Mayara Paixão
O governo de Javier Milei e os seus aliados conseguiram maioria entre os deputados da Argentina para aprovar nesta quarta-feira (12) uma Lei da Ficha Limpa que impede a candidatura de condenados em segunda instância por corrupção.
O texto ainda precisa do aval do Senado para entrar o vigor, o que é considerado muito mais complexo, mas já é um revés simbólico para a ex-presidente Cristina Kirchner, unanimemente vista como o principal alvo desta medida. Cristina está condenada em segunda instância.
A iniciativa patrocinada pelo Poder Executivo recicla uma tentativa anterior do Proposta Republicana, o partido do ex-presidente Mauricio Macri, que naufragou no ano passado. O texto propõe modificar a Lei Orgânica de Partidos Políticos para barrar das eleições os envolvidos em delitos contra a administração pública. A condenação em segunda instância tem de ter ocorrido no mínimo 180 dias antes da eleição.
A Argentina irá às urnas em outubro para eleições legislativas de meio de mandato que renovam parte das cadeiras das duas Casas. Cristina, longe do ostracismo após deixar a Vice-Presidência no final de 2023, é vista como potencial candidata à Câmara. Em uma oposição em grande medida desarticulada e em disputa interna atualmente, ela voltou a ter protagonismo ao assumir a presidência do Partido Justicialista (PJ).
A dúvida, no momento, é se o país também terá, ou não, as eleições primárias dois meses antes do pleito, para definir quais serão as listas de candidatos de cada força política. Também por iniciativa da gestão Milei, a Câmara aprovou recentemente a suspensão das primárias para esta jornada eleitoral; ainda falta análise do Senado.
Lá Fora
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Cristina foi condenada em segunda instância em novembro passado pela Justiça Federal no caso que foi apelidado de Vialidad, no qual se investigou um esquema de desvio de dinheiro público e favorecimento do empresário Lázaro Báez na província de Santa Cruz, ao sul do país.
A sentença é de seis anos, além de inabilitação perpétua, o que só passaria a valer, no entanto, caso se esgotem os recursos de Cristina: neste caso, o apelo à Corte Suprema de Justiça. Por ter mais de 70 anos (está com 71), ela poderia pedir para cumprir a pena em casa.
Atualmente, só se pode impedir que um político concorra a um cargo público caso todas as instâncias possíveis tenham sido esgotadas, como mostra o caso da peronista, o que mudaria com a Ficha Limpa.
O governo conseguiu amplas negociatas entre os deputados para aprovar a medida, mas no Senado sua margem é mais estreita. Isso porque na Casa formada por 72 senadores seria necessário maioria absoluta (ou seja, 37 votos) para aprovar a Lei da Ficha Limpa.
O União pela Pátria, bloco peronista e opositor, tem 33 senadores, e com alguma facilidade conseguiria chegar a 37 em negociações com outras forças para barrar o projeto.
No Brasil, a Lei da Ficha Limpa foi aprovada em 2010 após pressão popular. O mecanismo ampliou as hipóteses de inelegibilidade política, como por exemplo em casos de condenação em órgãos colegiados, o que leva à proibição de concorrer por oito anos. Há hoje em debate uma proposta para reduzir esse período para dois anos.
O informe recém-divulgado pela ONG Transparência Internacional no qual se mede a percepção de corrupção em 180 países mostra que a Argentina, no primeiro ano de Javier Milei no cargo, manteve sua pontuação (37 de 100; quanto mais pontos se têm, mais íntegro o país é considerado), mas retrocedeu uma casa no ranking, ficando em 99.
Para efeitos de comparação, o Brasil registrou em 2024 sua pior posição e nota no índice desde 2012, o começo da série histórica. De 2023 para 2024, o país caiu de 104º para 107º, com uma pontuação de 34 no índice. A média global é 43, e a das Américas, 42.