciarem o trabalho de presos nas penitenciárias. A remuneração pelo trabalho carcerário iria para indenizações, assistência à família, pequenas despesas pessoais e ressarcimento do Estado.
Outra inovação da proposta da frente é a criação de uma “Lei Rouanet da ressocialização”. A ideia é que empresas direcionem um percentual do dinheiro devido no Imposto de Renda para projetos de trabalho ou estudo de condenados.
Portinho afirmou que, quando o pacote estiver pronto, vai apresentá-lo em parceria com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que é presidente da Comissão de Segurança Pública do Senado.
O objetivo do conjunto de medidas é enfrentar a infiltração e o fortalecimento do crime organizado em setores econômicos lícitos, como postos de combustíveis, e minar seu impacto sobre o sistema prisional brasileiro, buscando maior garantia da efetividade da ressocialização de condenados.
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“Gávea-PUC”: Governador do Rio anuncia retomada de…

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3 horas atrásem
10 de abril de 2025
Valentina Rocha
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), assinou, na manhã desta quinta-feira, 10, um novo contrato com o MetrôRio para a retomada das obras da estação Gávea.
De acordo com o presidente do MetrôRio, Guilherme Walder Mora Ramalho, a operadora de transportes, que agora também passa a ser concessionária, deverá aportar R$ 600 milhões para a realização das obras. O Governo do Rio será responsável por repassar o valor de R$ 97 milhões.
Na ocasião, a pedido do reitor da Universidade Católica, Padre Anderson Antônio Pedroso S.J., Cláudio Castro prometeu acatar a sugestão de alteração no nome da estação para Gávea-PUC, em menção à universidade católica.
Manifestações
Durante a cerimônia de celebração da assinatura do novo contrato, estudantes e moradores protestaram em frente a universidade e pediram pela aceleração da conclusão das obras, redução no valor da passagem, expansão das linhas e retomada do chamado Metrô na Superfície – ônibus do metrô que fazia integração com os trens e foi substituído pela incorporação de linhas de ônibus municipais já existentes.

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