NOSSAS REDES

MUNDO

Enem reacende debate sobre a língua portuguesa arcaica – 16/10/2024 – José Manuel Diogo

PUBLICADO

em

Enem reacende debate sobre a língua portuguesa arcaica - 16/10/2024 - José Manuel Diogo

Falta menos de um mês para o Enem, e as palavras arcaicas já começam a sair do armário, como fantasmas que se animam ao toque do calendário. “Quiçá”, “desejoso”, “conquanto” e outras relíquias do vernáculo, que nem nas cartas de amor de nossos avós se veem mais, começam a assombrar as mentes dos jovens que se preparam para o exame.

Mas vamos ser sinceros! Quem, em sã consciência, no calor de uma discussão sobre o VAR no futebol, vira para o amigo e diz, com toda a pompa: “Ora, veja bem, é notório que a exacerbação da violência no certame esportivo requer uma intervenção judicial inequívoca por parte do árbitro”? Pois é, ninguém. Mas o aluno brasileiro, no meio do Enem, ainda acha que precisa escrever assim para não ser jogado para o canto da sala de espera do elevador universitário.

A verdade é que o exame, que já evoluiu em muitos aspectos, continua a ser uma prova assombrada. Os estudantes, coitados, acreditam que, se não enfiar uma mesóclise ou uma locução verbal rebuscada na redação, o corretor vai pegá-los pela orelha e mandá-los direto para o limbo das segundas chamadas.

Esse fenômeno foi justamente o tema de debate na primeira sessão do Ciclo da Cidadania da Língua, realizado no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc em São Paulo, com a organização da Associação Portugal Brasil 200 anos e apoio da Unesp. Comigo, Sérgio Rodrigues, colunista desta Folha, colocou o Enem em um terreno fértil para o retorno dos fantasmas colonialistas.

E como chegamos a este ponto? No calor das redes sociais e em conversas de corredor, perpetua-se a crença de que, para triunfar no exame, é preciso vestir a gramática de gala. Como se os examinadores exigissem uma norma culta que já nem mesmo eles usam. Os jovens, enlevados por essa superstição, adentram a prova com um vocabulário que faria Eça de Queirós dar uma risadinha condescendente. “Conquanto me seja pertinente informar-vos,” começa o jovem que, mal sabe, está a preparar-se para ser corrigido por alguém que provavelmente escreve tão coloquialmente quanto manda o bom senso moderno.

No entanto, os tempos são outros. A tal norma culta —ou melhor, a sua versão mais engessada e anacrônica— já não é mais requisitada nem pelos literatos nem pelos professores, e muito menos pelos leitores dos jornais. Nas páginas da Folha, por exemplo, não há traço de mesóclises ou estruturas sintáticas que só Cabral entenderia.

O debate sobre a língua portuguesa no Brasil, e particularmente sobre como ela se manifesta nas provas de acesso ao ensino superior, revela uma verdade incômoda: ainda estamos presos ao passado, mesmo quando já não há razão para isso. A norma culta arcaica, outrora símbolo de prestígio, hoje trava o progresso de quem só precisa comunicar-se bem, de forma clara e objetiva.

Assim, a mensagem que ecoou pelo Ciclo da Cidadania da Língua foi clara: a língua é território dinâmico, em constante movimento. Quem nela vive, como os jovens que farão o Enem, precisa libertar-se dos espectros antiquados e abraçar o presente. Porque, afinal, o português é bem mais do que um monte de regras; é o que falamos, o que escrevemos e, mais importante, o que vivemos.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



Leia Mais: Folha

Advertisement
Comentários

You must be logged in to post a comment Login

Comente aqui

MUNDO

Quem é o líder de gangue preso no centro da disputa Canadá-Índia? | Feed de notícias

PUBLICADO

em

Quem é o líder de gangue preso no centro da disputa Canadá-Índia? | Feed de notícias

Feed de notícias

O Canadá acusou diplomatas indianos de conspirar com uma gangue criminosa internacional liderada pelo gangster preso Lawrence Bishnoi para matar um líder separatista sikh. Quem é Lawrence Bishnoi, o homem no centro do caso que rompeu as relações diplomáticas entre os dois países? Soraya Lennie explica tudo.



Leia Mais: Aljazeera

Continue lendo

MUNDO

na frente de Kamala Harris, o ex-autoridade republicana eleita Adam Kinzinger acusa Donald Trump, um homem “chorão, fraco, minúsculo e assustado”

PUBLICADO

em

na frente de Kamala Harris, o ex-autoridade republicana eleita Adam Kinzinger acusa Donald Trump, um homem “chorão, fraco, minúsculo e assustado”

O diário da campanha presidencial americana, quarta-feira, 16 de outubro, pela manhã

Os democratas dividiram os papéis na terça-feira. Para Biden, Joe e Jill, Pensilvânia, estado de balanço crucial para as eleições de 5 de novembro e estado de nascimento do presidente americano. Kamala Harrisela continuou sua ofensiva pelo voto afro-americano, concedendo Detroit (Michigan, outro estado de balanço) uma entrevista com o apresentador de rádio negro Charlamagne Tha God. Ela defendeu sua comunicação estrita: “Alguns chamariam isso de disciplina. »

Por sua vez, Donald Trump abriu o terreno na Geórgia, outro estado importante que perdeu por alguns milhares de votos em 2020. Primeiro durante uma reunião pública com mulheres, transmitida pelo canal Fox News, durante a qual adoptou notavelmente um tom mais complacente sobre a questão do aborto , sugerindo leis menos “forte” nos estados republicanos. Depois, em Atlanta, durante um comício, ele disse que qualquer hispânico ou afro-americano que votasse em Kamala Harris deveria ser “examinem a cabeça, pois eles (deles) realmente retornaram ».

  • Citação do dia
  • “Todos sabemos que Trump é um empresário fracassado. »

    O presidente Joe Biden em um jantar com os democratas na Filadélfia na terça-feira.

    • Número de hoje: 5.107.100

    Este é o número de eleitores que já votaram, de acordo com a contagem de New York Times. Houve o dobro em 2020, no mesmo período – a crise da Covid-19 desempenhou um grande papel na altura no sucesso do voto por correspondência e antecipado.

    Kamala Harris concederá entrevista à Fox News na quarta-feira, a primeira entrevista formal da vice-presidente no canal conservador, que não esconde a preferência por Donald Trump. O repórter Bret Baier fará as perguntas e o programa será gravado na Pensilvânia.

    Donald Trump inicia uma excursão de ônibus de três dias pela Carolina do Norte na quarta-feira. Em 2020, ele venceu os quinze principais eleitores do estado por apenas 75 mil votos. Este ano, um obstáculo no seu caminho: o candidato republicano a governador, Mark Robinson, a quem Trump chamou “Martin Luther King com esteróides”. Atolado em escândalos, este último é em grande parte o perdedor. Ele arrastará seu mentor com ele?



    Leia Mais: Le Monde

    Continue lendo

    MUNDO

    Movimento surrealista completa 100 anos – DW – 16/10/2024

    PUBLICADO

    em

    Movimento surrealista completa 100 anos – DW – 16/10/2024

    Uma paisagem desértica apresenta uma árvore sem folhas com um relógio derretido pendurado sobre ela, significando a natureza fugaz do tempo. O corpo de uma criatura parecida com um cavalo morto jaz no chão, criando uma atmosfera ao mesmo tempo sombria e bizarra. Em sua icônica pintura de 1931, “A Persistência da Memória”, Salvador Dali (1904-1989) criou uma paisagem onírica rica em simbolismo. A obra mais famosa do pintor espanhol continua sendo um ícone do surrealismo movimento artístico, ainda um dos mais celebrados um século depois de ter decolado.

    O movimento começou em Paris na década de 1920, após o fim da Primeira Guerra Mundial em 1918. O período era conhecido como “Les Annees Folles”, também conhecido como “Os loucos anos 20”, e a cidade era vibrante. O 1924 Olimpíadas atraiu atletas para a “Cidade Luz” e a cena criativa cresceu à medida que artistas, escritores, músicos e intelectuais transformaram Paris na capital cultural da Europa.

    Andre Breton segurando os óculos.
    O escritor francês Andre Breton publicou “O Manifesto Surrealista” em 1924Imagem: Aliança Heritage-Images/imagem

    Uma mudança social

    E havia também os surrealistas que não estavam satisfeitos em simplesmente aproveitar as frivolidades da vida – eles queriam mudar a sociedade que consideravam responsável pelas atrocidades dos Primeira Guerra Mundial.

    Nascido do movimento Dada anterior, o Surrealismo foi um contra-movimento político e artístico que visava imaginar um futuro diferente. Quer fossem pintores, cineastas, escritores ou músicos, os seguidores deste novo movimento artístico rejeitaram o zeitgeist burguês.

    O Surrealistas queria superar a lógica e a racionalidade para unir os reinos inconsciente e consciente da mente. Sua filosofia baseou-se fortemente no trabalho do fundador da psicanálise, Sigmund Freud. Como tal, os sonhos, os estados de embriaguez, os desejos reprimidos e outras chaves do subconsciente eram vistos como fundamentais para libertar a sociedade dos seus grilhões morais.

    O fundador do Surrealismo é amplamente considerado André Breton, um escritor e crítico francês que publicou “O Manifesto Surrealista” em 1924. Ele escreveu: “Acredito na resolução futura destes dois estados, sonho e realidade, que são aparentemente tão contraditório, numa espécie de realidade absoluta, numa surrealidade…”

    Um longo legado

    O movimento surrealista inspirou artistas de todo o mundo.

    Tomemos por exemplo, “A traição das imagens”, do artista surrealista belga René Magritte. A pintura retrata um cachimbo, sob o qual está escrito o teimoso texto “Ceci n’est pas une pipe” (“Isto não é um cachimbo”). O que à primeira vista parece intrigante é na verdade exato – afinal, não estamos olhando para um cachimbo, mas sim para a imagem de um cachimbo. O surrealismo ofereceu uma nova perspectiva.

    No filme em preto e branco de 1929, “Um Cão Andaluz”, o diretor espanhol Luis Bunuel e seu amigo Salvador Dali trouxeram uma obra surrealista para a tela grande. O enredo foi baseado em seus sonhos. No prólogo, um homem afia uma navalha, depois uma nuvem passa na lua cheia. Imediatamente depois, um homem corta o olho de uma mulher com a navalha. Nada no filme foi pensado para ser racional ou lógico – o título nem mesmo tem nada a ver com o conteúdo.

    Uma mulher olha para uma grande pintura de um cachimbo sob a qual está escrito "Isto não é um cachimbo."
    É um cachimbo ou não é? Pergunte a René Magritte quem fez esta obra de arte ‘La trahison des images: Ceci n’est pas une pipe’Imagem: IAN LANGSDON/dpa/picture aliança

    Da pintura por gotejamento às camas voadoras

    O pintor alemão Max Ernst (1891-1976), também surrealista, teve uma abordagem diferente. Ele pintou e desenhou espetaculares paisagens de fantasia povoadas por figuras imaginárias. Ele desenvolveu várias técnicas para isso, como o frottage, que envolve esfregar lápis, grafite ou outro meio em uma folha de papel colocada em cima de um objeto ou superfície texturizada.

    Mais tarde, Jackson Pollock, um pioneiro do Expressionismo Abstrato nos EUA, desenvolveu sua técnica de pintura por gotejamento para respingar e pintar sobre uma superfície horizontal, a fim de examinar o trabalho de cima.

    Os opostos colidem em muitas das obras dos surrealistas, seja através do uso do material ou do contexto. A xícara de chá forrada de pele da artista berlinense Meret Oppenheim (1913-1985) é um exemplo famoso.

    Ao utilizar perspectivas distorcidas ou criaturas fantásticas, as obras de arte surrealistas muitas vezes retratam coisas desligadas do seu contexto habitual, apresentando-as de novas formas e proporcionando assim uma visão diferente do mundo que nos rodeia.

    Algumas fotos são perturbadoras, como Frida Kahlo emocionante autorretrato de 1932, “Hospital Henry Ford”. Retrata o pintor mexicano (1907-1954) em uma cama voadora após um aborto espontâneo.

    Um homem de chapéu olha para 'Le Violon d'Ingres' de Man Ray, que mostra uma mulher cujas costas foram pintadas como um violino.
    O surrealismo muitas vezes retrata objetos ou temas fora de contexto, como este trabalho de Man Ray, ‘Le Violon d’Ingres’Imagem: FACUNDO ARRIZABALAGA/dpa/picture aliança

    O artista catalão Joan Miró (1893-1983) também devem ser incluídos no círculo dos surrealistas, assim como Yves Tanguy (1900-1955), cujos mundos pictóricos estão enraizados na sua infância.

    Sem falar no fotógrafo, diretor de cinema e pintor norte-americano homem raio (1890-1976). A sua famosa fotografia nua de uma mulher com um violino como corpo, “Le Violon d’Ingres”, tirada em Paris em 1924, foi vendida há dois anos por 12,4 milhões de dólares (11,4 milhões de euros) na casa de leilões Christie’s em Nova Iorque – foi a foto mais cara já vendida.

    E quanto a André Breton? Foi um dos primeiros a se dedicar à “ecriture automatique”, ou escrita automática, método de escrita intuitiva ou de fazer arte, com o qual se colocam no papel imagens, sentimentos e palavras do subconsciente. Breton descreveu o processo de escrita como “o ditado do pensamento na ausência de todo controle exercido pela razão e fora de todas as preocupações morais ou estéticas”. O objetivo era envolver o máximo possível o subconsciente no processo de criação artística e deixar de fora o lado lógico.

    Uma pintura representando muitos homens em uma paisagem onírica: Max Ernsts "Na reunião de amigos."
    Surrealistas, como o artista alemão Max Ernst, frequentemente experimentavam novas técnicasImagem: Arquivos Snark/Photo12/picture Alliance

    Exposições de aniversário em todo o mundo

    Os surrealistas rebelaram-se contra as normas rígidas da sociedade. Eles pintaram, escreveram e filmaram contra a lógica e o pragmatismo – e pela igualdade. Eles queriam usar a arte para instigar uma revolução social. Mas, acima de tudo, ajudaram a revolucionar a nossa perceção, que enfrenta atualmente um novo ponto de viragem, à medida que a inteligência artificial e a aprendizagem automática permitem que a realidade e a virtualidade estejam interligadas de forma quase contínua.

    Qualquer pessoa que deseje aprender sobre o movimento surrealista hoje deve dirigir-se a Paris, onde o Centro Pompidou está estendendo o tapete vermelho com uma grande exposição de grande sucesso que acontecerá até janeiro de 2025 e depois fará uma turnê pela Europa. O Hamburger Kunsthalle, o Lenbachhaus em Munique, bem como muitos outros museus ao redor do mundo também celebram o ano de aniversário dos surrealistas.

    Este artigo foi escrito originalmente em alemão.



    Leia Mais: Dw

    Continue lendo

    MAIS LIDAS