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Longas na vida curta – 19/10/2024 – Ruy Castro

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Longas na vida curta - 19/10/2024 - Ruy Castro

Não se passa um dia sem que, ao ler uma reportagem ou conversar com alguém sobre cinema, eu não fique confuso. As pessoas falam sobre o longa que viram ontem, perguntam-me se já fui assistir a esse ou aquele longa, qual o meu longa favorito do Woody Allen ou se tenho uma lista dos maiores longas do cinema. Significa que os filmes não são mais filmes. São longas. E o que me intriga é por que isso aconteceu. Sempre pensei que a classificação de “longa” para um filme fosse para diferenciá-lo dos “curtas”, que são os curtas-metragens. Mas quantos “curtas” assistimos por ano no cinema a ponto de precisar distingui-los dos “longas”?

Conheço o cinema desde o tempo do cinema surdo, e os únicos curtas a que me lembro de ter assistido foram os desenhos de Tom & Jerry ou Pernalonga. Tinham a metragem de um rolo —oito minutos. E o que se seguia a eles não era um “longa”, mas um filme de metragem normal, com entre uma hora e meia e duas de projeção. Noventa e nove por cento dos filmes duravam esse tempo.

O um por cento restante, sim, eram os longas-metragens: filmes como “Ben-Hur” (1959), de William Wyler, com 3h32; “Lawrence da Arábia” (1963), de David Lean, com 3h57; e o campeão em todos os sentidos, “E o Vento Levou” (1939), de Victor Fleming, com 4h03. “Berlim Alexanderplatz” (1980), de Reiner Werner Fassbinder, foi feito como série para a TV alemã, mas, com nada menos que 15h30, chegou também às telas —acho que o espectador tinha de se hospedar no cinema, como num hotel. Não fui ver, por medo de morrer de velhice.

Os longas, ou seja, filmes com três ou mais horas de projeção, precisavam ser blockbusters porque, com muito tempo na tela, tinham menos sessões por dia. Os estúdios só os bancavam se fossem bilheteria certa. Mas, às vezes se enganavam e tinham de engoli-los, casos de “O Rei dos Reis” (1960), de Nicholas Ray, com 2h41, “A Bíblia” (1966), de John Huston, com 2h54, e o campeão mundial do prejuízo, “Cleópatra” (1963), de Joseph L. Manckiewicz, com 4h03, que quase quebrou a Fox.

Se, hoje, qualquer filme de 1h30 é um “longa”, é porque a vida deve ter ficado curta.


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Partido da Esquerda Socialista elege novos líderes – DW – 19/10/2024

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Partido da Esquerda Socialista elege novos líderes – DW – 19/10/2024

da Alemanha perturbado Partido de Esquerda anunciou dois novos líderes no sábado – a jornalista Ines Schwerdtner e o ex-legislador parlamentar Jan van Aken.

A dupla foi eleita por membros do partido pós-comunista numa conferência nacional na cidade oriental de Halle.

Schwerdtner recebeu 79,8% dos votos, enquanto van Aken obteve 88%, informou a mídia local.

Por que isso é importante?

O Partido da Esquerda socialista lutou pela sobrevivência nos últimos anos, devido à ascensão da extrema-direita no seu coração tradicional dos estados da Alemanha Oriental. A extrema-direita AfD talvez tenha ofuscado o Partido de Esquerda devido à sua estrita posição anti-migração, com o Partido de Esquerda também a lidar com divisões internas.

Um dos membros mais proeminentes da esquerda, Sahra Wagenknecht, renunciou no ano passado para formar um novo partido populista anti-imigração em seu nome: a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW). O BSW também tem princípios económicos de extrema esquerda, mas uma abordagem mais conservadora sobre a migração em comparação com o Partido de Esquerda.

Wagenknecht levou consigo uma grande parte do partido parlamentar, o que fez com que a esquerda perdesse o seu estatuto oficial na câmara baixa alemã, o Bundestag.

A líder do BSW, Sahra Wagenknecht, fala durante um protesto contra a militarização em Berlim, Alemanha, em 3 de outubro de 2024
Sahra Wagenknecht tornou-se uma pedra no sapato do Partido Socialista de Esquerda da AlemanhaImagem: Christian Mang/REUTERS

Esses infortúnios levaram os líderes cessantes Janine Wissler e Martin Schirdewan a descer em agosto.

A esquerda também sofreu pesadas derrotas nas eleições regionais nos estados do leste da Alemanha no mês passado.

O que sabemos sobre os novos líderes?

Schwerdtner nasceu em Werdau, Saxônia, em 1989 – ano da queda do Muro de Berlim.

Ela trabalhou como jornalista e foi cofundadora e editora-chefe da revista socialista “Jacobin”.

Até 2022, Schwerdtner esteve envolvido num grupo que fez campanha para reformar as leis de arrendamento na capital da Alemanha, Berlim.

Ela só se juntou à esquerda no verão de 2023 e concorreu ao partido nas eleições europeias de junho, mas não conseguiu obter apoio suficiente.

No seu discurso de candidatura no sábado, Schwerdtner insistiu que a esquerda ainda era “a força da solidariedade” na Alemanha.

Ela apelou a um partido “que possa mudar a vida para melhor” e que represente “pessoas comuns”.

Schwerdtner também destacou a Esquerda como “a voz do Leste”, referindo-se aos estados da Alemanha Oriental.

Os novos colíderes do Partido de Esquerda, Ines Schwerdtner e Jan van Aken, seguram buquês de flores após serem eleitos na conferência do partido em Halle, Alemanha, em 19 de outubro de 2024
Jan van Aken (R) juntou-se ao partido em 2006, enquanto Ines Schwerdtner se inscreveu no ano passadoImagem: Hendrik Schmidt/dpa/picture Alliance

Enquanto isso, Van Aken foi legislador no Bundestag pelo Partido de Esquerda de 2009 a 2017.

Antes disso, foi inspetor de armas biológicas nas Nações Unidas e especialista em engenharia genética no Greenpeace.

No seu discurso de candidatura, Van Aken insistiu que o apoio público ao Partido de Esquerda foi “muito mais vivo do que as eleições mostram”, observando como havia “tanta energia, tanto fogo” a nível popular.

Apelando a uma distribuição mais justa da riqueza e a mais solidariedade na sociedade, o homem de 63 anos disse aos membros: “Acho que não deveria haver bilionários”.

Ele também apelou à unidade dentro do partido após meses de inquietação, acrescentando: “De agora em diante, não há mais lutas”.

O que é o Partido de Esquerda?

O Partido de Esquerda (conhecido como Die Linke na Alemanha) foi fundado a partir de uma fusão em 2007 de dois partidos de esquerda.

Através de um dos seus antecessores, o partido é descendente direto do partido governante Marxista-Leninista de antiga Alemanha Oriental.

A esquerda faz campanha pelo socialismo democrático como alternativa ao capitalismo e tem 28 assentos no Bundestag, com 736 assentos, mas a sua facção parlamentar foi dissolvida no ano passado como resultado da divisão do partido.

Isto significou uma grave perda de influência no Bundestag, embora os seus membros ainda tenham assento no parlamento, alguns como não-alinhados.

O objetivo declarado do Partido de Esquerda é um retorno total ao Bundestag após as eleições federais de 2025 na Alemanha.

Para isso, seria necessário garantir 5% dos votos nacionais nas próximas eleições, marcadas para 28 de setembro.

Em 2021, obteve 4,9% de apoio, mas foi autorizado a continuar no Bundestag, graças a uma regra pouco conhecida.

A nível nacional, a esquerda está atualmente com 3-4%.

mm/wd (dpa, AFP)



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Militares da Coreia do Norte devem atuar na fronteira da Rússia com a Ucrânia; saiba mais sobre essas forças

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Militares da Coreia do Norte devem atuar na fronteira da Rússia com a Ucrânia; saiba mais sobre essas forças

  • Tensão: Zelensky afirma que 10 mil soldados norte-coreanos estão sendo preparados para se juntar às tropas russas
  • Execução de 30 funcionários na Coreia do Norte: Imprensa internacional repercute ordem de Kim Jong-un após 4 mil mortes em enchente

Os relatos de que soldados da Coreia do Norte estão sendo treinados pela Rússia circulam desde a assinatura, em junho, de um acordo entre Moscou e Pyongyang, que prevê ações de defesa mútua em caso de ataque aos países — e como aponta a imprensa ucraniana, a decisão de mandá-los para a guerra parece ter sido tomada.

Nesta primeira etapa, cerca de 3 mil militares fariam parte de uma formação especialmente criada pela Rússia, o “Batalhão Especial Buriate” — fisicamente, boa parte da população da Buriátia, região na Sibéria mencionada no nome da unidade, se assemelha aos norte-coreanos. Eles atuarão ao lado da 11ª Brigada de Assalto Aéreo na região de Kursk, onde forças ucranianas ainda controlam parte do território russo. Há operações previstas ainda em Sudja, uma pequena cidade na mesma área que foi tomada por Kiev nos primeiros dias da incursão, em agosto.

— Eles estarão prontos [para lutar na Ucrânia] no dia 1º de novembro — disse, em entrevista ao site militar The War Zone, Kyrylo Budanov, chefe do Serviço de Inteligência Militar do Ministério da Defesa da Ucrânia.

Na mesma entrevista, Budanov disse que há cerca de 11 mil soldados norte-coreanos na Rússia, e os serviços de inteligência da Coreia do Sul dizem que voos de transporte de tropas estão acontecendo de forma regular através da fronteira entre os dois países. O treinamento ocorre nos arredores de Vladivostok, na costa do Pacífico e a cerca de 780 km da fronteira norte-coreana.

  • Amplo arsenal: Quais são as armas que a Coreia do Norte é acusada de enviar à Rússia?

A Coreia do Norte mantém uma estreita parceria militar para fornecer armas e, especialmente, munições para o esforço de guerra russo na Ucrânia, uma parceria que ignora sanções internacionais, e que se intensificou a partir de setembro do ano passado, após uma visita do líder do país, Kim Jong-un, à Rússia.

Peças de artilharia, vitais em um conflito travado ao longo de trincheiras, foguetes de curto alcance e armas leves passaram a ser transportadas dos arsenais norte-coreanos até as linhas de frente, e deram aos russos uma vantagem sobre um rival que enfrenta problemas para se defender das investidas.

O envio de tropas, que também não foi confirmado por Rússia ou Coreia do Norte, eleva a parceria a um novo patamar, mas com efeitos práticos ainda incertos: embora numerosas e supostamente bem-treinadas, essa é a primeira vez em que as forças norte-coreanas são mandadas em grande número para uma guerra no exterior.

Durante a Guerra do Vietnã (1955-1975), Pyongyang enviou pilotos de caça e unidades de guerra psicológica, e na Guerra do Yom Kippur (1973), pilotos e militares de apoio foram empregados no Egito. Conselheiros foram enviados ainda a outros países do Oriente Médio e África.

— Para a Coreia do Norte, que forneceu à Rússia muitos projéteis e mísseis, é crucial aprender a manusear diferentes armas e ganhar experiência de combate no mundo real — disse à AFP Lim Eul-chul, professor do Instituto de Estudos do Extremo Oriente de Seul. — Isso pode até ser um fator determinante por trás do envio de soldados norte-coreanos: para fornecer a eles experiências diversas e treinamento em tempo de guerra.

Para os russos, a presença dos militares pode ser crucial para expulsar os ucranianos de Kursk sem comprometer as operações na Ucrânia, mas a decisão de empregar combatentes estrangeiros também expõe as limitações humanas da Rússia e a pouca vontade do presidente Vladimir Putin de anunciar uma nova e impopular mobilização.

  • Assinado em junho: Tratado com Coreia do Norte prevê ‘assistência mútua’ em caso de ‘agressão’, diz Putin

A escolha das tropas enviadas à Rússia não foi por acaso. Segundo a agência sul-coreana Yonhap, os militares integram uma unidade de elite do Exército, conhecida como Corpo de Assalto, composta por brigadas aérea, de infantaria e de atiradores de elite. Estima-se que a unidade tenha entre 40 mil e 80 mil integrantes.

Os militares atuam em áreas da fronteira com a China, e serviços de inteligência citam sua lealdade ao regime e sua “crueldade” durante as operações — a unidade afirma ter autoridade para “atirar para matar” em qualquer um que se aproxime da divisa do país, seja combatente ou civil. Ela ainda estaria envolvida em ações para conter “comportamentos inapropriados”, como a distribuição de panfletos contra o regime ou o comércio ilegal de músicas e séries da Coreia do Sul. Kim Jong-un, afima a Yonhap, teria inspecionado a unidade ao menos duas vezes desde setembro.

Líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un (no centro, de preto) acompanha teste de artilharia ao lado de soldados — Foto: KCNA VIA KNS / AFP

Há alguns dias, informações preliminares já apontavam para a presença de militares da Coreia do Norte em áreas de combate. Citando testemunhas em Mariupol, o jornal Kyiv Post disse que foram observadas pessoas na cidade usando uniformes “que não pareciam russos”.

— Há confirmação de nosso pessoal lá, mas infelizmente sem fotos ou vídeos, apenas testemunhas. Também há relatos dos russos — disse o prefeito pró-Kiev de Mariupol, Petro Andriushchenko, ao Kyiv Post. — E não são apenas soldados, há instrutores também. Pessoas importantes.

No começo do mês, Kiev e Seul afirmaram que seis oficiais norte-coreanos morreram em um ataque com mísseis na região de Donetsk. Como esperado, não houve confirmação por parte de Moscou ou Pyongyang.

  • Em visita a Pyongyang: Putin diz a Kim Jong-un que ‘aprecia o apoio norte-coreano’ sobretudo em relação à Ucrânia

Em paralelo, a mídia estatal norte-coreana revelou, na quarta-feira, que “1,4 milhão de jovens sindicalistas e jovens estudantes em todo o país solicitaram veementemente o alistamento ou a entrada no serviço militar do Exército Popular”. Um movimento associado ao aumento das tensões com a Coreia do Sul: nos últimos dias, a Coreia do Norte destruiu estradas que ligavam os dois lados da Península, e Pyongyang acusou Seul de invadir seu espaço aéreo com drones.

“Milhões de jovens estão na vanguarda de uma luta maciça que irá aniquilar o povo coreano, que criou um estado de tensão às vésperas de uma guerra que está a acelerar a autodestruição através de graves violações da soberania contra a capital da nossa nação, e que ainda estão falando contra o inimigo e fazendo comentários ultrajantes”, diz o texto da agência estatal KCNA. “O grande Exército apareceu.”

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As 3 viajantes esquecidas pela História do Egito antigo – 19/10/2024 – Ciência

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As 3 viajantes esquecidas pela História do Egito antigo - 19/10/2024 - Ciência

Kathleen Sheppard

Em 1864, a escritora de viagens inglesa Lucie Duff Gordon (1821-1869) morava em sua casa no topo do Templo de Luxor, no Egito.

De pé, ela olhava pela janela para a margem ocidental do rio Nilo, em direção às montanhas da Líbia. Gordon apreciava o sol atingindo seu rosto, enquanto ouvia a mistura de sons daquele ambiente —os cães latindo, os burros zurrando e os camelos blaterando.

Ela sentia saudades da família, que havia deixado em Londres enquanto convalescia no clima quente do deserto do Egito, para tratar dos sintomas da sua tuberculose.

Gordon morava na Maison de France (Casa da França, em português), construída pelos militares na região, perto de 1815. Ela adorava seu “Palácio de Tebas”, como ela o chamava, e escrevia cartas para a família quase todos os dias, na sua varanda.

Suas Cartas do Egito traziam ricos detalhes da época que ela passou no país e foram publicadas um ano depois, na forma de livro.

As cartas contêm expressivos detalhes sobre a política e os costumes religiosos egípcios da época, além do relacionamento de Duff Gordon com seus vizinhos locais. O livro se destacou como crônica sociocultural de uma época em que a maioria das mulheres escrevia apenas ficção.

O exemplo de Duff Gordon, uma mulher britânica que viajou e morou sozinha no Egito, logo inspiraria outras mulheres viajantes a repetir sua experiência.

Pouco mais de uma década depois, a romancista Amelia Edwards (1831-1892), incentivada pelas experiências de Lucie Duff Gordon, visitou o Egito e publicou um livro de viagem que se tornaria um best-seller, chamado “Mil Milhas Nilo Acima” (Ed. Juruá, 2024).

E a obra de Edwards, por sua vez, despertou o interesse da rica viajante americana Emma Andrews (1837-1922), que fez avançar a arqueologia no Egito no início do século 20. Ela financiou a escavação de dezenas de tumbas e muitas delas são estudadas ativamente até hoje.

Embora tenham viajado inicialmente como turistas, as três mulheres influenciaram profundamente a egiptologia, que é o estudo científico do Egito antigo. Com isso, elas formaram as bases do nosso conhecimento sobre uma das civilizações mais importantes da Antiguidade – e também incentivaram o turismo para o Egito na virada do século 20.

As viagens de Edwards

Entre novembro de 1873 e março de 1874, Amelia Edwards e sua parceira Lucy Renshaw (1833-1919) subiram o Nilo em uma casa flutuante, o barco Philae.

Elas visitaram todos os locais recomendados pelo guia de viagem de Murray —as pirâmides de Gizé; as pirâmides de Saqqara, o cemitério de Beni Hasan; o templo de Dendera; os templos de Luxor, o Vale dos Reis e outros túmulos em Tebas; e sítios arqueológicos em Esna, Assuã e Abu Simbel.

Na época, ainda não existiam trabalhos de preservação daqueles locais. Por isso, os lugares que elas visitaram, em sua maioria, estavam degradados. Mas Edwards queria mudar esta situação.

As mulheres passaram várias semanas em Luxor naquele mês de março. Edwards visitou a antiga casa de Duff Gordon. Mas, quando viu a pilha de tijolos no topo do templo, ela ficou abalada com o estado do local.

Depois de enfrentar dificuldades após vários anos de enchentes do Nilo, o venerado “palácio de Tebas” de Duff Gordon mal tinha condições de moradia.

Edwards escalou o interior da casa e foi até a janela, para olhar sobre o rio e para a planície de Tebas no lado oposto. E, ao observar o que via Duff Gordon, Edwards escreveu que aquela visão “decorava o quarto e tornava aquela pobreza esplêndida”.

Ela sonhou em poder viver ali. “Como eu gostaria de ter aquela vista maravilhosa, com sua infinita beleza de luzes, cores e espaço, sua história e seu mistério, sempre na minha janela.”

Aquela foi a única viagem de Edwards ao Egito. Mas seu diário de viagem poético atraiu incontáveis mulheres viajantes ao país. Publicado originalmente em 1877, “Mil Milhas Nilo Acima” se tornaria um dos livros de viagem mais vendidos de todos os tempos.

Parte diário de viagem, parte história bem pesquisada, a narrativa vibrante de Edwards descreve o cenário ao longo do Nilo. Mas, ao contrário do guia de Murray, Edwards não se limitou a recomendar que os visitantes parassem para observar os locais e monumentos. Ela defendeu sua preservação para as gerações futuras.

A popularidade da obra fez com que as pirâmides de Gizé, o Vale dos Reis e outros túmulos que hoje são famosos passassem a ser paradas essenciais dos viajantes no Egito, nos 50 anos seguintes. Mas o mais importante é que ele chegou aos acadêmicos de tal maneira que acabou por formar as bases dos estudos e da recepção aos turistas naqueles locais até hoje.

O sucesso do livro de Edwards a levou a ser uma das criadoras da Sociedade de Exploração do Egito (EES, na sigla em inglês), em 1882. Inspirada pelos objetivos de Edwards, de promover a conservação dos monumentos do país, a EES levantou dinheiro para as escavações oferecendo assinaturas.

Os seus assinantes —a maioria, britânicos de classe média— recebiam relatórios sobre sítios arqueológicos e escavações todos os anos. Os relatórios continham mapas, listas, desenhos e novos estudos acadêmicos. Eles educaram e informaram o público sobre o Egito antigo por cerca de 150 anos.

Turismo histórico

“Mil Milhas Nilo Acima” também estimulou e se beneficiou, ao mesmo tempo, do desenvolvimento de pacotes de viagens oferecendo turismo arqueológico.

A partir de 1855, o empresário inglês Thomas Cook (1808-1892) e a companhia de viagens que levava seu nome começaram a oferecer pacotes de viagens completos pela Europa.

Populares junto à classe média alta e entre os aristocratas, esses pacotes incentivavam as pessoas a viajar para destinos como Atenas, na Grécia, e Roma, na Itália. Os turistas não só exploravam a cultura contemporânea, mas também visitavam os monumentos antigos para aprender sobre sua importância histórica.

O argumento era que, já que você se dispôs a gastar tanto dinheiro em uma viagem, deveria também aprender com ela e apoiar a economia local.

A empresa de Cook se expandiu para o Egito em 1869. Com isso, o turismo arqueológico no norte da África ficou disponível para o grande público —e para as mulheres que desejassem viajar sozinhas com segurança.

No final dos anos 1880, a empresa de Cook levava mais de 5 mil pessoas para subir o Nilo todos os anos, seguindo de perto o itinerário de Edwards. E, graças à popularidade dos seus pacotes, Thomas Cook controlava as viagens de navio pelo Nilo para todos os visitantes.

Em 1889, 15 anos depois que Amelia Edwards deixou o Egito, Emma Andrews e seu parceiro, Theodore Davis (1837-1915) —dois milionários americanos e colecionadores de arqueologia— chegaram ao país com uma cópia do livro de Edwards e diversos folhetos turísticos de Cook.

O casal era membro da filial americana da EES, que havia se expandido para os Estados Unidos poucos anos depois da fundação. Inspirados pelo livro de viagem de Edwards, eles rapidamente alugaram e equiparam uma casa flutuante particular para sua primeira viagem subindo o rio.

O livro “Mil Milhas Nilo Acima” e os folhetos de Cook guiaram o casal durante sua viagem de ida e volta pelo Nilo. Eles pararam em todos os locais sugeridos por Edwards e, depois, por Cook.

Como Duff Gordon e Edwards antes deles, o casal se apaixonou imediatamente pelo Egito. Eles viajariam pelo Nilo todos os anos, nos 25 anos seguintes.

Andrews e Davis eram turistas arqueológicos por excelência. Membros da classe alta, eles desejavam passar férias e também aprender sobre os locais antigos que encontravam. Eles compravam artefatos antigos e reuniram enormes coleções.

Andrews sofreu a influência das suas próprias viagens e do incentivo de Edwards no seu diário de viagem: “Estamos sempre aprendendo e sempre há mais para aprender; estamos sempre buscando e sempre há mais para encontrar.”

De 1900 até sua saída do Egito, em 1914, Andrews e Davis pagaram e escavaram pessoalmente entre 25 e 30 túmulos no Vale dos Reis. Suas pesquisas arqueológicas se encontram entre as mais importantes do país.

Os bisavós de Tutancâmon

As leis de escavação do Egito na época determinavam que a maioria dos artefatos seria depositada no Museu do Cairo, enquanto os objetos duplicados seriam de propriedade privada do financiador ou do arqueólogo.

Em 1905, o casal e sua equipe encontraram a tumba nº 46, de Yuya e Thuya, pais da rainha Tiye (a principal esposa do faraó Amenófis 3º) e bisavós do faraó Tutancâmon.

Na época, aquela era a tumba mais preservada já encontrada no Egito, com a maior parte do equipamento funerário ainda no seu interior. Sua deslumbrante máscara funerária está em exposição no Cairo até hoje e sua cadeira intacta —apenas a segunda já encontrada— fica bem ao lado deles.

Os artefatos são importantes, mas os diários de Andrews são fundamentais para o nosso conhecimento sobre os sítios arqueológicos. Seus registros fornecem um relato detalhado das atividades do casal por um quarto de século.

Ela contou detalhadamente sobre suas escavações, com mapas e relatos diários dos visitantes e dos artefatos descobertos. Davis incluiu grande parte dos diários de Andrews nos seus próprios registros publicados, sem oferecer os créditos devidos.

Andrews incluiu nos seus relatos as pessoas que haviam sido ignoradas por tantos escritores homens: trabalhadores egípcios, negociantes de antiguidades, capitães de navios e sua tripulação. Sua perspectiva foi fundamental para formar as bases do nosso conhecimento sobre séculos da história do Egito.

O legado de Andrews também sobrevive no Museu Metropolitano de Arte de Nova York, nos Estados Unidos. Ela e Davis ofereceram grande parte das suas coleções —mais de 1,6 mil artefatos egípcios— e de suas fortunas para o museu.

Todos os anos, milhões de visitantes observam os artefatos, como os vasos canópicos da controversa tumba KV 55. As más práticas de escavação de Davis fizeram com que, até hoje, os arqueólogos não consigam saber ao certo de quem eram os restos mumificados no seu interior.

Existe também uma garrafa d’água decorada e restaurada da procissão funerária do rei Tutancâmon, um dos poucos artefatos do faraó atualmente fora do Egito.

O trabalho de Andrews fez com que estes fragmentos da vida e da morte no Egito antigo ficassem acessíveis para acadêmicos e estudantes. Eles oferecem ao Ocidente uma rara visão de como os antigos egípcios homenageavam seus mortos.

Nossa fascinação e conhecimento atual sobre o Egito antigo se deve, em grande parte, a este trio de mulheres esquecidas.

Da mesma forma que ocorreu com seus colegas homens, o trabalho das três mulheres também enfrentou controvérsias. Elas eram pessoas relativamente abastadas, que viajaram, moraram no Egito e se beneficiaram profissionalmente do país, levando artefatos históricos para o exterior.

Ainda assim, seus legados frequentemente ignorados criaram as bases da egiptologia moderna, influenciando todo o nosso conhecimento sobre o mundo antigo.

* Kathleen Sheppard é professora do Departamento de História e Ciências Políticas da Universidade de Ciência e Tecnologia do Missouri (Missouri S&T), nos Estados Unidos. Ela é autora do livro (em inglês) Mulheres no Vale dos Reis.

Texto publicado originalmente aqui.





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