Em entrevista ao R7, Mattanya Cohen falou sobre os desafios da guerra, das relações com o Brasil, da situação dos reféns e do cessar-fogo com o Hezbollah
Entrevista|Ana Vinhas, do R7, com tradução de André Naef
27/11/2024 – 02h00 (Atualizado em 27/11/2024 – 02h00)
O embaixador Mattanya Cohen, vice-diretor geral do Ministério das Relações Exteriores de Israel e chefe da divisão da América Latina e Caribe, falou do acordo de cessar-fogo entre Israel e o grupo extremista Hezbollah, do Líbano. “Essa é a boa notícia que estamos recebendo”, afirmou Cohen, durante visita a São Paulo.
Com a trégua de 60 dias anunciada nesta terça-feira (26), segundo Cohen, cerca de 60 mil israelenses que deixaram suas cidades na fronteira com o Líbano vão poder voltar para casa. O mais importante são as pessoas que estão vivendo no norte de Israel. “São 60 mil pessoas que estão vivendo em condições de refugiados. Eu espero que elas consigam voltar”, disse o embaixador.
Em entrevista exclusiva ao R7, Cohen falou sobre o desafio da guerra contra o grupo terrorista Hamas, após um ano e dois meses dos ataques de 7 de outubro de 2023, que deixaram 1.200 mortos e fizeram 250 reféns. Entre as vítimas, quatro brasileiros foram mortos e três filhos de brasileiros estão entre os reféns. “Essa é a pior e mais difícil guerra do Estado de Israel desde sua criação, em 1948″, afirma.
São sete frentes de conflitos, que incluem o Hamas em Gaza, o Hezbollah no Líbano, que agora teve uma trégua, o Irã, os houthis no Iêmen, grupos militantes na Cisjordânia e as milícias xiitas no Iraque e na Síria.
O embaixador afirmou ainda que espera retomar a boa relação com o Brasil. O país está sem embaixador no principal posto da representação brasileira em Tel Aviv, desde que o diplomata Frederico Meyer foi chamado de volta ao Brasil, após uma reprimenda do ministro das Relações Exteriores de Israel no Museu do Holocausto, em Jerusalém, em fevereiro.
A reação de Israel ocorreu como resposta a uma manifestação do presidente Lula que comparou a guerra em Gaza à Alemanha de Adolf Hitler. Ainda como consequência, Lula foi declarado “persona non grata” por Israel.
“O Brasil é um país muito amado e admirado por diversos israelenses. Eu, pessoalmente, sinto muito pela situação que temos no momento e espero poder, talvez, quando a poeira da guerra abaixar, voltar às relações que tínhamos antes com o Brasil”, disse o embaixador.
Sobre a possibilidade de uma trégua também com o Hamas, ele afirma esperar a posse do novo governo do presidente eleito Donald Trump, nos Estados Unidos, para que haja uma perspectiva para o fim do conflito.
“Eu quero me manter otimista hoje e dizer que no norte, estamos nos aproximando do cessar-fogo, e no Sul, em Gaza, nós veremos, talvez quando Donald Trump entrar no poder. Ele prometeu e disse: ‘Eu não começarei guerras, eu acabarei com elas’. Então espero que ele acabe com a guerra em Gaza também”, disse. Veja a seguir a entrevista realizada na segunda-feira (25):
R7 – Um ano e dois meses depois do começo da guerra contra o grupo terrorista Hamas, quais são as perspectivas para o conflito, que escalou recentemente?
O conflito não é apenas entre Israel e Hamas. É uma guerra de sete frentes, desde que o Hamas iniciou os ataques de 7 de outubro. Temos os ataques de Gaza, com o Hamas, do Hezbollah, no Líbano, que é a segunda (frente), dos grupos terroristas na Cisjordânia, que é a terceira, os Houthis, no Iêmen, são a quarta. O Irã, que por duas vezes lançou mísseis e drones explosivos contra Israel, centenas deles, no último mês de abril e outubro. Também temos as frentes contra as milícias xiitas no Iraque e na Síria. Sete frentes diferentes. Essa é a pior e mais difícil guerra do Estado de Israel desde 1948.
E eu quero explicar para os brasileiros qual é a magnitude de 1.200 pessoas que foram assassinadas em 7 de outubro, e não estou falando de soldados. Estou falando de civis, de idosos e bebês, que foram queimados vivos, mulheres, que foram estupradas, e todas as coisas que eu tenho certeza que vocês ouviram. As 1.200 pessoas, israelenses, seriam equivalentes (de acordo com a população) a 25 mil brasileiros. Tente imaginar que, em apenas um dia, um grupo terroristas mata 25 mil brasileiros. E, no mesmo dia, 250 israelenses foram sequestrados. Esse número é o equivalente a mais ou menos 5 mil brasileiros. Pense, são 5 mil civis sequestrados por uma organização terrorista.
R7 – Quantos reféns ainda estão em poder do Hamas?
Nós temos agora em Gaza 101 reféns, não sabemos quantos estão vivos, quantos estão mortos. Estamos muito preocupados com eles, estamos falando de idosos, bebês, crianças, mulheres jovens, etc. E eles não estão em uma prisão, eles estão em túneis subterrâneos, sem comida, sem ar, sem condições sanitárias, sem nada. Nosso objetivo é eliminar a capacidade militar do Hamas, em Gaza. Queremos ter certeza que, jamais no futuro, algo como o dia 7 de outubro acontecerá novamente. E o outro objetivo, e eu acho que é o objetivo mais importante que temos, é de trazer de volta os reféns.
E.. no Líbano, um dia depois, no dia 8 de outubro, sem qualquer provocação de Israel, Hezbollah começou a lançar mísseis por toda Israel, eles têm mísseis com alcance, por toda a Israel, incluindo minha cidade, Modi’in, entre Jerusalém e Tel Aviv. Apenas tente imaginar a situação dos israelenses. Eu acordo todas as manhãs e eu não sei onde eu receberei um míssil ou um drone explosivo, do Iêmen, do Líbano ou de Gaza. Essa é a realidade de 10 milhões de Israelenses, judeus e árabes. As organizações terroristas não ligam, porque com esses mísseis eles também matam árabes.
Agora, as perspectivas para o futuro, o cessar-fogo entre Israel e o Líbano. Essa é a boa notícia que estamos recebendo.
R7 – O que é mais importante neste cessar-fogo?
O mais importante são as pessoas que estão vivendo no norte de Israel. Estamos falando de 60 mil ‘refugiados’, não há outra palavra (para descrever), porque eles têm de deixar as cidades onde moram, perto da fronteira com o Líbano, para o centro de Israel, porque se tornou impossível viver no norte. São 60 mil pessoas que estão vivendo em condições de refugiados. Eu espero que eles consigam voltar.
R7- Qual é a expectativa para uma trégua também em Gaza?
Sobre Gaza, nossos inimigos são uma organização terrorista. Por isso, não será em alguns dias ou semanas, como o acordo com o Líbano. Nós reagimos de uma forma muito forte, nós matamos o líder deles, Yahya Sinwar, que orquestrou e planejou todo esse ataque. Mas não podemos fazer isso à força, porque eles ainda têm 101 reféns. Nós estamos preocupados que maltratem os reféns, se nós bombardearmos, ou algo do gênero.
É muito importante dizer que nosso conflito é com as organizações terroristas, não com o povo palestinos, não com o povo libanês, não com o povo iemenita, não com o povo iraniano, mas com a liderança deles, que jurou destruir Israel.
O Hamas tem a sua carta fundacional que diz no capítulo 7: ‘Nosso objetivo é destruir o Estado de Israel e de matar todos os judeus’. E, depois de matar os judeus, eles vão querer matar os cristãos, porque é nisso que eles acreditam, e isso é algo muito, muito perigoso. Nossa guerra e nossa luta não é contra as pessoas, a maioria das pessoas não gosta do que os líderes delas fazem, a maioria das pessoas quer viver em paz conosco, e nós queremos viver em paz com elas. Nós podemos viver em paz em nossos países, nós temos paz com Egito, com Jordânia, com Emirados, com Marrocos, com Bahrein, com o Líbano. Mas, enquanto, a organização terrorista Hamas estiver em Gaza, isso será impossível.
Contudo, eu quero me manter otimista hoje e dizer que no norte, estamos nos aproximando do cessar-fogo, e no Sul, em Gaza, nós veremos, talvez quando Donald Trump entrar no poder. Ele prometeu e disse: ‘Eu não começarei guerras, eu acabarei com elas’. Então espero que ele acabe com a guerra em Gaza também.
R7 – Qual o progresso que está sendo feito para trazer de volta os reféns?
Infelizmente, a última vez na qual os reféns vieram com um acordo, com a organização terrorista Hamas, foi há um ano, em novembro de 2023. Desde então não houve mais acordos e eles não liberaram mais nenhum refém. Pelo contrário, eles mataram, eles executaram reféns, e nós achamos os corpos e nós vimos as condições nas quais os reféns estavam vivendo, nos túneis, sem comida, sem água, sem ar, sem higiene, sem banheiro, sem nada.
Não quero nem continuar descrevendo o que vimos lá. Não sabemos onde eles estão, nós não temos ideia do que está acontecendo, como disse antes, quantos estão vivos, quantos mortos. Pessoas normais (comuns) não conseguem sobreviver nessas condições. Estou falando de mais de 400 dias, não são 4 horas, ou 4 dias, ou 40 dias, são 400 dias nesses túneis, sem ar nem nada. Tente imaginar a condição física, a condição psicológica dessas pessoas. Todos nós em Israel estamos rezando para que eles voltem. Mesmo se acabarmos com todas as organizações terroristas, com o Hamas, a vitória não será uma vitória se não trouxermos os reféns. A vitória não será completa. Então, nós todos rezamos, mas eu não tenho nenhuma notícia sobre as condições deles.
R7 – Como está a relação entre Israel e a América Latina e, especialmente, com o Brasil?
Nossa relação com a América Latina começou em 1947, ainda antes de o Estado de Israel ser criado. Teve o famoso Plano de Partilha das Nações Unidas, onde o brasileiro Oswaldo Aranha foi o presidente da assembleia e ele nos ajudou muito. Tivemos embaixadores dos países latinos, como o embaixador da Guatemala Jorge Garcia Granado, que tentou convencer seus opositores a votar. Do 33 países que votaram sim para a criação de um Estado judeu, 13 eram da América Latina e do Caribe, quase 40%. Eu sempre digo em minhas apresentações e nos meus discursos que, sem a America Latina, o Estado de Israel não teria sido criado.
Por muitos anos tivemos uma boa relação política, comercial e de cooperação internacional com toda a América Latina, para dividir a expertise de Israel. Eu digo com muito orgulho que Israel é um líder mundial em agricultura, tecnologia da água, ciência, tecnologia, inovação, cybersecurity, e várias outras que dividimos com nossos aliados.
Infelizmente, desde que a guerra começou, nós vimos que a América Latina está dividida. A boa notícia é que temos vários aliados, de governos como o Javier Milei, da Argentina, ou o Santiago Peña, do Paraguai, que visitará Isral no próximo mês para inaugurar a embaixada do Paraguai em Jerusalém.
Nesse momento, temos três embaixadas de países latino-americanos em Jerusalém: Guatemala, Honduras e agora teremos Paraguai. Nós também temos o Panamá e o Equador como aliados.
Mas, por outro lado, as relações se deterioraram com outros países, como a Bolívia e Nicarágua, que quebraram relações diplomáticas. Com a Colômbia, o presidente decidiu abaixar o nível das relações.
E tem três países, Brasil, Chile e Honduras, que decidiram chamar seus embaixadores em Israel para consultá-los. Isso é como punimento diplomático. E nós sentimos muito por essa posição desses governos.
Eu acho que, se você tem uma opinião diferente, como a França, deve falar com os outros. A entidade que fala com o nosso governo é o embaixador. Quando você retira o embaixador, com quem você vai falar? Nós sentimos muito por esse posicionamento do Brasil, e eu espero que, quando o tempo chegar, Israel e Brasil possam voltar a ser amigos e trabalhar juntos. O Brasil é nosso principal parceiro comercial na America Latina. O Brasil é um país muito amado e admirado por diversos israelenses. Eu, pessoalmente, sinto muito pela situação que temos no momento e espero poder, talvez, quando a poeira da guerra abaixar, voltar às relações que tínhamos antes com o Brasil.
R7 – Como o senhor avalia as demonstrações antissemitas que ocorreram recentemente em alguns países?
O aumento do antissemitismo é um fenômeno muito triste, que vemos desde o início da guerra. Acredito que seja um dos problemas mais antigos da humanidade, porque por muitos anos existia esse ódio. O que é o antissemitismo? Ódio contra os judeus, só por serem judeus, não por um motivo específico. E nós, judeus, sofremos isso por 200 anos. Em 1948, foi criado o nosso país, nosso Estado independente, o único Estado judeu do mundo. E, agora, o antissemitismo moderno, como eu chamo, é o antissemitismo contra o Estado judeu. Antes, era contra as pessoas judias, na Europa ou onde quer que elas estavam. Mas, agora, é contra o Estado judeu, que está tentando se proteger de todos esses ataques que descrevi anteriormente, de sete frentes diferentes.
Nós vemos demonstrações anti-Israel e antissemita em vários lugares, na Europa, nos Estados Unidos, nas universidades. Nas universidades, muitos estudantes gritam ‘Do rio ao mar, Palestina será livre’, e eles estão falando sobre o rio da Jordânia e o mar Meditêrraneo, que é o Estado de Israel. Então o que eles estão dizendo ao gritar isso, cantar isso, que Israel não tem o direito de existir e a Palestina deveria ser o Estado ao invés de Israel, esse é um ditado antissemita, para destruir o Estado judeu.
Nós vimos isso no Canadá e também aqui na América Latina. Eu acho que o antissemitismo é um fenômeno muito perigoso e pode afetar, não só os judeus, mas também a outros povos. E você tem que lutar, você tem que combater o antissemitismo, primeiramente, pela educação. Você tem que educar a geração mais nova, para ensiná-la sobre o Holocausto. Em algumas semanas iremos celebrar a liberação de Auschwitz, mas o Holocausto aconteceu há mais de 80 anos, e muitas pessoas já se esqueceram. Você tem que ensinar a nova geração o que acontece quando um grupo odeia outro grupo por nada. Racismo e antissemitismo são fenômenos que deveriam ser extintos no mundo, e eu espero que as comunidades judaicas, cristãs e evangélicas ensinarão contra o antissemitismo, porque é muito perigoso.
R7 – O que o senhor espera para o fim do conflito?
Eu sou um homem da paz, e eu digo que sempre que existirem líderes que acreditam na paz, podemos viver na paz. O Oriente Médio é um bom exemplo disso. O Egito era um dos nossos maiores inimigos, desde a criação do Estado de Israel, durante muitos anos, e, então, nos anos 70, houve o presidente Anwar Al Sadat que disse: ‘Eu quero viver em paz com Israel e irei a Jerusalém para conversar com eles, fazer as pazes com eles’. Ele veio, e nós assinamos um tratado de paz que entrou em vigor em 1982.
O rei Hussein da Jordânia assinou um tratado de paz conosco em 1994, desde então é uma fronteira de paz. Nós podemos viver em paz no Oriente Médio, uma vez que nossos vizinhos comecem a aceitar a existência de judeus e de israelenses, e nós não vamos a lugar nenhum, esse é nosso país, o único país que temos, não entraremos em diáspora novamente. Temos um país muito forte, economicamente, militarmente, tecnologicamente e nós estamos lá para ficar.
Uma vez que tiver líderes pacíficos no Líbano ou até com as autoridades palestinas, que reconheçam nosso direito de existir, nós poderemos viver coexistindo e em paz, para sempre. Eu não sei se será durante o meu tempo (de vida), mas eu espero que para meus filhos e netos, eu consiga vê-los vivendo em paz em Israel.
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