José Benedito da Silva
O clima no PT ainda era de certa empolgação com a ida de sua presidente, Gleisi Hoffmann, para a coordenação política do governo quando uma “bomba caseira” espalhou focos de incêndio por todo lado. Lideranças petistas ficaram sabendo que, na quinta 6, um grupo da corrente majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB) convidou Lula para um encontro na casa de Gleisi em Brasília, onde destilou críticas a Edinho Silva, ex-prefeito de Araraquara e candidato preferido do presidente para governar a sigla a partir da eleição de julho. Na ocasião, a turma do CNB disse que ele não tinha a maioria e que, se fosse candidato, seria derrotado. Edinho reagiu dizendo que o líder histórico do petismo havia sido “usado”. “Lula vai para uma reunião para que a gente possa construir unidade e ela é vazada para a imprensa como instrumento de luta interna. Nós não podemos aceitar. Eu estou muito indignado”, afirmou.
O episódio expôs ao público externo o que já se sabia nos corredores da legenda: o partido está rachado. Nos dias que se sucederam, a movimentação foi toda no sentido de evitar que essa impressão prosperasse. “Estamos em um momento crítico, onde a consistência e a unidade partidária são mais importantes do que nunca”, escreveu no site oficial da legenda o senador Humberto Costa (PT-PE), presidente interino da sigla até a realização do processo eleitoral. Na terça 11, durante a sua concorrida festa de aniversário de 79 anos em Brasília, o ex-presidente do PT José Dirceu, que cada vez mais volta a ser uma voz influente na legenda, foi na mesma linha. “A tarefa tão ou mais importante que governar é nossos partidos começarem a buscar unidade entre eles. Precisamos estar todos juntos”, disse.
Que a disputa interna na maior sigla brasileira de esquerda existe, ninguém nega, mas a motivação ainda é um grande tabu. Uma justificativa é ideológica: a suspeita de que Edinho poderia levar o partido mais ao centro, o que sempre provoca algum tipo de desconforto interno. Não são de agora as críticas direcionadas ao ex-prefeito. O discurso da ala de Gleisi é de que Edinho representa valores contrários ao “petismo raiz”, com acenos ao centro e ao mercado financeiro. Um dos suspeitos de ter “vazado” o que houve na reunião é o vice-presidente da sigla, Washington Quaquá, prefeito de Maricá (RJ), que se opõe abertamente ao ex-prefeito de Araraquara, que ele considera “um perfil de voo baixo”, que não conseguiu fazer um sucessor na cidade em 2024 e que é “mais um funcionário da Paulista do que um militante do partido”. Até mesmo o fato de ele ter ido recentemente a uma reunião organizada por Marta Suplicy na qual estava o ex-ministro Antonio Palocci, que caiu em desgraça na sigla, é apontado por ele como um ponto negativo para Edinho. “Pregar a conciliação é uma coisa, não ter norte na política é outra. O PT ensinou ao país, durante o período em que Dirceu estava na articulação, que é um partido de esquerda, mas que sabe governar com o centro. Não abre mão dos ideários centrais, mas modera posições. Se o Edinho for candidato, eu sou também”, disse Quaquá.

O perfil “ideológico” de Edinho não é a única justificativa. Mais ainda à boca pequena, há um bom número de petistas que não vê no racha nenhuma grande motivação política, mas apenas briga por espaços de poder e, principalmente, dinheiro. Um dos pontos centrais da disputa é quem vai assumir a tesouraria do partido, que só em 2024 recebeu 629 milhões de reais do Fundo Eleitoral, o segundo maior entre todas as legendas, atrás do PL. Edinho já anunciou publicamente que pretende trocar a tesoureira da sigla, Gleide Andrade, aliada de Gleisi e que foi uma das participantes mais vocais contra Edinho na reunião com Lula. Pouco conhecida fora da legenda, mas influente na burocracia petista, Gleide quer ser candidata a deputada federal por Minas Gerais em 2026. Nenhum cacique admite a tensão em torno desse ponto, até porque não fica bem dizer que se briga por dinheiro. “Essa história de que a Gleide está querendo continuar no cargo, que não aceita sair, isso é totalmente equivocado. O que a corrente definir, ela vai aceitar”, diz Humberto Costa.
O mesmo presidente interino admitiu, no entanto, que “o fogo está muito alto” no PT. “Houve uma ebulição muito grande, um tanto desnecessária, mas já foram feitos alguns movimentos no sentido de tentar abaixar essa temperatura”, disse a VEJA. O dirigente nega que tenha havido um movimento contra Edinho, embora reconheça que foram apontadas ressalvas a ele no encontro com Lula. “Foram feitas considerações sobre a candidatura do Edinho, mas em nenhum momento houve veto ou tentativa de rifar a candidatura dele”, diz Costa. Um dia após criticar duramente os adversários, durante encontro com petistas da região de Ribeirão Preto (SP), Edinho foi a Brasília para a posse de Gleisi como ministra da Secretaria de Relações Institucionais. Fez foto com a rival, sorriram e marcaram uma conversa para aparar as arestas. “Eu quero ser o candidato da presidenta Gleisi. Estive com ela nas duas vezes em que foi candidata. Mas também vou respeitar se eu não for, porque acho que é assim que tem que ser um partido”, afirmou ele antes de ir a Brasília.
Se a motivação para o racha não fica tão explícita, também é difícil dizer quem seria o candidato a enfrentar Edinho. Humberto Costa já disse que não topa. O ex-presidente Rui Falcão, que é respeitado por Lula e no partido, é uma possibilidade, mas não admite publicamente ir para a disputa. O nome de Jilmar Tatto, deputado e secretário de Comunicação da legenda, também é citado, assim como o de seu colega de Câmara, José Guimarães, hoje líder do governo Lula na Casa. O único nome que parece que irá para a disputa é o de Romênio Pereira, fundador do PT — ele tem atuação destacada na área internacional da legenda, mas pertence ao Movimento PT, com inclinação mais à esquerda e de pouca representatividade interna.
Uma das preocupações mais urgentes dos dirigentes petistas é tentar passar a imagem de que o partido chegará unido a 2026. Na festa de seu aniversário, José Dirceu disse mais de uma vez que era necessário ampliar a aliança em torno de Lula com todas as forças democráticas do país, inclusive aquelas que estão à direita do espectro político, e alertou para o risco de derrota para o bolsonarismo. A grande questão, portanto, é como defender uma grande frente para 2026 se o próprio PT mostrar que está desunido. Humberto Costa destaca ainda a necessidade de o petismo escolher em julho também o norte do partido. “Agora, é fazer a discussão não somente sobre a candidatura a presidente nacional, mas também sobre programa, projeto, estratégia nossa, para a eleição do ano que vem”, defende.
Quando Lula conquistou o direito ao seu terceiro mandato, a esquerda acreditou que poderia viver um período de glória. Mas isso não ocorreu. A crise não é exclusiva do PT. O PSOL, que pela primeira vez não teve candidato a presidente para apoiar Lula em 2022, está rachado desde então sobre o quanto deve ser governo. Em 2023, aprovou resolução que proíbe aceitar cargos sob Lula, mas abriu exceção para Sonia Guajajara, por conta do ineditismo do Ministério dos Povos Indígenas. Agora, o clima interno voltou a ferver com a especulação de que o deputado Guilherme Boulos pode virar ministro da Secretaria-Geral da Presidência no lugar de Márcio Macêdo. Uma ala expressiva de líderes, como os deputados Glauber Braga (RJ), Sâmia Bomfim (SP) e Fernanda Melchionna (RS), é contra. A relação complicada do PSOL com o governo também se manifesta na Câmara, onde o partido já se posicionou contra propostas da reforma tributária, do arcabouço fiscal e do corte de gastos. A Rede Sustentabilidade, outra legenda com assento no governo, vai renovar a direção em abril dividida entre o grupo da ministra Marina Silva (Meio Ambiente), pró-governo, e o da ex-senadora Heloísa Helena, contra. Outro cacique da sigla, o senador Randolfe Rodrigues, deixou a Rede por não concordar com a posição de Marina e do Ibama em relação à exploração de petróleo na Amazônia.
O barulho cada vez maior no PT, no entanto, preocupa muito mais do que essas rinhas em partidos menores. Se Lula quiser disputar a reeleição em 2026, a legenda deverá estar unida em torno de seu nome e de seu projeto, até como forma de dar alguma segurança aos aliados que estejam interessados em entrar na barca lulista. Por isso, do mesmo modo que o incêndio se espalhou rapidamente, cresceu nos últimos dias a movimentação de bombeiros. Lula sempre gostou de centralizar poder, tanto no governo quanto na legenda. Terá agora os desafios de pacificar o PT, montar o palanque para a campanha de reeleição e recuperar a tempo a popularidade perdida. Não é pouco trabalho.
Com reportagem de Ricardo Ferraz
Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935