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Colombiana Francia Márquez se inspira em Lélia González – 23/02/2025 – Bianca Santana

Colombiana Francia Márquez se inspira em Lélia González - 23/02/2025 - Bianca Santana

“Se estamos esperando mudança contra o racismo de quem nunca sofreu racismo, estamos erradas. A mudança vem da gente, passa por organização, articulação, assumir outro projeto de nação, antirracista, antipatriarcal, com a vida no centro.”

Tomei nota das palavras de Francia Márquez, vice-presidente da Colômbia, durante uma reunião em que estivemos juntas, em dezembro de 2023. Ela explicava por que, apesar de tanta violência, acreditava ser importante estar na política.

Na campanha eleitoral colombiana, em 2022, um grupo paramilitar divulgou uma lista com nomes de defensores de direitos humanos, dentre os quais o de Francia, com a ameaça explícita de “erradicar do mapa” todo aquele que o atrapalhasse.

Depois da eleição, a equipe de segurança da vice-presidente encontrou sete quilos de explosivos na rua de sua casa. Mais recentemente, um dos carros de sua equipe foi atingido por um projétil. Em junho de 2024, o veículo onde estavam seu pai e sobrinho foi baleado.

Além da violência física, Francia Márquez tem sido alvo de denúncias sensacionalistas de supostas irregularidades em sua gestão. Processou por calúnia um senador que a acusou de corrupção. Mas mesmo que ela ganhe na Justiça, não será apagada a desconfiança sobre seu caráter, plantada em quem leu as acusações falaciosas. Como sabemos, ataques à reputação são práticas comuns para desestabilizar e tirar credibilidade de inimigos políticos.

Antes do excelente resultado nas prévias eleitorais da Colômbia, quando era candidata à Presidência, o que levou Gustavo Petro a propor sua candidatura a vice, Francia era ativista ambiental e pelos direitos humanos. Combateu a mineração enquanto estudava direito, trabalhava como empregada doméstica e cuidava sozinha dos dois filhos.

Era parte dos considerados ninguém, os “nadie” da sociedade colombiana. E como boa leitora de Lélia González, sabia que era hora do lixo falar, “e numa boa”.

O ódio de classe, além do racismo e do machismo, fica evidente no apelido igualada, que virou título do documentário sobre Francia. Igualada, na Colômbia, é a “negrinha atrevida” de Lélia González. As nadie que, apesar de receberem todos os recados de que não são bem-vindas, buscam ocupar espaços de influência e poder.

Em uma entrevista para a televisão, a apresentadora perguntou a Francia: “¿Va vivir sabroso al lado de la Casa de Nariño?”, algo como “vai viver bem ao lado da Casa de Nariño [a sede da Presidência]?”. “Vivir sabroso” foi um mote da campanha eleitoral de Francia, ideia próxima à do bem-viver, que mobiliza a Marcha das Mulheres Negras no Brasil.

Reproduzo a resposta didática de Francia: “Não acho que ‘vivir sabroso’ se refira a ter uma casa. Hoje, graças a Deus, tenho uma casa digna, mas, se acham que, por ser uma mulher empobrecida e me darem uma casa presidencial, eu já estou ‘viviendo sabroso’, estão muito enganados. Isso faz parte do classismo deste país, se você olhar por esse lado. Convido você a refletir sobre o que significa ‘vivir sabroso’ para o povo negro, em sua essência, em nossa identidade étnica e cultural: refere-se a viver sem medo, a viver com dignidade, a viver com garantia de direitos.”

Por acreditar na institucionalidade como caminho para que pessoas negras, pobres e mulheres tenham seus direitos garantidos, Francia Márquez segue na política.

Apesar dos que odeiam, seguimos.


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