“O sobrenome que nós carregamos, inclusive a ministra dos direitos humanos, Macaé Evaristo, que orgulhosamente é minha prima, até bem recentemente tinha uma versão”, iniciou a escritora Conceição Evaristo a mesa “Tão inseridas, tão excluídas”, parte da programação da Festa Literária das Periferias (FLUP) 2024, mediada por Daiane Rosário.
“Minha tia mais velha sempre me contou a história que, quando foi se registrar, diante do escrivão, esqueceu o sobrenome. A primeira coisa que veio à cabeça dela era um homem que morava meio que vizinho, e esse senhor se chamava Evaristo.”
O sobrenome da avó materna de Conceição era Miranda Pimentel. Recentemente, a escritora encontrou documentos de seu avô materno, que morreu no Hospital Colônia de Barbacena, como louco: Luís Floriano Evaristo. “Aí ficou uma dúvida, se esse Evaristo já era de meu avô ou se, quando a filha mais velha foi registrar os irmãos, se também registrou o pai”.
Bernardine Evaristo, escritora inglesa, que compôs a mesa com Conceição e Daiane, pensava que o sobrenome Evaristo, herdado de seu avô paterno, fosse nigeriano. “Quando eu estava com mais ou menos 26 anos, fiz algumas perguntas sobre a infância do meu pai, porque ele não nos falava nada sobre a vida na Nigéria, que ele deixou em 1949. E ele me disse: ‘sim, seu avô era brasileiro’.”
Gregorio Bankole Evaristo morreu em Lagos, em 1927, mas nasceu no Brasil. “O meu pai cresceu onde os ex-escravizados viviam. Saíam do Brasil no final de 1800, e voltavam para a costa africana oeste, onde viviam famílias brasileiras enormes, como os Silva e os Evaristo”, contou Bernardine.
“Quando cheguei à Nigéria pela primeira vez, em 1991, visitei esse bairro brasileiro. Havia prédios muito parecidos com os que a gente vê aqui no Rio. E depois, quando voltei lá, esses prédios tinham até sumido.”
No livro “Os retornados: a história dos ex-escravizados que deixaram o Brasil e formaram comunidades afro-brasileiras no golfo do Benim”, o historiador e diplomata Carlos Fonseca narra o abandono e a demolição das casas construídas pelos brasileiros em Lagos, mas também sua constituição.
“Ao concluírem o retorno, os libertos brasileiros estabeleceram-se em seus próprios territórios: ruas, quarteirões ou bairros inteiros, adquiridos aos poucos, às vezes cedidos por chefias locais. Em Lagos, há registro de doação de 38 terrenos pelo Obá Dosunmu, no começo dos anos 1850, presumivelmente por pressão do cônsul britânico Campbell, que tomara para si a tarefa de velar pelo bem-estar desses negros ‘civilizados pela escravidão’.”
No livro, Carlos Fonseca explica que, a partir de 1835, milhares de afro-brasileiros decidiram deixar o Brasil rumo ao continente africano. Embora muitos deles tivessem nascido no Brasil e de lá nunca tivessem saído, o movimento ficou conhecido como “retorno”.
Chegaram ao golfo da Guiné, em cidades como Lagos, na Nigéria, Uidá, Porto Novo e Aguê, no Benim, Lomé, no Togo e Adra, em Gana. Daqui levaram modos de construir, vestir, falar, cozinhar, dançar, cantar, rezar, portar a ponto de serem conhecidos como “brasileiros”.
No final do século 19, essas comunidades prosperaram, principalmente pela dedicação ao comércio de dendê, vendido para a Europa, mas também de produtos oriundos do Brasil, como aguardente, carne seca e fumo de rolo. Com o início da primeira guerra mundial esse fluxo Brasil-África cessou e, geração a geração, os descendentes dos retornados viam-se no dilema de seguirem estrangeiros em sua própria terra ou abrirem mão da tradição de seus avós. O livro de Carlos Fonseca apresenta esses dilemas.
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