O influenciador conservador Guilherme Freire é acusado de assédio moral e sexual por uma ex-colega de trabalho, em uma ação indenizatória protocolada por ela no último dia 2 na Justiça de São Paulo.
Os episódios narrados teriam ocorrido no final de 2021, quando Catarina Torres, então com 18 anos, entrou na produtora de direita Brasil Paralelo para trabalhar com marketing. Na época, Freire era diretor de conteúdo.
Nos autos, há áudios e conversas de WhatsApp que sugerem a existência de ao menos mais três possíveis vítimas.
Freire foi procurado por e-mail e pelas redes sociais, mas não respondeu a contatos feitos pela Folha. Seu advogado, Miguel Vidigal, disse que o processo é “baseado em calúnias” e que sua defesa será feita em juízo. A Brasil Paralelo afirmou estar colaborando com as investigações.
Catarina disse à Folha que tentou expor o caso nas redes sociais, mas foi “cancelada”. Freire tem muitos seguidores nas redes e já ocupou cargos de destaque no governo de Jair Bolsonaro (PL) e no de Ratinho Jr. (PSD), no Paraná.
Formado em filosofia, ele tem no Instagram mais de 450 mil seguidores. Freire fala de história, virtudes e religião. Recentemente, participou do podcast Flow e do Pânico, da Jovem Pan.
Antes de trabalhar na Brasil Paralelo, ele foi secretário adjunto na Secretaria Nacional de Juventude do governo Bolsonaro, entre janeiro e maio de 2019. Depois, foi coordenador de empreendedorismo e chefe de gabinete na secretaria do Planejamento do governo do estado do Paraná.
Após deixar a produtora em agosto de 2022, abriu duas empresas em que dá aulas de filosofia e tradicionalismo.
“Esclarecemos que o processo é baseado em calúnias e corre em segredo de Justiça. Todos os comentários, provas e defesas serão feitos no âmbito correto, em juízo, onde será provada inocência de Guilherme Freire”, disse o seu advogado, em nota.
O processo era público até o final da semana passada. Entrou em sigilo após repercussão nas redes sociais.
Na ação em que diz ter sido vítima de assédio moral e sexual, Catarina acusa Freire de “comportamentos repetidos e invasivos” e tentativa de manipulação.
“Passou a frequentemente chamá-la para conversas privadas, nas quais fazia comentários sobre sua aparência e comportamento, sempre mascarados como se fossem ‘conselhos paternais’, mas com uma conotação de controle e intimidação e, ao mesmo tempo, buscando seduzir a autora com sua alta reputação e posição social”, diz trecho do processo.
A defesa de Catarina relata ainda insistência de convivência e assédio moral, como ameaças de demissão, caso ela não fizesse o que Freire lhe pedia. Ela afirma que, certa vez, o influenciador tentou pegar a sua mão e, após negativa, insistiu, dizendo que ela precisava confiar nele como um mentor.
“Ele não tinha interesse que eu trabalhasse melhor. Nunca foi nesse sentido a conversa. Sempre foi no sentido de ficar sozinha com ele para ir ficar bem na empresa. (…) O que ele queria ter era um romance. Ele falava muito de mim, da minha personalidade, da minha aparência”, disse Catarina à Folha.
Ela também afirma que fez dois boletins de ocorrência em São Paulo, um anônimo, em setembro de 2022, e outro em março de 2023. Mas que nunca chegou a ser chamada para depor.
“Hoje é reconhecido [na Justiça] que existe uma disparidade de gênero, e que esses crimes são feitos por não deixar vestígio. Eu tenho consciência de que isso pode não acontecer no meu caso. Mas eu quero tentar que seja reconhecido”, disse.
A jovem foi morar em São Paulo para trabalhar na produtora, após passar na USP para cursar administração. Depois dos episódios, largou a faculdade e voltou para a sua cidade natal, Brasília. Hoje cursa direito na UnB (Universidade de Brasília).
A denúncia para o tipo de crime relatado é atribuição do Ministério Público. O processo ajuizado por Catarina é na esfera cível. Seus advogados, Robert Beserra e Rafael Daun, alegam dano de natureza moral, psicológica e material.
“Suas atitudes incluíram manipulação emocional, intimidação, chantagem, invasão de privacidade e humilhação pública”, diz o processo.
Segundo o documento, Catarina teve ansiedade, episódios de depressão e desenvolveu transtorno neurovegetativo somatoforme –que pode causar palpitação, tremores e dor– em decorrência do trauma dos eventos narrados no processo. O texto diz ainda que ela tem constantes desmaios e faz tratamento neurológico. Ela diz que perdeu parte de sua autonomia em tarefas como dirigir ou viajar.
Os advogados pedem R$ 200 mil por danos morais, R$ 17,5 mil por danos materiais, R$ 170 mil por lucros cessantes (considerado aquilo que a vítima deixa de ganhar) e mais R$ 5.000 de pensão vitalícia.
A passagem de Catarina pela Brasil Paralelo foi de 20 de setembro a 28 de outubro.
As outras supostas vítimas não processaram Freire, mas as conversas com Catarina que trazem indicações nesse sentido foram anexadas aos autos. No caso de uma delas, a mulher narra que Freire tentou beijá-la sem consentimento.
Os episódios relatados por essa outra mulher ocorreram depois da saída de Catarina da empresa.
Na conversa entre as duas que foi anexada aos autos, a mulher diz que relatou os assédios para a cúpula da Brasil Paralelo, dez meses depois da saída da Catarina, e que acreditaram nela e decidiram demitir Freire.
Ele deixou a empresa em agosto de 2022. Procurada, a produtora não comentou o motivo da saída do então diretor, também não disse quais procedimentos foram adotados após os relatos de Catarina.
Então funcionária, ela disse que chegou a falar do assédio moral de Freire ao seu chefe direto. Depois, quando já tinha deixado a empresa, ela afirma ter buscado os executivos, mas não teve retorno.
“Ao tomar conhecimento da situação relatada, a Brasil Paralelo vem cooperando com a investigação do caso em questão, cumprindo seu dever de respeitar a confidencialidade dos envolvidos”, disse a produtora, em nota.
“As medidas cabíveis foram adotadas em conformidade com a legislação aplicada e o nosso código de ética e compliance está disponível no nosso site, com canal de denúncia anônimo e independente”, completou.
A produtora de vídeos conservadora surfou na onda do crescimento da direita e do bolsonarismo no país. Ela vende documentários na sua própria plataforma de streaming, e tem mais de 400 mil assinantes e 3,6 milhões de inscritos no canal do Youtube. Dentre os vídeos, há, por exemplo, “A face oculta do feminismo”, dirigido pelo próprio Freire.
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