Uma lista com marcas reprovadas de whey protein tem gerado acusações de falta de transparência e conflito de interesse contra a Abenutri (Associação Brasileira de Alimentos Nutricionais). Criada nos anos 2000, a associação é presidida por Marcelo Bella, sócio de uma marca que é concorrente daquelas reprovadas no ranking de qualidade.
Em 2022, 48 marcas foram desqualificadas na testagem da Abenutri. Entre os motivos, estão problemas em relação à quantidade real de proteína. Em dezembro, o Senacon (Secretaria de Apoio ao Consumidor), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, recomendou a retirada destes produtos de nove lojas online. O prazo para a exclusão foi estendido até janeiro de 2025, mas a venda física em lojas físicas foi mantida.
À Folha, Bella defende que o trabalho na associação não é remunerado, que as análises seguem apenas a padrões técnicos e que as associações são representadas por profissionais do próprio setor. Apesar disso, a concorrência entrou na Justiça contra os testes.
É o caso da Supley, dona do whey Max Titanium, e da BRG Suplementos, à frente da Integralmédica. As duas entraram na Justiça para não serem listadas no ranking da Abenutri. Elas apontam falta de transparência na metodologia, ausência de direito à contraprova e defendem que a associação não tem autoridade para realização dos testes.
O whey protein é um suplemento alimentar com alto teor de proteínas usado para o ganho de massa muscular e melhora no desempenho físico, especialmente entre atletas, praticantes de exercício físico e idosos. É um pó solúvel produzido a partir do soro de leite, posteriormente aromatizado pela indústria para ir ao mercado.
Testagem gera ações
A Abenutri afirma ter feito uma análise de “amino spiking” das marcas reprovadas em um laboratório de Goiânia. Segundo Bella, os lotes foram comprados diretamente na loja das fabricantes, de forma aleatória, e levados para análise em uma universidade.
Os testes teriam identificado o acréscimo de aminoácidos de menor qualidade, que seriam usados para inflar índices de proteína, baratear os custos e não surtir os efeitos esperados pelos clientes. A conclusão convenceu a Senacon a indicar a retirada online dos produtos, o que intensificou a briga jurídica nos bastidores.
Em nota, a BRG afirma que os testes carecem de “maior transparência, rigor e evidências científicas, visto que a forma como são realizados não é divulgada e tampouco há a possibilidade de contraprova”. “Além de ter claros conflitos de interesses relacionado ao mercado de suplementos”, acrescenta a dona da Integralmédica.
Bella é sócio da GDS, companhia do ramo de suplementos dona da marca Black Skull. Já o conselho da Abenutri, obtido pela Folha, tem a presença de familiares de Bella. À Folha, o empresário se defendeu das acusações de um possível conflito de interesses na divulgação do ranking.
“Quando você tem que construir sua casa, você vai no engenheiro. Então, quando você tem o nível de entidade de classe, como presidente, vice-presidente, são geralmente pessoas que estão naquele setor”, diz.
Segundo ele, as empresas testadas são notificadas com 15 dias de antecedência e mais 15 para responder ao resultado dos laudos, que são encaminhados pelas associações a órgãos fiscalizados, como vigilâncias sanitárias e Procons estaduais e Anvisa. “Quem tem poder de fiscalização são eles. Nós não temos. Nós só temos poder de análise”.
Em outubro, a Abenutri também reprovou 18 marcas de creatina. Entre as aprovadas, a Soldiers, encabeçada pelos autoproclamados “rei e rainha da creatina”, Yuri Silveira de Abreu e Fabiula de Arruda Freire, investigados por vender creatina com supostas larvas, fios de cabelo, pedaços de luvas e bexigas em uma fábrica terceirizada para o grupo em Jundiai, interior de São Paulo.
Bella afirma que, na ocasião, a análise considerou um lote comprado diretamente do site da marca. “Quando a gente comprou, veio um bom produto. Agora, se tinha um produto ruim, rodando paralelamente e foram lá, estouraram aquele laboratório clandestino, isso é um caso para a polícia, não para nós”, diz.
O empresário diz que a Universidade Unievangélica, em Goiânia, onde foi feita a análise do whey, tem certificações para o teste e que as empresas reprovadas tentam manchar a reputação da associação.
“Pode a empresa chorar, experimentar entrar com ação, pode fazer o que quiser. Nós estamos aqui conscientes, tranquilos, que estamos fazendo um trabalho ético, um trabalho amparado [em evidências] e imparcial”, acrescenta.
A Brasnutri (Associação Brasileira dos Fabricantes de Suplementos Nutricionais e Alimentos para Fins Especiais) diz em nota que a Abenutri não segue padrões regulatórios estabelecidos pelos órgãos competentes e não tem poder de vigilância sanitária.
O Grupo Supley acusa a Abenutri de mentir, diz que a associação “propaga desinformação” e que a Justiça acolheu decisão que reconheceu “inconsistências metodológicas nos laudos” que “causam instabilidade ao mercado” com histórico de avaliações que não segue padrões técnicos. “Os produtos do Grupo Supley são rotineiramente avaliados pela empresa e pela Anvisa, esta, sim, responsável por este tipo de análise e fiscalização”, acrescenta.
Quando e como usar whey
Segundo o nutricionista Eduardo Reis, da ABNE (Associação Brasileira de Nutrição Esportiva), estudos recentes passaram a indicar o uso do whey protein ao longo do dia. Até então, o mais convencional era usá-lo após o exercício físico para recomposição de massa muscular —o chamado “pós-treino”.
O suplemento não substitui as refeições, mas faz um acréscimo de proteínas na dieta.
A Anvisa define que as marcas de whey protein podem variar em até 20% os índices de proteína presentes no rótulo, para mais ou para menos. Uma resolução de 2010 definiu que o produto para consumo deve ter, no mínimo, 10 gramas de proteína e 50% do valor energético total para ser considerado um suplemento proteico dentro das regras da agência.
O especialista afirma que para ganho simultâneo de massa e emagrecimento, a dose pode ser de até 2,4 gramas por dia. Para ganho de força, de 1,6 a 2 gramas de peso corporal. Um praticante de exercícios leves com 70 kg, que deve ingerir de 84 a 140 gramas de proteína por dia, pode fazer o acréscimo com a ajuda do whey protein para aumentar o índice diário.
“Para cada objetivo, é possível individualizar a dose de proteína”, diz. Para ele, ainda é preciso ter mais estudos para identificar os prejuízos à saúde causados por aminoácidos de menor qualidade, como glicina e treonina, no whey protein, mas que o produto pode não ter os resultados esperados.
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