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Indígenas lutam por terra em risco de desertificação – 12/12/2024 – Ambiente

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Indígenas lutam por terra em risco de desertificação - 12/12/2024 - Ambiente

Geovana Oliveira

Eduardo Vieira Cruz, 69, indígena da etnia tuxá, cresceu entre a aldeia urbana na cidade de Rodelas, no norte da Bahia, e a Ilha da Viúva, banhada pelo rio São Francisco.

Aos 8 anos, não podia frequentar as escolas da cidade, diz, porque os indígenas eram excluídos das atividades oficiais, mas sabia exatamente quando o rio ia encher para viabilizar as plantações.

O sinal eram borboletas pretas levadas pelo vento desde Minas Gerais, que voavam pela ilha por até 15 dias. “Não sei como nunca mais vi isso. Coisa linda demais.”

O céu, o rio e a terra em que vive hoje são completamente diferentes.

O clima na região onde mora está se tornando árido, devido às temperaturas cada vez mais quentes e à chuva escassa. O cultivo de alimentos só é possível com irrigação. O rio não varia de profundidade, pois foi represado para a construção de um complexo de hidrelétricas que, para funcionar, inundou a Ilha da Viúva.

O povo tuxá, que antes plantava amendoim, coco, manga, mandioca, batata, feijão e arroz na Ilha da Viúva, reivindica agora uma terra em risco de desertificação, chamada de Surubabel, ao lado das fazendas de alguns dos maiores produtores de coco da Bahia.

Hidrelétrica Luiz Gonzaga

Após a construção da hidrelétrica Luiz Gonzaga, em 1987, os tuxás perderam a ilha onde praticavam seus rituais, cultivavam alimentos e criavam animais.

A companhia Chesf os indenizou com recursos financeiros e a construção da aldeia urbana, na nova cidade de Rodelas, com a promessa de comprar uma terra para que pudessem subsistir da agricultura —o que não aconteceu.

O líder indígena Lourivaldo Tuxá, 54, diz que as terras com irrigação, disponibilizadas pela Chesf, passaram a ficar cada vez mais caras à medida que outros agricultores, não indígenas, percebiam o potencial do solo para plantação de coco. Rodelas é a maior produtora de coco da Bahia e a terceira do Brasil, segundo a pesquisa PAM (Produção Agrícola Municipal) de 2023, realizada pelo IBGE.

A Eletrobras, responsável pela Chesf, afirmou à Folha que já cumpriu todos os compromissos assumidos com os tuxás, conforme Termo de Ajustamento de Conduta com a comunidade, a Funai e o MPF (Ministério Público Federal). Os indígenas, porém, ainda sonham com uma terra para voltarem a plantar.

Eduardo hoje divide um pequeno loteamento de terra irrigada com outros indígenas da aldeia urbana, onde consegue plantar apenas o suficiente para si e para a família.

Desde a construção da hidrelétrica, as novas gerações perderam o contato com a terra, afirma a professora Tayra Tuxá, ex-diretora da escola indígena de Rodelas. “Houve um afastamento na relação. Eu não sei lidar com a terra”, diz. “E também carrego a saudade, o sofrimento, a angústia, inclusive a depressão, por aquilo que se perdeu.”

Mesmo a raiz da jurema, planta sagrada para os tuxás, não tem mais espaço para ser cultivada em território indígena. Antes dos rituais, eles pulam cercas e colhem a raiz em territórios que hoje são particulares. “Rezando para não perceberem e não estarem desmatando”, diz Tayra.

Segundo Lourivaldo, os indígenas tentam o reconhecimento da terra de Surubabel, que fica às margens do rio São Francisco, para ao menos praticarem as atividades culturais da comunidade e ficarem mais próximos da natureza, ainda que não seja possível desenvolver atividades econômicas.

“A gente chamava de ‘D’zorobabé’ [ilha protegida, na língua dzubukuá, dos tuxás]. Ela tem um valor espiritual, cultural e de identidade para nosso povo”, diz.

Retomada seca

A luta dos tuxás, porém, não acabará se a terra for reconhecida.

“A gente está pensando em um futuro que talvez não seja muito promissor na relação com o território, com toda essa mudança climática“, diz Tayra Tuxá.

“Acho que inconscientemente não queremos ver que vai ter dificuldades maiores em lidar com esse território, com essa terra que está ficando cada vez mais frágil, porque queremos ela, e vamos preparando um passo de cada vez”, afirma a professora, que diz trabalhar o assunto da crise climática com os alunos na escola.

Durante as escavações na terra de Surubabel nos anos 1980, para o enchimento do lago da hidrelétrica, foram encontrados artefatos pertencentes ao povo tuxá. Mais de 30 anos depois, a reserva ainda está em estudo de identificação, primeiro passo dos sete necessários para a demarcação.

Em 2010, cerca de cem famílias indígenas do povo tuxá ocuparam o território em um processo conhecido como retomada, diante das notícias de que a área poderia ser tombada como terra pública municipal. Em 2017, fizeram uma autodemarcação. Organizados em 11 clãs, totalizando cerca de 220 famílias, eles se revezam para manter a terra ocupada.

Na reserva, fica a praia de Surubabel, entre as dunas e o rio São Francisco, visitada por moradores das cidades do norte da Bahia e do sul de Pernambuco. O descarte inadequado do lixo e o desmatamento são questões com as quais os indígenas tentam lidar.

O local já foi chamado de “deserto de Surubabel” por causa das dunas. Quando uma árvore é removida da região, as areias se movimentam e ganham mais espaço no território.

Surubabel também fica em área de clima cada vez mais seco, conforme estudo feito pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que classificou a primeira região de clima árido do Brasil entre o norte da Bahia e o sul de Pernambuco.

Isso significa que a terra está mais suscetível à desertificação, quando o solo fica degradado e perde a qualidade e o potencial para a agricultura. “Não necessariamente está ocorrendo agora, mas pode ocorrer logo em breve”, diz Alexandre Pires, diretor de Combate à Desertificação do MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima).

A pasta reconhece apenas quatro áreas em desertificação no Brasil: Cabrobó (PE), Irauçuba (CE), Gilbués (PI) e Seridó, entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba.

O fenômeno, porém, pode ser acelerado pelos processos de irrigação, como os usados na cultura do coco irrigado, diz Pires.

“Se você tem sistemas de monocultura, uso intensivo de água e uso de substâncias químicas, naturalmente haverá um processo muito grande de degradação do solo. Normalmente, essas empresas precisam ampliar o volume de água e de adubo disponível a cada ciclo, porque o sistema exaure as capacidades produtivas da terra”, afirma o diretor.

Apesar de não discutirem o perigo da desertificação, os tuxás percebem a diferença do clima no dia a dia. “A natureza já mudou. É difícil dizer isso, mas nós aqui desta região só existimos por causa do rio São Francisco”, afirma Eduardo. “Agora, não dá para plantar sem irrigação mesmo perto do rio, porque não tem chuva.”

Antes, quando ainda chovia e eles tinham uma terra, conta Eduardo, as plantações eram de batata, batata-doce, feijão e macaxeira. “Eu engordava porco, cabra, tudo. Não comprava comida, vivia bem.”

A esposa, Maria Soledade Vieira, diz que, quando dorme, só sonha com a cidade antiga. “Lá era um rio muito lindo. Quando a gente vinha da Ilha da Viúva, via as cachoeirinhas. Eu mandava ele parar o barco para eu deitar. Você imagina uma vida boa dessa? Quando cheguei aqui, sentia tanta saudade que doía o peito”, conta.

Os dois são os pais da artista visual baiana Yacunã Tuxá —Yacunã significa “filha da terra”.

O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.





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Japão escolhe ‘ouro’ como kanji do ano em homenagem à glória das Olimpíadas – e política de fundo secreto | Japão

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Japão escolhe 'ouro' como kanji do ano em homenagem à glória das Olimpíadas – e política de fundo secreto | Japão

Guardian international staff

O caractere kanji parente – que pode significar ouro ou dinheiro – foi escolhida como a palavra do ano no Japão para refletir a conquista de medalhas do país no Olimpíadas de Paris e um escândalo financeiro prejudicial dentro do partido no poder.

O caractere único, que também pode ser lido como Kane (dinheiro), foi inaugurado esta semana em Kiyomizu-dera, um templo budista em Kyoto, cujo sacerdote-chefe, Seihan Mori, o reproduziu com um pincel enorme sobre uma tela de papel washi branco.

O personagem que melhor capturou o zeitgeist atraiu 12.148 votos de 221.971 votos, de acordo com o Japão Kanji Aptitude Testing Foundation, que organiza o concurso anual desde 1995.

É a quinta vez que parente foi selecionado graças à sua associação com os feitos dos atletas japoneses durante os anos em que foram realizadas as Olimpíadas. Venceu pela última vez em 2021, quando Japão teve sua melhor conquista de todos os tempos, com 27 medalhas de ouro nos Jogos de Tóquio, adiados pela pandemia.

Mas a escolha deste ano também reflecte a indignação pública contra o Partido Liberal Democrata, que sofreu pesadas perdas nas eleições para a Câmara dos Deputados de Outubro, devido às revelações de que dezenas dos seus deputados tinham desviado lucros de funções oficiais para fundos secretos.

“Tanto as medalhas de ouro como o dinheiro político chamaram a atenção do público”, disse Mori, de acordo com o Asahi Shimbun, que observou que alguns podem ter votado a favor parente depois de um ano de subida dos preços durante o crise do custo de vida e uma recente onda de roubos de alto perfil.

Mori disse que ficou surpreso com a escolha, pois esperava de – que significa círculo – a ser escolhido para refletir a solidariedade pública com as pessoas que vivem na província de Ishikawa, a região atingida por um terremoto mortal no dia de ano novo.

Em reconhecimento do impacto do terremoto, a segunda escolha mais popular foi saisignificando desastre, enquanto o terceiro lugar foi para sim – voar alto ou voar – que faz parte do nome da estrela japonesa da Liga Principal de Beisebol Shohei Ohtani.



Leia Mais: The Guardian



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Quaest: 51% acham que Bolsonaro tentou dar golpe – 12/12/2024 – Mônica Bergamo

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Quaest: 51% acham que Bolsonaro tentou dar golpe - 12/12/2024 - Mônica Bergamo

Uma pesquisa realizada pelo instituto Quaest para a corretora Genial mostra que 51% dos brasileiros acreditam que houve, sim, no Brasil uma tentativa de golpe contra Lula (PT) por parte dos militares e de Jair Bolsonaro (PL). Do total, 48% acreditam que o ex-presidente inclusive participou de seu planejamento.

EU ACREDITO

Até mesmo parte de eleitores que afirmam ter votado em Bolsonaro em 2022 acreditam na afirmação: 39%, contra 51% deles que estão convencidos de que essa tentativa não ocorreu.

EU ACREDITO 2

A sondagem ouviu 8.598 pessoas entre os dias 4 e 9 de dezembro. Do total, 75% afirmam que as pessoas já presas por causa das investigações deveriam ser condenadas. Entre os eleitores lulistas, o percentual sobe para 80%. Entre o eleitorado bolsonarista, o percentual também é alto: 68% concordam com uma sentença condenatória.

BALANÇA

Por outro lado, 50% do total acham que as denúncias não têm impacto sobre a imagem de Bolsonaro, contra 42% que acreditam que elas impactam “para pior”. E 3% consideram que impactam “para melhor”.

TANTO FAZ

E qual é a diferença para Lula? Do total, 51% respondem que ela é “nenhuma”. E 33% afirmam que a divulgação das notícias sobre a tentativa de golpe fortalece a candidatura dele para 2026.

DOSE DUPLA

A chef Bel Coelho e o empresário Felipe Britto, sócios do restaurante Cuia, receberam convidados para a inauguração da segunda unidade do espaço gastronômico, na segunda-feira (9). O advogado e ex-secretário Nacional de Justiça Beto Vasconcelos e a diretora de transição energética do BNDES, Luciana Costa, marcaram presença no evento em Pinheiros. O violonista Arthur Nestrovski, a escritora Claudia Cavalcanti, a atriz Shirley Cruz e a psicanalista e escritora Vera Iaconelli, colunista da Folha, compareceram.

com KARINA MATIAS, LAURA INTRIERI e MANOELLA SMITH


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Em Valência, a área natural da Albufera poluída por toneladas de lixo após inundações devastadoras

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Em Valência, a área natural da Albufera poluída por toneladas de lixo após inundações devastadoras

De costas dobradas nos arrozais, com equipamento de protecção completo, várias dezenas de voluntários responderam ao apelo da Sociedade Ornitológica Valenciana (SVO), no início de Dezembro, para recolher e separar os resíduos espalhados no Parque Natural da Albufera, em Valência. . A ravina do Poyo, submersa pelas terríveis cheias que assolaram as localidades da periferia sul da capital regional no dia 29 de Outubro, abre-se nesta zona húmida à beira do Mar Mediterrâneo, povoada por aves migratórias e de imenso valor ambiental.

Perdidos no meio dos campos, os destroços de automóveis ainda hoje testemunham a força da onda, que deixou 222 mortos e quatro desaparecidos na província. Depois de destruir tudo em seu caminho, inclusive a zona industrial e comercial de Silla, suas águas levaram toneladas de lixo.

Quase quarenta dias depois, continuam a poluir cerca de 1.000 hectares, no norte desta lagoa de 21.000 hectares classificada como reserva Natura 2000. “Não detectámos aumento na mortalidade de peixes ou aves, mas estamos preocupados. Os campos estão cheios de remédios, e petróleo e esgoto foram derramados neles”.enfatiza Pedro Antonio del Baño, vice-presidente do SVO.

Voluntários ajudam a limpar o Parque Albufera, Espanha, 6 de dezembro de 2024.

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