Javier Milei até admite que o mundo está ficando mais quente, mas não devido à ação do homem e muito menos a um nível que deva nos preocupar. Por isso, a Argentina vem se esquivando de avançar em compromissos na área —o exemplo mais recente foi a retirada da delegação argentina da Cúpula do Clima no Azerbaijão.
Para Milei, “todas essas políticas que culpam o ser humano pela mudança climática são falsas e buscam arrecadar fundos para financiar socialistas que não gostam de trabalhar”.
Se esse já era o discurso do começo do mandato, Milei agora sinaliza abertamente que espera que os Estados Unidos saiam do Acordo de Paris para logo fazer o mesmo. Má notícia para o mundo, mais ainda para a nossa região.
O pior é que, na sociedade argentina em geral, a pauta ecológica não parece importante nem sequer para eleitores. Por um lado, algo compreensível, visto a grave crise econômica do país. Ambientalistas locais, porém, chamam a atenção para o agravamento de várias situações que vêm ocorrendo apenas em solo argentino, mas que vão comprometer a produção e a inserção no mercado mundial daquele que já foi um dos grandes provedores de alimentos do mundo.
As secas tendem a ser cada vez mais comuns. Em 2023, perderam-se US$ 20 bilhões apenas com a destruição da safra do trigo e da soja devido a altas temperaturas. Embora os fatores climáticos tenham peso essencial, é notório o desinteresse em formular estratégias para que a economia argentina não dependa apenas desse índice.
A ganância por destruir mais e mais bosques em detrimento de novos territórios para a soja só agrava a situação. Não apenas porque desertifica essas áreas, mas porque dali expulsa vilarejos, sociedades, pequenas manufaturas, descaracterizando o campo argentino. Quem lê o romance “Salvatierra”, de Pedro Mairal, fica com uma imagem clara dessa devastação. A trilha da seca da soja vai enfileirando uma trilha de povoados fantasmas.
O mesmo processo facilita também os incêndios, provocados deliberadamente ou não. É comum nesses meses do ano sentir na capital portenha o cheiro de queimado que acaba chegando à região portuária.
No norte, esse processo de desmatamento em detrimento do agronegócio move populações originárias de indígenas de seus locais tradicionais de moradia, suas plantações, seus costumes. Com seus rios secando, eles abandonam sua vida até então mais ou menos harmônica para viver a favelização dos arredores das grandes cidades, como mendigos.
A realidade ainda é mais grotesca quando notamos que os rios que antes banhavam regiões como o Chaco, o norte de Santa Fé e Santo del Estero são hoje apenas diminutos fios de água. No antes opulento rio Paraná, a água desaparece, e com ela a rota dos pescadores e o coração da vida ribeirinha.
A Patagônia, apesar das neves de inverno, vem conhecendo temperaturas recorde e até mesmo incêndios, afastando o turismo e afetando a pesca local e a biodiversidade característica da região.
Não se trata apenas de violação de direitos ambientais e humanos, mas uma demonstração ao mundo que a Argentina vem escolhendo ser pária no debate ambiental. Se politicamente isso traz trunfos a Milei, por aproximar-se da agenda de Donald Trump, claramente é uma política que vai contra os interesses da economia argentina e, mais cedo que tarde, cobrará sua conta.
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