Laísa Dall’Agnol
“Não vou passar o bastão para ninguém. Só passo depois de morto”, disparou Jair Bolsonaro, na segunda-feira 24, em entrevista a um podcast na véspera do julgamento no Supremo que o levaria ao banco dos réus por tentativa de golpe de Estado. Mesmo inelegível até 2030, ele disse que vai registrar a candidatura a um novo mandato presidencial “aos 48 minutos do segundo tempo” e deixar o Tribunal Superior Eleitoral decidir. A seu lado, em gesto simbólico, estava o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), apontado por muitos como o herdeiro do espólio bolsonarista. Ele declarou, no entanto, que vai disputar a reeleição em São Paulo e que seu candidato à Presidência continuava sendo seu padrinho político. “Vou estar junto do Bolsonaro até debaixo d’água. Tenho um papel nisso, que é ajudar o presidente até o fim”, completou. O episódio ilustrou à perfeição o momento confuso que vive a direita. Mesmo apontada como favorita na maioria das sondagens para a disputa nacional, ela está emparedada entre um líder que deseja, mas não pode ser candidato, e potenciais sucessores que cultivam seus planos presidenciais, mas pisam devagar no caminho que leva ao Palácio do Planalto em 2026.
Maior nome da direita em muito tempo, Bolsonaro tem grande capital eleitoral, mas é hoje o principal desafio para esse campo político. Sem abdicar da disputa, ele vê uma miríade de candidatos se colocando sutilmente no páreo, mesmo que isso seja feito sem pedir para o capitão sair do caminho — o que, parece, não ocorrerá tão cedo. O cálculo de Bolsonaro é que, se deixar a disputa agora, poderá ver a dilapidação de sua força política, o que seria fatal para quem tem um duro caminho a percorrer nos tribunais. “Se ele fizesse isso, enfraqueceria o movimento no Congresso de discussão de anistia, que na verdade é para si mesmo, bem como pela alteração da Lei da Ficha Limpa. Bolsonaro, neste momento, ou enquanto durar o julgamento, não vai abrir mão da sua postulação”, avalia o cientista político Eduardo Grin, professor da FGV-SP.
Na fila de potenciais sucessores, quem enfrenta o maior drama é Tarcísio de Freitas, o único que tem a opção de disputar a reeleição ao governo. Visto como o nome mais viável por partidos como PL, Republicanos, PP, PSD e até MDB, ele tem um bom ponto de partida entre o eleitor de direita. Em pesquisa feita pelo Monitor Político, do Cebrap, na manifestação em Copacabana no dia 16 de março, 42% dos entrevistados o apontaram como o melhor nome para concorrer no lugar de Bolsonaro, o dobro da ex-primeira-dama Michelle (21%). O governador tem uma boa aprovação de sua gestão (61%, em sondagem feita pela Quaest em fevereiro) e poderia ser um adversário duro de Lula em 2026.
O apoio bolsonarista é fundamental, mas Tarcísio também sabe que, sem abarcar o centro político, seria mais difícil o embate com Lula. Por isso, tenta conciliar o uso do discurso bolsonarista, em especial em segurança pública e economia, com posições mais moderadas, como ao dizer que a “Justiça Eleitoral é garantidora da democracia brasileira” em um evento público recente. A própria presença de Tarcísio na entrevista ao podcast suscitou interpretações dúbias: estaria ele ali para reafirmar seu apoio ao capitão ou já estaria debutando como aquele que terá a bênção de Bolsonaro? Algumas pessoas próximas dizem não ser seu desejo disputar a Presidência em 2026, mas, sim, reeleger-se governador. Com isso, seria capaz de garantir a entrega de projetos estruturantes — como o Túnel Santos-Guarujá, a transferência do governo para o centro da capital e o Trem Intercidades — e se cacifar para 2030 com a imagem de tocador de projetos que o levou ao ministério e ao governo. “Tarcísio está alinhado e vai ficar até o final. Quem o Bolsonaro escolher, ele vai aceitar”, diz um aliado.

Nos bastidores, no entanto, não faltam políticos com a convicção de que o governador já teria decidido concorrer ao Palácio do Planalto no ano que vem. Valdemar Costa Neto, o cacique do PL, sonha com uma dupla Tarcísio-Michelle, mas não sabe como dizer isso ao capitão. O ex-presidente, caso tenha de escolher um sucessor, não apostaria em Michelle — já disse que ela deveria tentar o Senado, outra prioridade de Bolsonaro. Mas Michelle tem potencial: em vários levantamentos, aparece até à frente de Lula. Os filhos do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), foram citados, respectivamente, por 16% e 6% dos ouvidos em Copacabana como sucessores do pai, mas podem disputar o Senado. Para a direção do PL, uma candidatura de Michelle equacionaria um outro problema: Tarcísio não pertence à legenda. Conversas sobre sua migração foram ventiladas no ano passado, mas a possibilidade, aparentemente, perdeu fôlego.
Além de Tarcísio, há outros nomes cogitados dentro do grupo de governadores de oposição. Alguns se movimentam com mais discrição, como o governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD). Com 81% de aprovação no estado, segundo a Quaest, ele já era cotado para representar a direita na disputa presidencial, mas esse movimento tem sido acelerado. O governador corre contra o tempo para resolver dois grandes desafios: tornar-se um nome nacional e garantir o apoio do PSD a seu projeto, sendo que o partido mantém um pé na canoa do governo Lula. Em vídeo divulgado na terça-feira 25, em evento com políticos e empresários, o presidente da sigla, Gilberto Kassab, se desdobrou em elogios a Ratinho Jr. “O PSD o abraça como liderança nacional e vê nele um futuro para o Brasil”, declarou.
O recado, no mesmo dia em que Bolsonaro estava no banco de denunciados no STF, não foi por acaso. Publicamente, Ratinho evita falar sobre uma candidatura, mas aliados dizem haver internamente diversas forças que convergem para que o PSD lance um presidenciável — e o paranaense seria a melhor opção. “Ele precisa do aval não apenas da direção, mas das bancadas do partido no Congresso. Mas existe, sim, um processo que está sendo germinado”, afirma um aliado, que defende que o PSD não pode ficar refém de “uma ou duas lideranças nacionais” e que a decisão de lançar candidato não depende de Bolsonaro. Apesar disso, Ratinho Jr. vai receber o ex-presidente no próximo dia 4 para um almoço no Palácio Iguaçu, sede do governo. Também deverão ir juntos à abertura da feira agroindustrial ExpoLondrina.
Há quem aposte numa estratégia oposta à de Ratinho: gerar o maior barulho possível. É o que tem feito o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que adotou uma estratégia nos últimos dias de se posicionar como “o nome” da direita antipetista. No início do ano, ele contratou o marqueteiro Renato Pereira, que já atuou em campanhas de Aécio Neves e Sérgio Cabral, para dar uma guinada na imagem. A palavra de ordem tem sido “nacionalizar” o discurso, o que já se refletiu no tom mais beligerante nas críticas a Lula — inclusive pessoalmente, como ocorreu na inauguração de um centro de tecnologia no estado. Além do bom índice de aprovação de sua gestão (62%), seu partido aposta no fato de Minas Gerais fazer fronteira com estados importantes como Bahia, Rio de Janeiro, Goiás e Mato Grosso do Sul, e ser o segundo maior colégio eleitoral do país, conhecido por “dar a vitória” aos presidentes da República. “Estamos estruturando o Novo não apenas para a campanha do Zema, mas para construir uma base partidária e de alianças forte”, diz Christopher Laguna, presidente do Novo-MG. O lançamento da candidatura já é tido como certo e não deverá depender do aval de Bolsonaro. “Hoje, vemos uma direita fragmentada. O Bolsonaro estando ou não elegível, apoiando ou não a nossa candidatura, nós seremos candidatos”, defende o dirigente.
Entre os potenciais sucessores à direita, há quem já tenha experimentado uma vida sem Bolsonaro. É o caso do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que está em franca campanha desde o ano passado e deve oficializar sua pré-candidatura no próximo dia 4 — setores do partido tentam dissuadi-lo, mas, por ora, sem sucesso. Caiado bateu de frente com Bolsonaro nas eleições de 2024, quando enfrentou e derrotou seus candidatos nas maiores cidades do estado, entre elas Goiânia, com uma dura troca de ataques durante a disputa.
Uma variável importante que a direita terá em seu cálculo político é o tempo. Tarcísio, se for disputar a Presidência, precisaria renunciar em abril de 2026, ou seja, daqui a um ano — se for para a reeleição, pode seguir no cargo. Por isso, é fundamental que o horizonte para 2026 comece a ficar mais claro o quanto antes.
Hoje com a popularidade abalada, Lula tem a pretensão de fechar alianças com partidos que podem caminhar à direita, mas estão na Esplanada, como PSD, União Brasil, Republicanos e PP. Do outro lado do espectro político, a indefinição gerada pelo fator Bolsonaro se arrasta desde 2023, quando foi declarado inelegível, mas as perspectivas de que ele reverta a situação vão se estreitando e novas dificuldades estão surgindo, inclusive a possibilidade de uma prisão. “O ex-presidente trava a discussão das alianças que têm que ser formadas na oposição”, afirma Eduardo Grin. Nenhum político dirá isso em público, mas é corrente a avaliação de que o grande líder da direita se transformou em grande estorvo para a direita.
Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937