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Entenda como é a rotina de quem vive com discalculia – 16/10/2024 – Equilíbrio

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Entenda como é a rotina de quem vive com discalculia - 16/10/2024 - Equilíbrio

Rone Carvalho

A incapacidade de ver a hora no relógio de ponteiro, de contar certo o troco do supermercado e de decorar o próprio número de telefone levaram a psicóloga Larissa Pessoa a descobrir que sua dificuldade com os números, a qual acreditava ser comum, era, na verdade, um transtorno de aprendizado.

Intitulado discalculia, o transtorno de aprendizado diagnosticado em Larissa consiste em uma dificuldade fora do normal da pessoa entender e manipular números e conceitos matemáticos. E, por mais, que possa parecer raro é cada vez mais comum entre os brasileiros. Para se ter uma ideia, estudo estima que, entre 6% e 7% dos brasileiros em idade escolar possuem discalculia.

Larissa, de 26 anos, já perdeu as contas de quantas vezes tentou entender um relógio de ponteiro, sem ter que perguntar para alguém como funciona. A dificuldade é apenas uma dentre inúmeras que passa diariamente por ter discalculia.

“Minha dificuldade com números vem desde que eu me conheço por gente. Na escola, sempre era um desafio entender o que meus professores de matemática diziam e mesmo estudando por horas não conseguia compreender”.

Na época, por não conseguir assimilar matemática, professores lhe classificavam como uma aluna rebelde, sem vontade de aprender, o que a fez desistir dos estudos.

Larissa somente concluiu o ensino médio por meio do Encceja —exame destinado àquelas pessoas que não concluíram o ensino fundamental ou médio na idade adequada e fazem a prova para obter o certificado de conclusão.

“Infelizmente, há dez anos, não se falava em discalculia no Brasil. Por isso, muitas pessoas achavam que a minha dificuldade era um ato de rebeldia. Ou que eu não fazia esforço para aprender.”

“Tanto que somente descobri que tinha discalculia aos 18 anos. Lembro que ao pesquisar o termo na internet, boa parte do que aparecia eram de reportagens ou artigos em inglês, porque não no Brasil nem se falava deste transtorno de aprendizado”, conta a psicóloga.

‘As pessoas acham que sou de outro mundo’

Quem viveu situação parecida na escola foi Isabela Aquino, de 20 anos. A estudante de artes visuais conta que além da dificuldade em matemática, outro dilema que enfrenta até hoje é de como as pessoas encaram sua dificuldade.

“Muita gente quando vê alguém que não consegue entender relógio de ponteiro ou têm dificuldade para fazer operações simples de matemática em uma calculadora acham que somos de outro mundo”, diz.

O problema é que essa dificuldade com os números não impacta apenas os estudos, mas também interfere na vida financeira de quem tem discalculia.

A publicitária Jenifer Mendes, de 36 anos, conta que por ter dificuldades em operações básicas de matemática, devido ao diagnóstico de discalculia, é comum errar o valor das compras.

“Já tive situação de achar estar gastando R$ 100 em uma loja e no momento de chegar no caixa descobrir que tudo era R$ 1.000. Tudo pela minha dificuldade de fazer cálculos.”

“Nessas situações não tem como não se sentir constrangida.”

Outra dificuldade comum por quem tem discalculia acontece na hora de fazer uma simples receita de bolo.

“Já tive situações de não conseguir fazer um bolo porque não conseguir colocar em prática o um quarto de determinando ingrediente”, diz Larissa.

“Até mesmo lembrar que número corresponde ao mês é difícil. Por exemplo, sei que três refere-se ao mês de março, porque é até onde eu consigo. Mas se você perguntar que número corresponde a outubro, não sei.”

Ana Helena Guimarães, 21 anos, estudante de educação física, conta que por ter o transtorno de aprendizado passou a criar mecanismos para sofrer menos no dia-dia.

“Hoje, sempre uso cartão de crédito para evitar que alguém me peça dez centavos para facilitar o troco e consequentemente eu fique parada na frente do atendente sem entender”, conta Ana Helena.

“Já nas provas da faculdade que tem cálculos, procuro dar o máximo nas questões que não envolvem números para compensar minha dificuldade. Porque sei que mesmo estudando muito, não vou ir bem”, completou.

Causas da discalculia

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil explicam que diferente de uma dificuldade em matemática, comum entre os alunos brasileiros —segundo o último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), que avaliou o desempenho de alunos de 15 anos de 81 países, sete em cada dez estudantes brasileiros não conseguem fazer simples de matemática, como, por exemplo, dizer, quantos reais equivalem a dois dólares, sabendo o valor de um dólar.

Na discalculia, a dificuldade com os números não pode ser suprimida com aulas de reforço, porque o impasse para entendê-los é fruto de um transtorno de neurodesenvolvimento —terminologia utilizada para definir e classificar as alterações do desenvolvimento cerebral que aparecem nos primeiros anos de vida e que persistem até a morte.

“Ou seja, a criança nasce com uma disfunção em áreas cerebrais que processam as habilidades matemáticas”, explica Camila León, psicopedagoga e professora convidada da Associação Brasileira de Dislexia (ABD).

Dentro os transtorno de neurodesenvolvimento destacam-se o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), e os Transtornos do Desenvolvimento da Aprendizagem (TApr), no qual estão incluídos separadamente os transtornos do aprendizado da leitura (dislexia), da escrita (disgrafia) e o transtorno do desenvolvimento da aprendizagem com prejuízo na matemática (a discalculia).

Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte, professora do departamento de fonoaudiologia da USP de Bauru e coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Escrita e Leitura (GREPEL), explica que a discalculia é causada por uma combinação de fatores genéticos, neurológicos e ambientais.

  • Fatores neurológicos: estudos de neuroimagem indicam que a discalculia pode estar relacionada a diferenças no funcionamento de áreas do cérebro envolvidas no processamento numérico, especialmente no lobo parietal, que é responsável por habilidades espaciais e matemáticas. Além disso, problemas na comunicação entre diferentes áreas do cérebro que processam informações matemáticas e numéricas também podem influenciar a discalculia. Isso inclui dificuldades em conectar os símbolos numéricos (como números e sinais matemáticos) ao que eles representam.
  • Fatores genéticos: a discalculia também pode ter um componente hereditário. Estudos indicam que familiares de pessoas com discalculia têm maior probabilidade de apresentar dificuldades semelhantes. Isso sugere que fatores genéticos podem influenciar a condição, embora ainda não haja um gene específico identificado como responsável.
  • Desenvolvimento cognitivo: problemas relacionados à memória de trabalho, habilidades visuo-espaciais e outras funções cognitivas podem contribuir para a discalculia, já que essas funções são importantes para o processamento matemático.

“Embora a discalculia tenha uma base neurológica e genética, fatores ambientais também podem influenciar. Falta de exposição a um ensino adequado de matemática, situações de estresse emocional ou condições socioeconômicas podem agravar ou contribuir para o aparecimento de dificuldades matemáticas. Esses fatores por si só não causam discalculia, mas podem intensificar os sintomas em indivíduos já predispostos”, ressaltou Patrícia.

Sinais de alerta

Julia Beatriz Lopes Silva, professora do departamento de psicologia e coordenadora do laboratório de neuropsicologia do desenvolvimento, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alerta que o primeiro sinal que uma pessoa tem discalculia é quando seu desempenho com números é quantitativamente abaixo do esperado para a idade cronológica do indivíduo.

“Os sintomas da discalculia podem se manifestar de maneira diferente em cada faixa etária. Crianças, por exemplo, apresentam dificuldades básicas em aprender a contar, compreender conceitos de quantidade, memorizar tabuadas ou aprender operações matemáticas básicas.”

“Já no caso de adolescentes e adultos, é possível observar dificuldade em aplicar matemática em situações práticas do cotidiano, como cálculo de troco, lidar com horários ou gerir finanças pessoais”, ressaltou Silva.

Camila León, psicopedagoga e professora convidada da ABD (Associação Brasileira de Dislexia) destaca que geralmente o primeiro a desconfiar que alguém pode ter discalculia é o professor, uma que vez pode comparar o aluno com os demais da sala. O problema é que por ser um transtorno de aprendizado novo, muitos profissionais da educação não o conhecem.

León cita sinais da discalculia em cada etapa do ensino regular. Confira:

Educação infantil (3 a 5 anos)

  • Dificuldade para aprender a contar;
  • Dificuldade para reconhecer padrões simples;
  • Dificuldade para entender o significado dos numerais (como associar o numeral 3 a um conjunto de três objetos ou à palavra oral três);
  • Dificuldade para entender o conceito de enumeração (associar um número a uma quantidade de objetos).

Ensino fundamental 1 (6 a 9 anos)

  • Dificuldade de aprender e lembrar fatos numéricos, como 4 + 2 = 6;
  • Uso excessivo dos dedos para contar, em vez de utilizar métodos mais avançados;
  • Dificuldade para identificar símbolos matemáticos (como + e -) e usá-los corretamente;
  • Dificuldade para entender linguagem matemática, como mais que e menos que;
  • Dificuldade para entender o valor posicional dos algarismos (confundindo 12 e 21, por exemplo).

Ensino fundamental 2 (10 a 14 anos)

  • Dificuldade para entender conceitos matemáticos, como a propriedade comutativa (3 + 5 é igual a 5 + 3) e a inversão (saber a resposta para 3 + 26 – 26 sem precisar calcular);
  • Dificuldade de selecionar uma estratégia para resolver problemas matemáticos;
  • Dificuldade para lembrar o placar em jogos e atividades esportivas;
  • Dificuldade de calcular o preço total de dois ou mais itens

Como funciona o diagnóstico

O diagnóstico da discalculia é estabelecido por meio de uma avaliação multidisciplinar.

“Por vezes a realização de teste de QI ou exames de imagem serão úteis, mas não para o diagnóstico da discalculia propriamente dita, e sim para excluir outras condições neurológicas que podem estar interferindo no aprendizado.”

“Existem também ‘testes de desempenho escolar’, que são padronizados, e tornam-se ferramentas úteis para o diagnóstico”, aponta Júlio Koneski, médico neuropediatra e membro do departamento científico de transtornos do neurodesenvolvimento da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNi).

Segundo Koneski, durante o diagnóstico, o neuropediatra analisa como é a trajetória do aprendizado ao longo dos anos escolares iniciais, e se existe algum grau de dificuldade em outras áreas (leitura e escrita).

“Informações vindas da escola através de relatórios e análise de cadernos, bem como de outros profissionais como psicólogos e pedagogos, podem complementar o diagnóstico.”

No Brasil, não existe um “teste específico de discalculia”, sendo necessária a utilização de vários testes que avaliem as habilidades matemáticas e de outras habilidades cognitivas associadas ao desempenho com números, como memória, atenção, velocidade de processamento.

Julia Beatriz Lopes Silva, professora da UFMG, ressalta que, em regra, a discalculia pode ser identificada a partir dos 7 anos de idade.

Apesar de não haver cura para esse transtorno de aprendizado, existem intervenções pedagógicas e tratamentos focados em habilidades matemáticas que podem ajudar a melhorar o desempenho e qualidade de vida de quem sofre com o transtorno. Alguns exemplos de intervenções são:

  • Apoio escolar especializado com métodos adaptados e ferramentas visuais;
  • Terapia cognitivo-comportamental para ajudar a lidar com o impacto emocional e social das dificuldades;
  • Tecnologia assistiva, como aplicativos e softwares que facilitam o aprendizado de matemática.

Outros transtornos de aprendizado

Além da discalculia, existem outros dois transtornos de aprendizado: os transtornos do aprendizado de leitura (dislexia) e o da escrita (disgrafia/ disortografia).

Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte, professora da USP de Bauru diz que, dentre eles, a dislexia é o mais comum. Estima-se que ela afete entre 5% e 17% da população mundial, enquanto a discalculia afeta de 3% a 7%.

Indivíduos com dislexia apresentam dificuldades em decodificar palavras, compreender textos, identificar sons da fala (consciência fonológica) e associar letras a seus sons.

Além disso, apresentam dificuldades em reconhecer palavras rapidamente, ler com fluência, decodificar palavras, soletrar corretamente, organizar pensamentos em escrita e compreender o que foi lido.

“Como a leitura e escrita são pilares da educação formal, os problemas relacionados à dislexia são rapidamente notados, ao contrário da discalculia e da disortografia, que afetam a matemática e a escrita, respectivamente, e são menos perceptíveis”, apontou Patrícia.

A professora da UFMG, Julia Beatriz Lopes Silva, também ressalta que é comum que pessoas que apresentam dificuldades numéricas (discalculia) também apresentem dificuldades de leitura (dislexia).

“Existem estimativas que entre 30 e 70% de pessoas que apresentam um destes transtornos de aprendizagem também apresentam o outro.”

No Brasil, desde 2021, Lei nº 14.254/21 estabelece que as escolas da rede pública e privada devem garantir acompanhamento específico, direcionado à dificuldade e da forma mais precoce possível, aos estudantes com discalculia, disortografia e dislexia.

No caso de candidatos com discalculia, em vestibulares e concursos públicos, eles têm assegurado atendimento especializado no momento de realização da prova, como tempo adicional e até calculadora (fornecida, geralmente, pela própria banca realizadora da prova).

Texto publicado originalmente aqui.





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na frente de Kamala Harris, o ex-autoridade republicana eleita Adam Kinzinger acusa Donald Trump, um homem “chorão, fraco, minúsculo e assustado”

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na frente de Kamala Harris, o ex-autoridade republicana eleita Adam Kinzinger acusa Donald Trump, um homem “chorão, fraco, minúsculo e assustado”

O diário da campanha presidencial americana, quarta-feira, 16 de outubro, pela manhã

Os democratas dividiram os papéis na terça-feira. Para Biden, Joe e Jill, Pensilvânia, estado de balanço crucial para as eleições de 5 de novembro e estado de nascimento do presidente americano. Kamala Harrisela continuou sua ofensiva pelo voto afro-americano, concedendo Detroit (Michigan, outro estado de balanço) uma entrevista com o apresentador de rádio negro Charlamagne Tha God. Ela defendeu sua comunicação estrita: “Alguns chamariam isso de disciplina. »

Por sua vez, Donald Trump abriu o terreno na Geórgia, outro estado importante que perdeu por alguns milhares de votos em 2020. Primeiro durante uma reunião pública com mulheres, transmitida pelo canal Fox News, durante a qual adoptou notavelmente um tom mais complacente sobre a questão do aborto , sugerindo leis menos “forte” nos estados republicanos. Depois, em Atlanta, durante um comício, ele disse que qualquer hispânico ou afro-americano que votasse em Kamala Harris deveria ser “examinem a cabeça, pois eles (deles) realmente retornaram ».

  • Citação do dia
  • “Todos sabemos que Trump é um empresário fracassado. »

    O presidente Joe Biden em um jantar com os democratas na Filadélfia na terça-feira.

    • Número de hoje: 5.107.100

    Este é o número de eleitores que já votaram, de acordo com a contagem de New York Times. Houve o dobro em 2020, no mesmo período – a crise da Covid-19 desempenhou um grande papel na altura no sucesso do voto por correspondência e antecipado.

    Kamala Harris concederá entrevista à Fox News na quarta-feira, a primeira entrevista formal da vice-presidente no canal conservador, que não esconde a preferência por Donald Trump. O repórter Bret Baier fará as perguntas e o programa será gravado na Pensilvânia.

    Donald Trump inicia uma excursão de ônibus de três dias pela Carolina do Norte na quarta-feira. Em 2020, ele venceu os quinze principais eleitores do estado por apenas 75 mil votos. Este ano, um obstáculo no seu caminho: o candidato republicano a governador, Mark Robinson, a quem Trump chamou “Martin Luther King com esteróides”. Atolado em escândalos, este último é em grande parte o perdedor. Ele arrastará seu mentor com ele?



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    Movimento surrealista completa 100 anos – DW – 16/10/2024

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    Movimento surrealista completa 100 anos – DW – 16/10/2024

    Uma paisagem desértica apresenta uma árvore sem folhas com um relógio derretido pendurado sobre ela, significando a natureza fugaz do tempo. O corpo de uma criatura parecida com um cavalo morto jaz no chão, criando uma atmosfera ao mesmo tempo sombria e bizarra. Em sua icônica pintura de 1931, “A Persistência da Memória”, Salvador Dali (1904-1989) criou uma paisagem onírica rica em simbolismo. A obra mais famosa do pintor espanhol continua sendo um ícone do surrealismo movimento artístico, ainda um dos mais celebrados um século depois de ter decolado.

    O movimento começou em Paris na década de 1920, após o fim da Primeira Guerra Mundial em 1918. O período era conhecido como “Les Annees Folles”, também conhecido como “Os loucos anos 20”, e a cidade era vibrante. O 1924 Olimpíadas atraiu atletas para a “Cidade Luz” e a cena criativa cresceu à medida que artistas, escritores, músicos e intelectuais transformaram Paris na capital cultural da Europa.

    Andre Breton segurando os óculos.
    O escritor francês Andre Breton publicou “O Manifesto Surrealista” em 1924Imagem: Aliança Heritage-Images/imagem

    Uma mudança social

    E havia também os surrealistas que não estavam satisfeitos em simplesmente aproveitar as frivolidades da vida – eles queriam mudar a sociedade que consideravam responsável pelas atrocidades dos Primeira Guerra Mundial.

    Nascido do movimento Dada anterior, o Surrealismo foi um contra-movimento político e artístico que visava imaginar um futuro diferente. Quer fossem pintores, cineastas, escritores ou músicos, os seguidores deste novo movimento artístico rejeitaram o zeitgeist burguês.

    O Surrealistas queria superar a lógica e a racionalidade para unir os reinos inconsciente e consciente da mente. Sua filosofia baseou-se fortemente no trabalho do fundador da psicanálise, Sigmund Freud. Como tal, os sonhos, os estados de embriaguez, os desejos reprimidos e outras chaves do subconsciente eram vistos como fundamentais para libertar a sociedade dos seus grilhões morais.

    O fundador do Surrealismo é amplamente considerado André Breton, um escritor e crítico francês que publicou “O Manifesto Surrealista” em 1924. Ele escreveu: “Acredito na resolução futura destes dois estados, sonho e realidade, que são aparentemente tão contraditório, numa espécie de realidade absoluta, numa surrealidade…”

    Um longo legado

    O movimento surrealista inspirou artistas de todo o mundo.

    Tomemos por exemplo, “A traição das imagens”, do artista surrealista belga René Magritte. A pintura retrata um cachimbo, sob o qual está escrito o teimoso texto “Ceci n’est pas une pipe” (“Isto não é um cachimbo”). O que à primeira vista parece intrigante é na verdade exato – afinal, não estamos olhando para um cachimbo, mas sim para a imagem de um cachimbo. O surrealismo ofereceu uma nova perspectiva.

    No filme em preto e branco de 1929, “Um Cão Andaluz”, o diretor espanhol Luis Bunuel e seu amigo Salvador Dali trouxeram uma obra surrealista para a tela grande. O enredo foi baseado em seus sonhos. No prólogo, um homem afia uma navalha, depois uma nuvem passa na lua cheia. Imediatamente depois, um homem corta o olho de uma mulher com a navalha. Nada no filme foi pensado para ser racional ou lógico – o título nem mesmo tem nada a ver com o conteúdo.

    Uma mulher olha para uma grande pintura de um cachimbo sob a qual está escrito "Isto não é um cachimbo."
    É um cachimbo ou não é? Pergunte a René Magritte quem fez esta obra de arte ‘La trahison des images: Ceci n’est pas une pipe’Imagem: IAN LANGSDON/dpa/picture aliança

    Da pintura por gotejamento às camas voadoras

    O pintor alemão Max Ernst (1891-1976), também surrealista, teve uma abordagem diferente. Ele pintou e desenhou espetaculares paisagens de fantasia povoadas por figuras imaginárias. Ele desenvolveu várias técnicas para isso, como o frottage, que envolve esfregar lápis, grafite ou outro meio em uma folha de papel colocada em cima de um objeto ou superfície texturizada.

    Mais tarde, Jackson Pollock, um pioneiro do Expressionismo Abstrato nos EUA, desenvolveu sua técnica de pintura por gotejamento para respingar e pintar sobre uma superfície horizontal, a fim de examinar o trabalho de cima.

    Os opostos colidem em muitas das obras dos surrealistas, seja através do uso do material ou do contexto. A xícara de chá forrada de pele da artista berlinense Meret Oppenheim (1913-1985) é um exemplo famoso.

    Ao utilizar perspectivas distorcidas ou criaturas fantásticas, as obras de arte surrealistas muitas vezes retratam coisas desligadas do seu contexto habitual, apresentando-as de novas formas e proporcionando assim uma visão diferente do mundo que nos rodeia.

    Algumas fotos são perturbadoras, como Frida Kahlo emocionante autorretrato de 1932, “Hospital Henry Ford”. Retrata o pintor mexicano (1907-1954) em uma cama voadora após um aborto espontâneo.

    Um homem de chapéu olha para 'Le Violon d'Ingres' de Man Ray, que mostra uma mulher cujas costas foram pintadas como um violino.
    O surrealismo muitas vezes retrata objetos ou temas fora de contexto, como este trabalho de Man Ray, ‘Le Violon d’Ingres’Imagem: FACUNDO ARRIZABALAGA/dpa/picture aliança

    O artista catalão Joan Miró (1893-1983) também devem ser incluídos no círculo dos surrealistas, assim como Yves Tanguy (1900-1955), cujos mundos pictóricos estão enraizados na sua infância.

    Sem falar no fotógrafo, diretor de cinema e pintor norte-americano homem raio (1890-1976). A sua famosa fotografia nua de uma mulher com um violino como corpo, “Le Violon d’Ingres”, tirada em Paris em 1924, foi vendida há dois anos por 12,4 milhões de dólares (11,4 milhões de euros) na casa de leilões Christie’s em Nova Iorque – foi a foto mais cara já vendida.

    E quanto a André Breton? Foi um dos primeiros a se dedicar à “ecriture automatique”, ou escrita automática, método de escrita intuitiva ou de fazer arte, com o qual se colocam no papel imagens, sentimentos e palavras do subconsciente. Breton descreveu o processo de escrita como “o ditado do pensamento na ausência de todo controle exercido pela razão e fora de todas as preocupações morais ou estéticas”. O objetivo era envolver o máximo possível o subconsciente no processo de criação artística e deixar de fora o lado lógico.

    Uma pintura representando muitos homens em uma paisagem onírica: Max Ernsts "Na reunião de amigos."
    Surrealistas, como o artista alemão Max Ernst, frequentemente experimentavam novas técnicasImagem: Arquivos Snark/Photo12/picture Alliance

    Exposições de aniversário em todo o mundo

    Os surrealistas rebelaram-se contra as normas rígidas da sociedade. Eles pintaram, escreveram e filmaram contra a lógica e o pragmatismo – e pela igualdade. Eles queriam usar a arte para instigar uma revolução social. Mas, acima de tudo, ajudaram a revolucionar a nossa perceção, que enfrenta atualmente um novo ponto de viragem, à medida que a inteligência artificial e a aprendizagem automática permitem que a realidade e a virtualidade estejam interligadas de forma quase contínua.

    Qualquer pessoa que deseje aprender sobre o movimento surrealista hoje deve dirigir-se a Paris, onde o Centro Pompidou está estendendo o tapete vermelho com uma grande exposição de grande sucesso que acontecerá até janeiro de 2025 e depois fará uma turnê pela Europa. O Hamburger Kunsthalle, o Lenbachhaus em Munique, bem como muitos outros museus ao redor do mundo também celebram o ano de aniversário dos surrealistas.

    Este artigo foi escrito originalmente em alemão.



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    Curitiba: novas denúncias de estelionato contra o…

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    Curitiba: novas denúncias de estelionato contra o...

    Alvo de processos por golpes financeiros (leia ao final da reportagem), o candidato a vice-prefeito na chapa de Cristina Graeml (PMB) à Prefeitura de Curitiba, Jairo Filho (PMB), é acusado por dois empresários paranaenses de aplicar novas fraudes, desta vez com falsas promessas de empréstimos. As denúncias estão sendo apuradas pelo Polícia Civil do Paraná.

    De acordo com ambos os relatos, aos quais VEJA teve acesso, Jairo se passou por representante da Fomento Mais, empresa que prometia fazer a articulação de pequenos e médios empresários junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para viabilizar empréstimos, que nunca aconteceram de fato.

    O empresário Erilton Fernando Ferreira diz que conheceu tanto Jairo quanto o presidente da empresa, Alceu Tavares, e que ambos fizeram a oferta de um empréstimo FGI — fundo garantidor do BNDES que tem como objetivo facilitar o crédito a pequenos e médios empresários –, mediante um “investimento” de 5% do valor contratado.

    Segundo Erilton, a Fomento Mais teria levantado mais de 3,3 milhões reais referentes à “taxa” de 5% de investimento cobrada pela dupla a diferentes clientes e que Jairo teria recebido duas parcelas de 20.000 reais de “comissão” de Alceu pelos clientes captados.

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    Já o empresário João Francisco Ribeiro, do ramo de tecnologia em eventos, diz que entrou em contato com a Fomento Mais para viabilizar um empréstimo, também junto ao BNDES, visando fazer investimentos em equipamentos, veículo, contratação de funcionários e compra de galpão para instalar a empresa. Segundo Ribeiro, Jairo disse que Alceu tinha “contatos” dentro do banco público e que facilitaria a aprovação do crédito.

    A promessa, diz ele, foi de uma cédula de crédito de 14,5 milhões de reais mediante um adiantamento de 5% desse valor — 725.000 reais — para “pagar o FGI e liberar o crédito”. Ainda segundo o empresário, Jairo afirmou que, destes 5%, o percentual de 1,5% era “realmente FGI”, e que os 3,5% restantes eram para “abrir as portas” e “pagar as pessoas que assinam”.

    À época, diz Ribeiro, Jairo já era candidato a vice-prefeito e, por ter uma “vida pública”, confiou que não haveria problemas na transação. “Investi 725.000 reais, fiz propostas em imóveis contando com esse dinheiro, várias coisas que esses projetos bagunçaram totalmente a minha vida e da minha empresa”, diz o empresário. “Você fica triste, chateado, com raiva. Mas impotente é a palavra certa. Na emoção, fui iludido”, afirma.

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    O empresário diz que, após os resultados do primeiro turno das eleições, que mostram uma disputa entre Cristina Graeml e Eduardo Pimentel (PSD), tentou pressionar Jairo pela devolução de ao menos uma parte dos recursos. “Ele não deu nenhum suporte, simplesmente deixou a gente a ver navios”, diz.

    De acordo com Ribeiro, ele tem a confissão de dívida de Alceu, suposto dono da Fomento Mais, e já executou a dívida, com prazo de pagamento para o dia 22 deste mês. Até agora, teve como depósito 30.000 reais de “garantia” de que terá a quitação dos valores.

    Outros processos

    Além das denúncias, Jairo responde a ao menos três processos por aplicar supostos golpes financeiros em esquemas similares a pirâmides financeiras, com promessas de retornos ilusórios. O prejuízo calculado às vítimas chega a mais de 1,3 milhão de reais, de acordo com ações  consultadas por VEJA junto à Justiça do Paraná.

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    A ação mais vultosa é movida por uma aposentada de 67 anos de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. A idosa afirma que, em 2021, Jairo ofereceu a ela uma oportunidade de investimento em sua sociedade de advocacia com promessas de rendimento de 2,5% ao mês. A aposentada fez um aporte de 400.000 reais e, por quatro meses, recebeu os rendimentos combinados. Desde meados de 2022, no entanto, diz que parou de receber os pagamentos e afirma que não teve mais resposta do advogado. No processo, a idosa juntou documentos como a confissão de dívida e promissórias que comprovam a operação realizada. Ela afirma ainda receber apenas um salário mínimo de benefício por mês. A ação de apropriação indébita e estelionato contra Jairo pede pouco mais de 1 milhão de reais em indenização e danos.

    Outro processo diz respeito à empresa Leilão Money, que tem Jairo como proprietário e que oferecia aos clientes investimentos em imóveis à venda em leilões. Uma moradora de Brasília ingressou com um processo contra o advogado após aportar 185.000 reais junto à empresa, em 2021. Segundo a ação que pede indenização e a devolução do dinheiro, as promessas eram de juros remuneratórios de 2% mensais, perfazendo o valor de 3.700 reais de rendimentos por mês.

    A autora afirma que, a partir de maio de 2022, a Leilão Money deixou de pagar os rendimentos e que a empresa não devolveu o aporte inicial conforme o estipulado em contrato, que determinava o prazo como dezembro daquele ano. A vítima pede 214.600 reais relativos a juros e à restituição do investimento inicial.

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    “Diante da incerteza e risco eminente de perder todo o valor investido quando da formalização do referido negócio, além da incerteza concernente ao recebimento dos valores que foram pagos, a requerente não vislumbra alternativa, a não ser ingressar com a presente ação”, diz o processo.

    Em relação à mesma Leilão Money, Jairo foi condenado neste mês pela Justiça do Distrito Federal a ressarcir a quantia de 90.000 reais, mais juros, a uma cliente que fechou, com sua empresa, um contrato que não foi cumprido. Na ação, a vítima diz que formalizou um contrato de locação de veículo com a Leilão Money por 90.00 reais e que a quantia seria devolvida ao final do período de locação por um sistema de “cashback integral”. De acordo com o relatado, a empresa combinou de locar o carro em uma locadora e arcar com as despesas do contrato, que ela mesma pagou o valor a um sócio de Jairo, mas que teve o veículo bloqueado pela locadora por falta de pagamento do aluguel.

    O terceiro processo diz respeito a um esquema similar de pirâmide financeira. Um servidor público de Curitiba alega que, no início de 2019, fez uma transferência de 89.000 reais para Jairo, para que o advogado aportasse o valor em uma empresa chamada Clubens, que também prometia retornos financeiros. Depois de seis meses, o homem diz que pediu um posicionamento de Jairo sobre a evolução do suposto investimento, mas sem retorno concreto. Afirma que, em julho do mesmo ano, conseguiu se encontrar com o advogado, que reconheceu a dívida e se comprometeu a pagá-la dentro de doze meses.

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    Como forma de remediar o prejuízo, aceitou fazer um acordo para abater parte da dívida de um imóvel que ele alugava do advogado, no valor de 1.200 por mês. A tratativa foi mantida por seis meses. Só depois de mais de um ano, e após muita insistência, afirma a vítima, Jairo passou a fazer pagamentos mensais irregulares de cerca de 1.500 reais por mês. O servidor pede cerca de 96.000 reais corrigidos, com mora e excluídos os valores já pagos.

    Outro lado

    Procurado, Jairo Filho ainda não se pronunciou sobre as denúncias envolvendo empréstimos junto ao BNDES que estão sendo apuradas pela Polícia Civil. O espaço segue aberto para manifestação.

    A respeito do processo da moradora de Brasília que afirmou ter aportado 185.000 reais na Leilão Money, o candidato diz que “nada tem” com esse fato e que não conhece a denunciante. Ele ainda apontou um terceiro como possível culpado. “Abri essa empresa com um rapaz de Goiânia e ele utilizou o CNPJ para fazer contratos sem meu conhecimento e nem consentimento, desrespeitando o contrato social, de modo que sou parte ilegítima nesses autos”, diz o advogado, acrescentando que acionará o sócio na Justiça.

    Já em relação ao servidor público que afirma ter feito um investimento na empresa Clubens, Jairo afirma que houve desistência do autor do processo e que o mesmo, inclusive, é apoiador político da candidatura de Cristina Graeml em Curitiba.

    No caso da aposentada de São Bernardo do Campo, Jairo diz que ainda não foi citado, mas que, fazendo uma “análise superficial”, a acusação está “totalmente prescrita e com uma fundamentação jurídica péssima e difamatória, distorcendo totalmente os fatos”.

    Ele explica que a negociação em questão foi um contrato de empréstimo de 2019 que está em atraso devido a um desacordo em relação aos juros cobrados e forma de pagamento. Ele ainda credita o atraso aos efeitos da “grave crise financeira” em decorrência da pandemia. “Trouxe a zero o meu faturamento e fez com que outros negócios que tinha não avançassem”, afirma.

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