O Brasil despeja cerca de 1,3 milhão de toneladas de lixo plástico nos mares e é o oitavo maior poluidor plástico do planeta, com impactos na sua fauna marinha e também na saúde da população.
Os dados integram o relatório “Fragmentos da Destruição: Impacto do Plástico na Fauna Marinha Brasileira”, lançado nesta quinta (17) pela ONG Oceana. O documento reúne informações sobre a poluição plástica no Brasil e estudos realizados por cientistas do país a respeito de diferentes espécies, entre aves, peixes, tartarugas e mamíferos.
São pesquisas que apontam, por exemplo, que 9 em cada 10 dos peixes mais consumidos no mundo já ingeriram plástico e que, no Brasil, espécies comerciais como tainha, corvina, dourada e camarão-rosa já foram achadas com lixo plástico em seu trato gastrointestinal. Dos milhares de animais que passaram por necropsia e que tinham ingerido plástico, 1 em cada 10 morreu por causa disso.
O relatório traz também estudos que encontraram plástico no trato de 70% das tartarugas analisadas (em algumas regiões do país, o dado chegou a 100%) e que apontaram que 98% dos peixes amazônicos analisados tinham resíduos de microplásticos no intestino ou nas brânquias.
“São animais que servem de base alimentar de populações ribeirinhas, sem falar na sua contribuição ecológica nesses ambientes. Tudo fica prejudicado”, diz Danielle Ribeiro-Brasil, pesquisadora de contaminantes que estudou os peixes da região amazônica na UFPA (Universidade Federal do Pará).
Este dado evidencia um fenômeno já identificado por pesquisas anteriores que apontam para os rios como os maiores emissores de resíduos para os oceanos, responsáveis por 80% do que vai parar nas águas marinhas. Isso faz com que muitos rios tenham concentrações maiores de lixo plástico do que os mares.
Trata-se de um retrato da histórica má gestão global de resíduos sólidos urbanos, em que mais lixo plástico escapa para o meio ambiente (22%) do que é coletado para reciclagem (15%), de acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
Estima-se que um terço do plástico produzido no Brasil esteja propenso a chegar ao oceano todos os anos, e que cada brasileiro seja responsável por contribuir para a poluição marinha com 16 kg de resíduos plásticos anualmente.
“O relatório reforça a nossa teoria de que a poluição plástica é um problema sério e sem fronteiras, seja entre os países, seja entre rios e mares, ou mesmo mesmo entre a saúde da fauna marinha e a saúde humana”, afirma Iran Magno, analista de campanhas da Oceana.
“Temos de olhar para a produção de plástico e cortar o que é desnecessário. A gente produz 500 bilhões de itens de plástico de uso único. Essa imensidão de produtos segue sendo um problema.”
Como um todo no planeta, são 400 milhões de toneladas de lixo plástico produzidas por ano, segundo o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) —e isso deve triplicar até 2050. Um terço é composto por embalagens, incluindo aquelas de uso único voltadas à alimentação, como sachês, pacotinhos e copos descartáveis.
O relatório destaca que o Brasil ainda não possui nenhuma legislação para regular a produção de itens de uso único e não recicláveis, que totalizam cerca de 2,95 milhões de toneladas por ano. Países como Coreia do Sul, Ruanda, Índia e Inglaterra baniram produtos plásticos deste tipo, considerados descartáveis e desnecessários, enquanto a União Europeia projetou a medida para 2030.
No Brasil, o projeto de lei 2.524 tramita no Congresso e sugere regras para eliminar itens descartáveis desnecessários e problemáticos e garantir que as embalagens sejam reutilizáveis, retornáveis, comprovadamente recicláveis ou compostáveis.
No âmbito internacional, a poluição plástica é o foco do Tratado Global Contra a Poluição Plástica, cuja quinta e última rodada de negociações entre 198 países acontece no final de novembro na Coreia do Sul. Esse deve ser o maior pacto ambiental do planeta desde o acordo climático de Paris, de 2015.
“A poluição plástica é onipresente. Espécies marinhas que estão na mesa da população brasileira já foram registradas com conteúdo plástico em seus corpos. É um problema que extrapolou a questão ambiental e entrou no âmbito da saúde pública”, avalia o oceanógrafo Ryan Andrades, pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo.
O documento aponta para evidências que indicam que a ingestão de microplásticos pode causar uma ampla gama de efeitos, incluindo lesões físicas, danos neurológicos e hepáticos, modificações no metabolismo e na expressão genética dos animais. Os efeitos em humanos ainda são pouco estudados.
Os dados reunidos no relatório apontam que o Brasil tem um lugar de destaque nesta poluição dos mares. O plástico é o principal poluente encontrado nas praias do país. Canudos, embalagens de doces, copos descartáveis, sacolas e materiais de pesca são os fragmentos encontrados com maior frequência ao longo do litoral. Outro item preocupante é a bituca de cigarro, segundo resíduo mais presente.
Para medir como essa poluição afeta a fauna marinha, Ítalo Braga, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo, em Santos, examinou moluscos, como ostras e mexilhões, na baía de Santos e descobriu que eles apresentam índices de poluição por microplástico que estão entre os maiores do mundo.
“Ostras e mexilhões são filtros da água do mar e acabam retendo esse microplástico no seu corpo, por isso são considerados sentinelas da contaminação”, explica ele, que encontrou animais com até 300 partículas de microplástico por grama de peso. “Isso indica que a região recebe aportes brutais de contaminação.”
Segundo Braga, precisamos saber o quanto estamos consumindo de microplástico nos alimentos de origem marinha. “A Anvisa tem análise de pesticidas em alimentos, e penso que algo nesses moldes precisa ser feito para o microplástico.”
Estudos já identificaram microplástico e nanoplástico no coração, no cérebro, na placenta, nos testículos e em outras partes do corpo humano.
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