Negociações encabeçadas por Fernando Haddad (PT), prefeito de São Paulo de 2013 a 2016, e por Ricardo Nunes (MDB), que assumiu em 2021 (ele era vice de Bruno Covas, do PSDB), são os principais pesos na virada de sinal das contas públicas da capital paulista.
Outros fatores turbinaram o aumento das receitas, como mudanças no IPTU, a reforma da previdência municipal e mesmo a dinamicidade da economia da cidade, que afeta o recolhimento do ISS (Imposto Sobre Serviços), mas nenhum deles teve o peso da renegociação da dívida com a União e do acordo do Campo de Marte.
Esse último, mais recente, encerrou uma disputa judicial de décadas e fez com que o saldo devedor de R$ 23,9 bilhões que a Prefeitura de São Paulo ainda tinha com a União fosse quitado.
O município brigava na Justiça desde o fim dos anos 1950 para retomar a área do Campo de Marte, na zona norte da capital paulista, que havia sido ocupada pelo governo federal após a derrota de São Paulo na Revolução Constitucionalista, em 1932.
Em 2021, Nunes levou ao então presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem é aliado, a proposta de acerto de contas. A conversa andou e, em março do ano seguinte, o acordo foi assinado. A indenização cobrada pelo município na Justiça estava estimada entre R$ 26 bilhões e R$ 49 bilhões.
Com a liquidação do valor, a prefeitura deixou de desembolsar cerca de R$ 3 bilhões anuais para pagar a dívida. Essa economia passou, a partir de 2022, a ser destinada a investimentos —a alocação foi prevista na lei orçamentária.
Antes do acordo que deu fim à dívida com a União, outra negociação já havia dado novo fôlego às contas da prefeitura, com a redução dos gastos com o serviço da dívida, que viria a se tornar insustentável.
Assim que assumiu em 2013, Haddad tentou mexer no indexador do saldo devedor. O então prefeito defendia que, com isso, melhoraria o grau de investimento da prefeitura. Na época, o endividamento do município impedia a contratação de novos empréstimos.
A dívida era, até 2016, corrigida pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), mais 9% ao ano. Com a renegociação costurada por Haddad, a correção passou a considerar o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que é a inflação oficial, mais 4% ao ano, limitada à variação da Selic (taxa básica de juros).
A substituição fez o saldo cair R$ 46 bilhões em valores de 2016, cerca de R$ 67 bilhões atualmente.
Luis Felipe Arellano, secretário da Fazenda na atual gestão, era subsecretário do Tesouro à época e diz que, apesar de bastante importante, essa primeira negociação não teve efeito sobre o fluxo de pagamentos.
A troca no índice fez cair o estoque da dívida, mas as parcelas seguiram mais ou menos as mesmas (os cerca de R$ 3 bilhões ao ano). A diferença é que, antes da renegociação, a maior parte desses pagamentos se referia a juros. Depois, passou a ser amortização de fato —até a quitação final, em 2022.
A reforma da previdência municipal também reduziu quanto o Tesouro precisava cobrir anualmente para aplacar o déficit. Quando assumiu a prefeitura em abril de 2018 (depois que João Doria se licenciou para concorrer ao governo do estado), Bruno Covas havia definido a reforma como uma prioridade de sua gestão.
Os servidores da ativa passaram a contribuir com uma alíquota de 14% (era 11%). Dos inativos que recebem acima do teto do INSS (R$ 7.786,02.em 2024), essa alíquota passou a ser cobrada na parcela de aposentadorias e pensões que ultrapassa o salário mínimo.
Em 2021, a gestão Nunes aprovou a segunda parte da reforma, que previu manter os descontos a aposentados e pensionistas e estendeu a cobrança a todos que recebem mais que o salário mínimo enquanto houver déficit. A partir de 2024, a cobrança ficou sobre o que excede o teto do INSS.
As mudanças também incluíram novas regras para aposentadoria, como idade mínima. Segundo a prefeitura, o passivo atuarial diminuiu R$ 100 bilhões com as novas regras, e o déficit anual caiu pela metade.
Outras mudanças legislativas já haviam melhorado a entrada de recursos via IPTU, o imposto dos imóveis. A atualização da PGV (Planta Genérica de Valores) no primeiro ano da gestão Haddad elevou a importância desse imposto no orçamento.
A medida chegou a ser suspensa por decisão judicial provisória, mas entrou em vigor em 2014. Em 2016, o IPTU passou a ser a segunda receita mais importante do município (atrás apenas do ISS, o imposto de serviços) e perdeu força somente em 2020, durante a pandemia de Covid. Ainda assim, chegou a 20% da receita corrente líquida.
Nos anos 1990, o imposto dos imóveis respondia por cerca de 10% dessas receitas. Os cálculos são dos pesquisadores Ursula Peres, Guilherme Minarelli, Diego Strobel, Jéssica Alves, Fábio Pereira e Rony Cardoso, divulgados em nota técnica do Centro de Estudos da Metrópole.
Em outro artigo sobre a melhoria das condições financeiras de São Paulo, a pesquisadora Ursula Peres aponta também que, até o início dos anos 2000, o ICMS (imposto estadual) era importante fonte de receita. Nessa época, ele começa a perder espaço o ISS.
A troca reproduziu a mudança na vocação econômica da cidade, de um centro industrial para uma capital de serviços. Essa última também foi beneficiada pelo que a pesquisadora chama de a “modernização do controle tributário”, que inclui as notas fiscais eletrônicas e o investimento na estrutura burocrática da receita municipal, reduzindo sonegação, erros e elisão fiscal.
Outro respiro para as contas da prefeitura veio em 2021, com o socorro do governo federal a estados e municípios em decorrência da pandemia. Além da transferência de dinheiro, os entes ficaram proibidos de conceder reajuste salarial e de fazer contratações.
No período de crise sanitária, ainda houve o pagamento do auxílio emergencial, que manteve o consumo aquecido.
Essa combinação de fatores fez com que a capital paulista passasse a ter um espaço fiscal inédito, mesmo com o aumento de gastos e investimentos.
Segundo os balanços financeiros da prefeitura de São Paulo, de R$ 7,9 bilhões ao fim de 2016 (valores atualizados pela inflação), o saldo em caixa passou para R$ 33 bilhões ao fim do ano passado.
Ao analisar as contas da capital paulista até 2022, a pesquisadora Ursula Peres, do Centro de Estudos da Metrópole, nota que “apesar de parte desses recursos serem vinculados a alguma área de gasto, como educação e saúde”, o saldo mais do que dobrou em dez anos.
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