Brasil e China divulgaram um desses comunicados café com leite de encontros bilaterais —aqueles acordos de cooperação vagos. Mas pode ter carne nesse cardápio.
A China tem mudado o endereço de seus investimentos. Em 2017, 3 dos 10 maiores destinos de capital chinês eram “países em desenvolvimento”. De 2018 a 2022, passaram a ser algo em torno de 5. Em 2023, 9 de 10. Os dados foram compilados pela Câmara Empresarial Brasil-China.
Em 2018, Donald Trump declarou guerra comercial contra a China. Como é sabido, as restrições americanas e do Ocidente a negócios com os chineses vão além.
Não estamos à beira de receber jorro de capital chinês. Para começar, esse fluxo amainou em anos recentes, por causa da epidemia, de Jair Bolsonaro e porque o PIB brasileiro se arrastava na poeira. Além do mais, o dinheiro não virá por graça política. A condição necessária é a de sempre: estabilidade econômica, perspectiva de crescimento e barganhas.
Sim, há poréns.
Primeiro, a China gostaria que tais barganhas fossem formalizadas em acordos da Iniciativa Cinturão e Rota, que podem envolver regras de investimento, comércio e acertos financeiros. O Brasil inventou essa história de “sinergia” com a China a fim de escapar de acordos formais e do risco de retaliações de adversários da China.
Segundo, a produção chinesa, excessiva, vem sendo desovada a preço de banana pelo mundo, o que assusta também a indústria brasileira. Um acordo de fundo com os chineses poderia implicar mais ameaças para siderúrgicas, química, máquinas, têxteis, por exemplo. Já houve aumento de imposto de importação sobre aço e painel solar.
Terceiro, a China reagirá ao novo ataque de Trump. A depender de como o fizer, pode sobrar para o Brasil, no mau sentido.
Mas há oportunidade, possibilidade de convergência de interesses que pode ser aproveitada pelo governo Lula.
Folha Mercado
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Segundo dados da Câmara Empresarial Brasil China, apenas Estados Unidos, Austrália e Reino Unido receberam mais capital chinês do que o Brasil entre 2007 e 2023. Pode vir mais.
Nos dados mais recentes do Banco Central, até 2022, a China estava em quinto lugar no ranking de investimento direto no país, no Brasil (participação do detentor final no capital), com 5% do total investido. Ainda pouco, atrás de Estados Unidos (29% do total), Espanha, Reino Unido e França. Desse dinheiro investido, cerca de 80% havia sido destinado para eletricidade e petróleo, muita vez por meio de aquisição.
A coisa começou a mudar, como se vê pela chegada das montadoras chinesas e dinheiro que pinga em fábrica de eletrônicos, aparelhos elétricos e máquinas e equipamentos, além de infraestrutura.
É claro que não vai haver migração da manufatura chinesa para o Brasil de escala pequena, custo alto, infraestrutura ruim, escassez de mão de obra etc. Mesmo com restrições às vendas chinesas, os investimentos migram para vizinhanças (“China + 1”). Mas algo pode se mover.
O Brasil, com plano e investimento em pesquisa e tecnologia, pode ter vantagens e novidades na indústria verde (biocombustíveis, equipamentos), o nome que se dê. Parece óbvio e velho. No entanto, faltam providências decisivas, entre elas destinar recursos para o desenvolvimento técnico desses negócios. Enquanto isso, a gente é obrigado a lidar com coisas toscas e daninhas como emendas parlamentares.
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