Renata Brosina
É improvável pensar em Giorgio Armani sem pensar na Itália. E vice-versa. No próximo ano, a marca, fundada em 1975, completa 50 anos. À frente das criações desde então, o estilista de 90 anos segue fiel a sua missão de mostrar a elegância e o “savoir faire” do seu país.
“Tenho orgulho de dizer que fiz parte desse fenômeno incrível”, diz o estilista, considerado o símbolo do “made in Italy”, que desbravou a moda da época entre a sofisticação, a atemporalidade e a vontade de revolucionar.
Na última quinta-feira, ele atravessou o oceano para apresentar, pela primeira vez, uma coleção do calendário de moda fora de Milão —e desfilar seu verão 2025 nos domínios do Park Avenue Armory, em Nova York. Uma surpresa para quem estava preparado para assistir aos seus desfiles no teatro no subsolo da sua casa, na Via Borgonuovo, há poucos passos de sua sede milanesa.
Batizada “In Viaggio”, a série de 89 looks revelou os códigos Armani ao máximo —entre a alfaiataria, que alcançou o pico de suavidade e leveza; conjuntos de seda que, de tão relaxados, quase assumiram um estado líquido, e visuais noturnos, com uma construção impecável de bordados, franjas e brilhos que, em certos momentos, teimam cruzar as fronteiras entre o “prêt-à-porter” e a alta-costura.
As criações seguem a sua cartela de cores clássica, que parte do cinza e transita entre beges, azuis-claros, versões de bronze e tons de pink, em texturas e materiais que fazem parte da sua assinatura, entre elas o cetim e o couro. Quanto ao uso de pele de animais, a grife aboliu a utilização do material desde a sua coleção de inverno 2016.
Entretanto, o desfile ocorreu meses após denúncias sobre más condições de trabalho nos bastidores. Em abril, tanto a Armani como a Dior foram acusadas de explorar trabalhadores —na maioria chineses— em oficinas nos arredores de Milão na fabricação de bolsas e acessórios.
Essas oficinas pagavam aos trabalhadores entre € 2 e € 3 (entre R$ 12 e R$ 18) por hora para trabalhar dez horas por dia —às vezes, até sete dias por semana—, para fazer bolsas que eram vendidas aos subcontratados da Armani por € 93 (R$ 570), revendidas à Armani por € 250 (R$ 1.500) e postas à venda por € 1.800 (R$ 11.100).
Na época, a Giorgio Armani Operations, responsável pelas produções, negou as acusações. Questionado, o estilista apenas afirmou que a empresa sempre teve medidas de controle e prevenção para minimizar o risco de abusos na cadeia de produção e que estaria colaborando com as autoridades nas investigações.
De volta ao evento, além das roupas —antes da primeira modelo entrar, acompanhada de carregadores com malas, um relógio central, com o logo da grife—, os sons e as projeções de trens já antecipavam a ideia de Armani de transportar seus convidados a uma estação, em outros tempos.
Ele parecia interessado em mostrar ao público suas memórias cinematográficas de infância —relacionadas às sensações que tinha quando pensava em Nova York como cenário para os longas da época.
“Era um momento de alegria, fantasia e fuga total”, diz Armani, que lembra ir ao cinema aos domingos vestido pela mãe, Maria Raimondi, com as suas melhores roupas. “Não tínhamos muito, mas tínhamos muita dignidade, e essa foi uma lição de estilo que ficou comigo até hoje”.
Segundo o estilista, foi com ela que aprendeu sobre senso estético. “Era extremamente sóbrio e eu a achava muito elegante. Essa ideia de ‘menos é mais’ ou ‘menos, mas melhor’ foi uma lição que absorvi”, diz ele, que também se amparou no cinema para ter projeção internacional.
Em 1979, o diretor e roteirista Paul Schrader foi a Milão após contatar Armani. Com ele estava John Travolta, que inicialmente estrelaria “Gigolô Americano”, de 1980, e foi substituído por Richard Gere. O motivo? Armani mostraria os esboços da sua nova coleção de verão —e as roupas eram exatamente o que o cineasta tinha em mente.
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“Estava animado com a ideia de vestir um personagem tão audacioso em minhas criações, que na época representava a modernidade masculina”, diz o estilista. “Quando estava trabalhando com Schrader no personagem de Richard Gere, não estava pensando em fazer história”.
A partir daí, o italiano também mostrou ao mundo sua nova ideia de masculinidade. “Eu achava que as roupas modernas deveriam ser confortáveis”, afirma Armani, que revolucionou a silhueta masculina da época em uma estrutura de blazer com menos enchimento e forro “para homens, como eu, que não se reconheciam mais na formalidade rígida da geração anterior”.
Uma das imagens que simbolizaram essa transformação foi a capa da revista do jornal The New York Times, de 1985, com Jean-Michel Basquiat. O artista aparece descalço sentado em frente a uma de suas obras. “Eu amei o fato de ele ter escolhido usar Armani. E amei ainda mais que ele tenha pintado com meus ternos. Eu desenho roupas para serem usadas, para as pessoas viverem.”
A proposta se estendeu às mulheres quando levou seus experimentos para casacos à alfaiataria feminina, desenvolvendo um novo visual suave, mas que ainda desse uma aparência poderosa e forte. “O visual que criei foi adotado pelas mulheres trabalhadoras na época e deu a elas igualdade em termos de guarda-roupa com seus colegas homens”, afirma. “Hoje, não acho mais que as mulheres precisam adotar os códigos do guarda-roupa masculino para parecerem —ou se sentirem— empoderadas”.
“Nunca criei um blazer sem imaginar que tipo de pessoa a usaria, onde viveria, que tipo de mobília gostaria. Conforme o negócio progrediu, tive a oportunidade de me expressar em diferentes campos do design, e gostei disso —criar o mundo que cerca as roupas”, diz ele, que segue mostrando formas de traduzir seu estilo de vida para outros segmentos.
Um exemplo foi a inauguração na noite anterior ao seu desfile em Nova York. A reabertura do número 760 da Madison Avenue, a poucos passos da sua primeira butique, inaugurada em 1985, no número 815, após uma grande reforma, agora apresenta uma construção que compila toda a visão do criador no mesmo endereço.
Com 12 andares e oito janelas para a rua, o edifício, inspirado pela estética das décadas de 1930 e 1940, abriga uma butique Giorgio Armani, uma loja Armani/Casa, o Armani/Ristorante, com entrada pela rua no andar térreo, e dez residências privadas das luxuosas Giorgio Armani Residences. Todas elas já vendidas. Em setembro, o Armani Group e a construtora Patrimar anunciaram a parceria para inaugurar um projeto residencial no Rio de Janeiro, com previsão para entrega em 2029.
“É preciso muito esforço, muita coragem e muita teimosia também”, diz ele sobre os desafios de se manter relevante num mercado em transformação. Para isso, ele se cerca de gente que o ajuda a traduzir os novos tempos. No início da sua história na moda, ele esteve ao lado de Sergio Galeotti, seu sócio, que acreditou no seu olhar especial para a estética. No entanto, sua morte, em 1985, foi uma perda que marcou um momento muito difícil para o estilista.
“Superei com meu pragmatismo, sem pensar em parar. Eu devia isso ao homem que realmente me deu a confiança para começar com meu próprio nome e criar uma marca. As crises geralmente nos forçam a evoluir e crescer”, diz ele que, ao longo do caminho, aprendeu a ser um empresário e não apenas um designer. “Continuo aprendendo essa profissão gêmea, dia após dia. É um processo sem fim”, afirma.