Era só mais um exame oftalmológico de rotina: “A!”, “F!”, “W!”, repetia o paciente, enquanto tentava enxergar letras cada vez menores. Ao receber o resultado impresso de suas taxas de miopia e astigmatismo, porém, os olhos do paciente saltaram: “Fora Dilma”, dizia em letras maiúsculas um trecho do laudo médico.
O caso aconteceu na segunda semana de setembro, dentro da clínica de olhos da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte – hospital cujo atendimento é 100% vinculado ao SUS.
Após a eclosão da história, descoberta pelo jornal mineiro O Tempo, a entidade divulgou uma carta pública, pedindo desculpas à presidente e candidata à reeleição pelo PT Dilma Rousseff, e anunciou abertura de sindicância para investigar o que considerou um “ato de sabotagem” contra a instituição.
As investigações sobre o caso continuam, mas fontes ouvidas pela BBC Brasil afirmaram que dificilmente o responsável será identificado, já que a máquina utilizada para imprimir os resultados dos exames é manuseada por pelo menos dez profissionais.
De qualquer forma, o episódio ilustra a crise entre parte da classe médica e o governo federal, acirrada especialmente após o lançamento do programa Mais Médicos, em julho do ano passado.
A vinda de médicos estrangeiros para trabalhar na atenção básica, como parte do programa, fez com que a principal entidade de representação da classe médica (o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Ministério da Saúde passassem a viver em pé de guerra, em uma situação que se estende por mais de um ano.
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Fogo cruzado
Em meio ao fogo cruzado, os cerca de 4 mil brasileiros especialistas em medicina de família – que atendem pacientes nas periferias e nos rincões mais distantes do país e que são os personagens principais neste enredo – afirmam enxergar prós e contras no discurso de ambos os lados.
Conselho e Ministério os representam – mas nenhum deles parece falar sua língua.
Entre os principais fatores de discordância entre o governo e a entidade médica estão o volume de investimentos em infraestrutura de postos de saúde, as políticas de remuneração e formação de profissionais e a vinda de médicos estrangeiros – especialmente os cubanos.
“Por um lado, o programa (Mais Médicos) tornou a atenção em saúde acessível e reduziu mortalidade. Por outro, não veio uma política de Estado de médio prazo”, pondera o pediatra e professor de Atenção Básica Luis Cutolo, que ensina na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univale.
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Nos dois extremos do comentário do professor estão as posições do governo e do CFM.
“Há cidades no interior onde pessoas morrem de pneumonia porque não têm médico nem penicilina, em pleno século 21. Ora, era necessário uma atitude urgente para fazer com que essas pessoas não morressem”, argumenta Cutolo.
“Esses médicos vieram para ocupar espaços que os médicos brasileiros não ocupavam. Mas o governo cometeu uma série de erros estratégicos: não foi claro, não debateu isso com a sociedade antes.”
Carreira
Em entrevista à BBC Brasil, o clínico Carlos Vital Corrêa Lima, vice-presidente do CFM, atacou “a falta de vontade política” para a criação de planos de carreiras e a existência de “postos carentes de condições básicas de infraestrutura” na atenção básica.
“O problema da saúde no Brasil é crônico, mas vem agonizando nos últimos 12 anos”, diz o representante da categoria, em referência aos governos petistas.
Representantes do governo, por sua vez, afirmaram que os aportes financeiros na área mais que dobraram na gestão de Dilma Rousseff.
“O Ministério da Saúde está investindo fortemente em infraestrutura para melhorar a rede de atenção à saúde e oferecer condições adequadas de trabalho aos profissionais. São R$ 5,6 bilhões destinados aos municípios para a construção, reforma e ampliação de 26 mil Unidades Básicas de Saúde e R$ 1,9 bilhão para construção e reforma de Unidades de Pronto Atendimento 24h”, disse o Ministério.
Hoje, de acordo com o governo, existem 37.319 equipes de saúde da família no país, cobrindo uma população de 116.417.019 pessoas.
Em resposta às cobranças de planos de carreira, o governo diz que “estimula a implantação e a reestruturação dos planos de carreira nos âmbitos estaduais e municipais” e que financia “projetos estaduais para criação de planos de carreiras, cargos e salários e para a desprecarização de vínculos trabalhistas no SUS”.
“O SUS é interfederado, tem atribuições de Estados, Municípios e da União”, diz Marcos Pedrosa, médico de família e professor da UFPE. “Para federalizar toda a mão de obra seria preciso acabar com a lei de responsabilidade fiscal, que estabelece teto para a participação da folha de pagamento do funcionalismo público no orçamento da União. Em cidades pequenas, o salário do prefeito muitas vezes é menor que o salário necessário para atrair um médico”, afirma.
Profissionais de medicina familiar entrevistados pela BBC Brasil disseram considerar a criação de planos de progressão salarial para médicos do SUS um dos pontos críticos para que mais estudantes decidissem se especializar na atenção básica. Hoje, apenas um em cada dez desses profissionais tem esta especialização – considerada a formação mais adequada para o atendimento primário de saúde.
De acordo com a Constituição brasileira, a gestão e os serviços de saúde devem ser descentralizados – portanto, a responsabilidade federal é compartilhada com Municípios e Estados.
Estrangeiros
O médico de família Paulo Klingelhoefer de Sá, que há mais de 20 anos trabalha na atenção básica e hoje é coordenador do curso de medicina da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP), opta pelo meio termo entre os discursos do governo e da entidade representativa.
“O Partido dos Trabalhadores, quando no poder, não criou condições adequadas de contratação, de salário e de condições de trabalho para o profissional. Ele teve iniciativas que foram interessantes, mas não suficientes. Se você não botar dinheiro no bolso do cara para ele ter condição de pagar as contas dele, ele não vai ficar.”
Segundo o governo, mesmo com ofertas de salários acima de R$ 20 mil, apenas 12% das vagas foram preenchidas antes da abertura do processo de cooperação com médicos estrangeiros.
Hoje, segundo o Ministério, quase 80% dos mais de 14,4 mil participantes do programa Mais Médicos vêm de Cuba. Ainda de acordo com o governo, 2,7 mil cidades são atendidas exclusivamente por cubanos.
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O vice-presidente do CFM novamente bate de frente. “A vinda dos cubanos é parte de um processo de sustentação econômica dessa bela ilha do Caribe”, diz Vital. “É um interesse de Cuba, haja vista a resistência natural (dos brasileiros) fundamentada pela falta de condições de trabalho”, afirma. “Por isso há dificuldade de preenchimento dos espaços.”
O ministério contra-argumenta. “(As localidades atendidas pelo programa) agora têm o médico atendendo, de segunda a sexta-feira, em tempo integral”.
Rodrigo Lima, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), critica a “ideologização” da discussão. Segundo o médico, a discussão hoje é muito mais política (direita X esquerda) do que efetivamente construtiva.
“Há um componente ideológico forte, porque as corporações médicas historicamente têm se posicionado mais à direita. E o governo anuncia que vai trazer tantos médicos cubanos, sem validar o diploma e passando o dinheiro direto para o governo cubano. Foi uma declaração de guerra”, diz.
Para o médico, o Mais Médicos “tem muitos defeitos”, mas vale a pena trabalhar para aperfeiçoá-lo.
“Temos que estar junto para construir algo que é melhor”, diz. “Fomos muito criticados dentro da corporação médica por isso.”
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A Airbus pretende cortar até 2.500 empregos em sua filial “Defesa e Espaço”, em dificuldades, soube a Agence France-Presse na quarta-feira, 16 de outubro, de uma fonte próxima às discussões entre a administração e os sindicatos do gigante industrial europeu.
Os termos destas reduções de pessoal, numa divisão que emprega actualmente cerca de 35 mil pessoas e que regista uma quebra na procura de actividades espaciais, não foram imediatamente especificados, segundo esta fonte, falando sob condição de anonimato. A administração da Airbus se recusou a comentar neste momento.
Número um mundial em satélites de telecomunicações, a Airbus enfrenta grandes dificuldades diante da queda da demanda, assim como a Thales, outro peso pesado do setor, que já havia anunciado na primavera um plano de redistribuição dentro do grupo de 1.300 cargos de sua filial espacial , Espaço Thales Alenia.
Sobrecarregada por novos encargos pela sua atividade espacial, a Airbus viu o seu lucro cair para metade no primeiro semestre. “Nosso desempenho financeiro semestral reflete principalmente as despesas significativas relacionadas às nossas atividades espaciais. Estamos trabalhando para resolver as causas profundas dessas dificuldades”.declarou o presidente executivo, Guillaume Faury, quando os resultados foram publicados em julho.
“Plano de transformação”
A fabricante de aeronaves já havia avisado no final de junho que teria que fazer uma nova prestação de“cerca de 900 milhões de euros” no primeiro semestre, ligada à revisão dos custos de desenvolvimento e das perspectivas comerciais esperadas para determinados programas de telecomunicações e navegação por satélite. Este montante acabou por ser refinado para 989 milhões de euros, à medida que a revisão programa a programa prosseguia.
Em 2023 a Airbus já tinha registado nas suas contas um encargo de 600 milhões de euros por esta mesma atividade espacial, que no ano passado representou cerca de 2 mil milhões de euros de volume de negócios dos 65,4 mil milhões alcançados pela banda.
“Estamos a abordar as causas profundas destes problemas através de um plano de transformação, que se concentrará, em particular, na implementação de uma estratégia de resposta a concursos mais selectiva, reforçando a governação e o controlo interno, e em termos de controlo de custos e competitividade”declarou Guillaume Faury em julho.
Estas reavaliações dizem respeito principalmente aos programas de telecomunicações e navegação por satélite. O problema deve-se ao facto de se tratarem de satélites adaptados às necessidades de cada cliente e produzidos em pequenas quantidades, impedindo os ganhos de eficiência da produção em massa, explica a Airbus.
QuêniaO Senado do país começou a debater o impeachment do vice-presidente Rigathi Gachagua, pouco depois de um tribunal em Nairobi ter decidido que o processo era constitucional.
Suas acusações incluem ameaçar um juiz que estava julgando um caso contra ele.
Gachagua, 59 anos, negou as acusações e declarou sua intenção de permanecer no cargo até que o Senado decida sobre sua destituição.
Se os legisladores votarem a favor da sua destituição, ele será o primeiro líder do Quénia a sofrer impeachment desde que o processo foi adicionado à constituição do país em 2010.
Gachagua reclama que está sendo marginalizado
Homem de negócios poderoso, Gachagua conseguiu superar escândalos anteriores e acusações de corrupção antes de ser nomeado companheiro de chapa do presidente William Ruto em 2022.
Recentemente, no entanto, ele queixou-se de ter sido marginalizado pelo presidente, cujos aliados acusaram Gachagua de apoiar os protestos massivos liderados por jovens contra propostas de aumentos de impostos que eclodiram em todo o país em Junho.
“Agora sou visto como um cartucho gasto”, disse ele, referindo-se ao seu papel na administração Ruto. “Eles querem me descartar e nomear outra pessoa, desconsiderando a vontade dos quenianos”.
Mais de dois terços dos 349 membros da Assembleia Nacional votaram a favor do impeachment de Gachagua, mas a próxima fase envolverá legisladores no Senado que examinarão cada acusação separada, o que poderá acabar por ser um processo demorado.
Os protestos juvenis no Quénia – o que aconteceu até agora
Cerca de 2,4 bilhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar. Um terço da população mundial é afetada por pelo menos uma forma de desnutrição : subnutrição, deficiência de micronutrientes, sobrepeso e obesidade.
Embora a produção alimentar mundial seja suficiente para atender à demanda global, observamos retrocessos preocupantes: 148 milhões de crianças com menos de 5 anos sofrem de atraso no crescimento, 45 milhões estão em situação de desnutrição aguda e 37 milhões têm excesso de peso.
Durante os mil primeiros dias de vida, esses problemas têm consequências físicas e cognitivas irreversíveis, além de fortalecer o ciclo da pobreza. As meninas e as mulheres são geralmente as primeiras vítimas da desnutrição, sendo também elas que assumem, na maioria das vezes, a responsabilidade pela alimentação familiar. As desigualdades socioeconômicas, de gênero e de acesso aos serviços de saúde, os sistemas alimentares inadequados, os sistemas educativos deficientes, os choques climáticos e sanitários e os conflitos são as principais causas da desnutrição. A inação também tem um custo alto: US$ 41 bilhões nos dez próximos anos.
O Brasil é um exemplo em matéria de luta contra a insegurança alimentar e nutricional e de inclusão social. Comprometido com a erradicação da fome até 2025, o governo Lula já conseguiu tirar 24,4 milhões de pessoas da situação de insegurança alimentar em 2023 e lançará a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza na Cúpula do G20 em novembro.
A França tornou a luta contra a insegurança alimentar e a desnutrição uma prioridade internacional. Nossa abordagem transversal tem como foco os mil primeiros dias de vida e a promoção de dietas saudáveis, diversificadas e sustentáveis.
O ano de 2025 será crucial, pois marcará o fim da Década de Ação para a Nutrição, prazo fixado pelas Nações Unidas para o alcance dos objetivos sobre esse tema.
A França e o Brasil compartilham o compromisso de lutar contra a fome e a pobreza, promovendo, ao mesmo tempo, sistemas alimentares saudáveis, sustentáveis e justos. Nossos países copresidem, ao lado da Finlândia, a Coalizão Global para a Alimentação Escolar, com o objetivo de possibilitar, até 2030, que todas as crianças tenham acesso a uma refeição escolar nutritiva por dia.
Em 2025, a França sediará em Paris, nos dias 27 e 28 de março, a cúpula Nutrição para o Crescimento (N4G). Esse evento, tradicionalmente realizado pelo país-sede dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, tem como objetivo gerar compromissos financeiros e políticos concretos para combater a desnutrição em todas as suas formas.
A N4G realizada em Tóquio, em 2021, resultou em importantes compromissos, incluindo US$ 42,6 bilhões em compromissos financeiros.
O Brasil se comprometeu, junto à França, a tornar o combate à desnutrição uma causa universal. O combate à desnutrição é um meio de romper o ciclo do “mal desenvolvimento”. É também um investimento eficaz: 23 euros de PIB para cada euro investido, de acordo com o Banco Mundial.
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