Se havia desconfiança sobre o quão natural podia ser uma mesa com três convidadas, bastaram alguns minutos para que se estabelecesse a fluidez com que as escritoras Carla Madeira, Silvana Tavano e Mariana Salomão Carrara interagiram no fechamento da Flip, na manhã deste domingo (13).
Convidadas a falar sobre invenção e linguagem na ficção, elas relataram ter se reunido no sábado —o que parece ter contribuído para a conexão que se estabeleceu entre elas. Autoras de “Tudo É Rio”, “Ressuscitar Mamutes” e “É Sempre a Hora da Nossa Morte Amém”, respectivamente, elas encantaram tanto quanto suas obras, e atraíram centenas de leitores.
Dentro, o auditório ficou rapidamente lotado. Quem chegou alguns minutos atrasado teve dificuldades para encontrar lugar. Fora, as cadeiras dispostas na Praça da Matriz, para quem assiste do telão, também estavam todas ocupadas.
Questionada sobre qual a faísca inicial que a faz escrever, Carla disse que pequenos fragmentos de acontecimentos são suficientes para instigá-la.
“É sempre um pouco enigmático ou fragmentado como a gente começa uma história. Eu começo meus livros sem saber nada. A história vai acontecendo a partir do momento que eu topo escrever e ouvir. E percebo que isso acontece sempre a partir de algum acontecimento que me traz um monte de perguntas, como: o que aconteceu antes? O que vai acontecer depois?”, afirmou.
Depois do impulso inicial, que pode partir da realidade, a história vai ganhando vida e nuances ficcionais. “Por uma questão qualquer, nosso sistema nervoso não consegue distinguir a diferença entre uma experiência ficcional e uma real, a gente é sempre um corpo afetado”, falou.
Mariana, que é autora também de “Não Fossem as Sílabas do Sábado”, disse que a ficção tem a ver com o lúdico.
“Tem uma lembrança do brincar, da minha infância. Eu criava enredos e em que eu era uma caneta, ou um dinossaurinho, e me sentia como eles. Depois isso se somou a um prazer estético [da língua]. E como com a Carla, meu livro acontece no livro. Uma frase vai puxando a outra e eu vou seguindo. Não necessariamente a partir de uma personagem, mas de uma narradora, porque acho que o livro é sobre ela, ela é o livro”, contou.
Para Silvana, cada livro começa de um jeito. “As vezes é uma coisa que você ouviu, algo que sentiu, um sonho. O que tem em comum entre nós é que a fagulha está sempre em volta”, afirmou.
Ela contou que seu lançamento mais recente nasceu no contexto de pandemia, quando a sensação de impotência e monotonia da quarentena a fez pensar no tempo e na importância que se tem perante ele. Foi quando ela assistiu um documentário sobre como cientistas estavam planejando ressuscitar os mamutes a partir da reprogramação de células de um elefante asiático.
“Eu fiquei muito intrigada e achei tão distópico quanto o que a gente estava vivendo. Mas não exatamente com os mamutes, foi com o buscar no passado as respostas para o que a gente tem no futuro”, explicou.
As escritoras falaram também sobre a escolha do narrador. Em “A Árvore Mais Sozinha do Mundo”, Mariana contou ter escolhido diversos objetos como narradores para manter a primeira pessoa. “Assim que me veio essa notícia sobre epidemia de suicídios no Rio Grande do Sul, fui buscar entender. Mas eu não queria que essas mesmas pessoas narrassem isso.”
A escolha levou em consideração as características das personagens, como o fato de morarem afastadas da cidade, não conhecerem as causas para a depressão química que as acometia, ou até não saber que estavam doentes.
Carla, que também escreveu “A Natureza da Mordida”, disse que escolha do narrador é uma das principais decisões do autor. “Quando fiz ‘Tudo É Rio’, eu não tinha uma pretensão de escrever um livro. [Comecei a escrever pela experiência], e as linguagens artísticas me colocam num lugar de muito prazer, de muito gozo”, falou.
Já em “Véspera”, ela constrói um narrador que estava implicado na história, mas depois não se sabe se tudo era verdade ou não. “A palavra permite todo tipo de realidade”, disse, revelando o final do livro em um não-spoiler, já que a maioria da plateia levantou a mão quando perguntada se havia lido seus livros, em especial “Tudo É Rio”.
Elas falaram também do lugar-comum que a ficção compartilha com as pessoas, principalmente quando se trata de temas como a maternidade. Isso acontece com Silvana, cujas histórias costumam mostrar de onde vem o personagem, qual sua origem familiar e seus traumas.
“Eu não escapo. Esse primeiro lugar onde a gente chega no mundo, as relações, como a gente é cuidado ou não cuidado, como a gente recebe ou não recebe o amor são determinantes. Somos todos filhos dessa mãe que nos apresenta nosso lugar no mundo. Eu tô sempre passando a limpo essa mesma questão”, falou.
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