Sylvia Colombo
Veterano do jornalismo da Globo, o jornalista Ricardo Pereira já vivia em Portugal no fim de sua carreira, quando recebeu um diagnóstico de um câncer agressivo no pâncreas.
O abatimento pela notícia, porém, não durou muito, pois soube de um novo tratamento alternativo para o qual poderia se inscrever. Mais do que isso, soube de uma última grande reportagem que ainda poderia fazer, que reanimou sua paixão pela profissão.
Isso porque descobriu o destino do dono de um diário de guerra ao qual tinha tido acesso quando visitou as Ilhas Malvinas, ou Falklands, no ano seguinte da guerra, de 1982. Tratava-se do ex-combatente Adrian Sachetto, que estava vivo e morando em Buenos Aires.
“Foi como um sopro de vida a meu pai, que passou novamente a se entusiasmar com uma história, como um repórter no auge da sua atividade. Trabalhava até de madrugada, pesquisava, queria que esta fosse sua última história a ser contada”, diz Sofia Pereira, filha do jornalista e produtora executiva do documentário “Malvinas: O Diário de uma Guerra“, disponível no Globoplay.
Pereira queria investigar a fundo as consequências do conflito na sociedade argentina até os dias de hoje e também o que tinha acontecido com os veteranos.
Quando conseguiram contato com Sachetto, o entusiasmo redobrou, e o veterano aceitou voltar às ilhas com Pereira. Lá, eles compartilhariam as memórias do conflito.
O plano era um material de fôlego maior do que acabou sendo. Imaginava-se um livro, uma grande reportagem em formato documentário ou mesmo um diário desta nova visita. “Mas o fator tempo, infelizmente, começou a jogar contra, meu pai já vinha doente por alguns anos e a quimioterapia já não estava funcionando tão bem. O resultado é esse filme marcado pela pressa, diferente do que ele tinha imaginado”, diz Sofia.
Outras dificuldades se interpuseram. Na visita que fizeram às Malvinas, os filhos de Sachetto decidiram fazer algo proibido na ilha. Ou seja, usar bandeiras e camisetas indicativas de que as Malvinas seriam argentinas na visita ao cemitério de Dawson, onde os ingleses enterraram a maioria dos soldados mortos argentinos no conflito —os demais tinham sido vítimas do afundamento, pelas forças britânicas, do navio Belgrano.
A Guerra das Malvinas eclodiu em 1982 quando as Forças Armadas argentinas, comandadas pelo general Galtieri, em plena ditadura militar, resolveram invadir o arquipélago, de população de origem britânica e cuja soberania era disputada.
Apesar da curta distância com relação ao território argentino —de 500 quilômetros—, nunca tinha sido ocupada por habitantes desse país ou por colonizadores espanhóis que atuaram no que seria a Argentina.
Sua população, de cerca de 3.500 pessoas, hoje é composta por uma maioria de descendentes de britânicos. As Malvinas-Falklands são hoje um Estado associado do Reino Unido, situação reforçada em um plebiscito, em 2013.
A guerra foi um conflito desigual, e os britânicos logo demonstraram sua superioridade bélica. O general Galtieri havia lançado a empreitada para tratar de capitalizar politicamente uma possível vitória no conflito. A ditadura argentina vinha se desgastando devido a uma situação econômica frágil, e milhares de argentinos apoiavam a ideia de recuperar as ilhas.
Entre 2 de abril e 14 de junho de 1982, um Exército profissional europeu enfrentou-se a um muito mais frágil, composto principalmente apenas por soldados iniciantes, sem experiência de guerra e que não conheciam as ilhas. Ao todo morreram 649 argentinos, contra 255 baixas britânicas.
No documentário, há trechos da cobertura da Globo da guerra, além de entrevistas recentes de Pereira sobre os dias vividos ali. Também traz reportagens de Ricardo e da Globo na época e o depoimento do médico e amigo de Pereira Drauzio Varella, sobre como enfrentou o câncer.
Na ilha, os dois amigos reconstroem o que foi uma das mais terríveis batalhas, a de Goose Green, e suas lembranças em comum.
Pereira havia trabalhado quase quarenta anos na Globo e se mudou a Portugal no fim de sua carreira, para coordenar o escritório da emissora nesta cidade. Foi em Lisboa que recebeu o diagnóstico da doença, e também aonde voltou a estudar o tema das Malvinas. Pereira morreu em dezembro do ano passado, semanas após voltar ao arquipélago.
“Ele não conseguiu finalizar e contar a história do jeito que queria. Nós tivemos que adaptar o documentário, mas mantivemos o eixo principal que é essa paixão do repórter”, diz a jornalista Eugenia Moreyra, diretora do documentário.