Desastres relacionados à crise climática causaram 220 milhões de deslocamentos internos nos últimos dez anos, de acordo com o relatório mais completo sobre o tema feito pela Acnur (Agência das Nações Unidas para Refugiados) com organizações parceiras, lançado nesta terça-feira (12) na COP29, em Baku, Azerbaijão.
O número contabiliza todas as movimentações ocasionadas por eventos climáticos extremos dentro do mesmo país, incluindo remoções temporárias de pessoas. Trata-se de contagem diferente da OIM (Organização Internacional para as Migrações), que total de pessoas deslocadas ao final de cada ano.
A Acnur, que não adota o termo “refugiado climático”, analisou pela primeira vez a relação entre a crise climática e o deslocamento de pessoas forçadas ou induzidas a fugir de suas casas —geralmente, devido a conflitos armados, situações de violência generalizada ou violações de direitos humanos.
Segundo o relatório, a mudança climática pode aumentar os deslocamentos internos, somar-se aos conflitos que levam as pessoas a procurarem outros países, além de piorar a qualidade já vulnerável de vida dos refugiados que atravessam fronteiras nacionais.
“É importante entender que lidar com a mudança climática não é apenas sobre proteger o planeta, é sobre garantir os direitos das pessoas, suas casas, vidas e futuros”, diz Jana Birner, pesquisadora que liderou o relatório climático.
“Desastres relacionados ao clima podem prender deslocados internos e refugiados em ciclos de deslocamento contínuos e prolongados”, afirma o relatório, que usou como exemplo as inundações que atingiram o Rio Grande do Sul no último mês de maio.
As chuvas no sul do Brasil causaram a morte de 181 pessoas, afetaram 2,3 milhões e causaram o deslocamento de 580 mil de suas casas, diz o documento. Entre os afetados, segundo a agência, estão 43 mil refugiados vulneráveis da Venezuela, Haiti e Cuba, que habitavam algumas das áreas mais impactadas por secas e inundações.
Em suma, aponta a Agência das Nações Unidas para Refugiados, pessoas que fogem de suas casas para sobreviver a situações de conflitos e violência podem ser forçadas a fugir novamente devido a inundações e outros eventos climáticos extremos. Das120 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo, 90 milhões estão atualmente vivendo em países expostos a impactos climáticos altos ou extremos —ou seja, três em cada quatro refugiados estão sujeitos aos efeitos da crise climática.
Além disso, em 2023, 42 dos 45 países que relataram deslocamento interno por conflito também experimentaram o ocasionado por desastres, “o que mina a capacidade dos estados de responder, fornecer proteção e investir em adaptação e resiliência”, diz o relatório.
O estudo alerta que a crise climática afeta comunidades já vulneráveis, que costumam ser as menos responsáveis pela emissão de gases do efeito estufa. “Uma história de crescente injustiça”, relata o alto comissariado.
Conforme Birner, porém, existem diversos fatores humanos na mudança climática, como problemas de governança, falta de adaptação climática e medidas de redução de desastres, além de pouco financiamento. “A mudança climática não acontece em um vácuo”, diz.
Ameaça crescente
Para 2040, a Acnur prevê uma escalada da exposição de populações a múltiplos perigos climáticos, particularmente nas Américas, na África Ocidental-Central e no Sudeste Asiático. Segundo o relatório, o número de países projetados para enfrentar perigos climáticos extremos deve aumentar de 3 (Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Omã) para 65, incluindo o Brasil e outras nações que abrigam refugiados.
O calor extremo também aumentará significativamente, diz o estudo, com a maioria dos assentamentos e campos de refugiados projetados para experimentar o dobro de dias de calor danoso até 2050.
A própria agência tem adaptado a forma como trabalha para tentar mitigar os efeitos, diz Birner. “Não podemos fazer o mesmo de sempre”, afirma. “Primeiro de tudo, continuamos trabalhando para que as pessoas sejam protegidas e recebam proteção internacional, se fugirem no contexto de mudanças climáticas e desastres, […] mas para nós também é uma prioridade investir na resiliência climática e na adaptação das comunidades de refugiados”.
Em Moçambique, por exemplo, a Acnur está tentando transformar o campo de refugiados de Nampula em uma vila verde localmente integrada, para que a comunidade consiga suportar os choques climáticos.
“Já lidando com múltiplas ameaças e temores pelo futuro, as pessoas deslocadas enfrentam o risco de ficar ainda mais para trás”, diz o relatório, que critica também a falta de financiamento climático direcionado aos refugiados.
O principal objetivo da COP29 é discutir o novo modelo de financiamento climático, que substituirá os US$ 100 bilhões (cerca de R$ 550 bilhões) anuais prometidos na COP21 em Paris e com validade entre 2020 e 2025.
Assim como representantes de outros grupos vulneráveis, a Acnur defende um maior investimento nos refugiados.
Conforme o relatório, 90% do financiamento climático tem como alvo países de renda média e alta emissão. Estados “extremamente frágeis” recebem apenas US$ 2,1 por pessoa em financiamento anual para adaptação, em comparação com US$ 161 por pessoa em estados não frágeis, diz o documento.
Segundo a agência da ONU, as comunidades deslocadas são ignoradas até mesmo na discussão climática. O estudo aponta que apenas 24 dos 60 Planos Nacionais de Adaptação e 25 das 166 Contribuições Nacionalmente Determinadas incluíram disposições concretas sobre deslocamento no contexto de mudanças climáticas e desastres.
Na COP29, o relatório foi apresentado pelo alto comissário das Nações Unidas para Refugiados, Filippo Grandi, e por Grace Dorong, refugiada que trabalha pela ação climática.
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