POLÍTICA
Malafaia escancarou o racha da direita e Bolsonaro…
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Matheus Leitão
“Covarde, omisso, que se baseia em redes sociais e não quer se comprometer. Fica em cima do muro. Para ficar bem, sabe com quem? Com seguidores [de redes sociais]. […] Que porcaria de líder é esse?” A verborragia, sabemos, é do líder evangélico Silas Malafaia em entrevista à jornalista Mônica Bergamo da Folha de S.Paulo. Houve quem achasse um absurdo dar ouvidos a Malafaia, que não tem cargo e nem filiação partidária. Creio que por estes motivos mesmos é que se tenha de prestar atenção ao que vociferou o pastor na última semana. Malafaia foi lá e puxou a corda. Testou para ver até onde vai a força de Bolsonaro como líder da direita. E por que ele fez isso? Porque as urnas parecem ter dito que a direita não tem dono e, talvez, ainda é só um talvez, o eleitor médio esteja querendo um líder mais palatável. É hora, portanto, de colocar o líder na berlinda.
O primeiro ponto a se olhar é a vitória dos partidos de centro e de direita. A alcunha de centro é sempre atrelada ao fisiologismo político, mas há de se concordar que é esta a história do voto na Nova República. Eleitores nos últimos quarenta anos tem se mostrado assim: um tanto quanto conservadores, religiosos e com hábitos tradicionais do ponto de vista familiar. Ao menos este é o filme quando olhamos para o período, com raras exceções à esquerda, quando na primeira década do século se viu um voto mais “progressista”. Ou com uma guinada bem mais à direita, quando se materializou um eleitor mais reacionário desde a eleição de 2018, quando Bolsonaro fez coro e puxou a direita para um lugar de liderança no cenário nacional.
Perceba que Bolsonaro é o líder desta direita e ninguém ainda ousa dizer completamente o contrário, embora muitos arrisquem veladamente com frases soltas aqui e ali. Malafaia, por mais que tenha sido enfático em suas palavras, entende o poder do ex-presidente, mas percebe que o cenário que vai se mostrando é outro. Se no passado quem brigasse ou ousasse discordar do ex-presidente era catapultado ao ostracismo, a exemplo de Joice Hasselmann e João Doria, o enredo agora é um pouco distinto.
Bolsonaro está inelegível, nunca teve uma história de lealdade partidária. Por onde passou valeu-se de extrair para si e para a família o que lhe era necessário. Terminado o extrativismo, pulava fora. Passou por 8 partidos e amealhou seguidores fanáticos, mas pouquíssimos apoiadores leais. E em momentos difíceis, principalmente no contexto da vida partidária, amigos leais fazem a diferença. Lula e o PT que o digam.
Um segundo ponto é que por estes motivos todos, Bolsonaro se tornou um líder duvidoso. Tivesse ido para o embate, mesmo perdendo, talvez colhesse outros frutos. Não o fez porque não seria capaz. Ele nunca perdeu eleição e quando perdeu, tentou ganhar no tapetão e na base do golpe. E agora tem seguidores, muitos eleitores, mas não pode ser votado. Seu papel é o de cabo eleitoral, mas ele não gostou da indumentária do coadjuvante. O sistema partidário não pode esperar e a fila anda.
E aí é que voltamos ao começo do texto. Malafaia está testando quem pode ser o substituto. Aparentemente aponta o dedo para Tarcísio de Freitas, o tal líder moderado do bolsonarismo. Ora, ora.. de novo vem a pergunta: mas por que Malafaia teria essa prerrogativa? Há outros tantos que o têm, claro. Ciro Nogueira saiu em ofensiva para demarcar território, por exemplo.
Mas a resposta à importância da fala de Malafaia eu deixo a cargo do próprio Bolsonaro que silenciou e amenizou a situação. Se o fez, é porque entende que a liderança do pastor frente à parcela dos muitos evangélicos é importante, bem como seu poder sobre a bancada de pastores é igualmente inquestionável. Assim como um certo poder sobre ele, Bolsonaro, também parece ficar escancarado. “Vamos pra rua e para de chorar” diz Malafaia em certo momento da entrevista. Ele se coloca como tutor de Bolsonaro que aparentemente veste a carapuça.
Em tempo, vale lembrar que mesmo se colocando com um líder suprapartidário e testando seus poderes nesse campo, Malafaia faz todo o escarcéu porque sai em defesa de seu próprio reduto, ou seja, a igreja como instituição que faz a mediação entre fiel e o divino. Não por acaso, menciona o poder e a inteligência de Marçal ao criar uma legião de mais de dois milhões de adeptos que compram seus cursos, formam núcleos e são instados a professar sua fé sem a intermediação da igreja e a contribuição de dízimos. Sua revolta é também uma cobrança aos que não estiveram nessa trincheira com ele, mas também um alerta ao discurso antissistema não só no campo político, mas – e principalmente – religioso.
E sobre o novo líder que possa fazer coro ao voto da massa que parece se identificar com a centro-direita? Há muitos, obviamente. Mas uma coisa é certa: não será apenas com Jair Bolsonaro e com o PL de Valdemar da Costa Neto que esse jogo terá de ser combinado, mas com todos os partidos que têm colhido frutos da guinada à direita dos últimos anos. O União Brasil com o governador Ronaldo Caiado, o Republicanos com o governador Tarcísio de Freitas, o PP de Ciro Nogueira, o PSD de Kassab, todos estarão sentados à mesa querendo uma fatia desse bolo. Gilberto Kassab, que olha mais para 2030, seja pela conjuntura, seja pela por interesses próprios, parece ser o que mais tem noção do que vem pela frente, a se ver.
* Rodrigo Vicente Silva é mestre e doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Cursou História (PUC-PR) e Jornalismo (Cásper Líbero). É editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política. Está vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem). Contribui semanalmente com esta coluna
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Bolsonaro critica Moraes após indiciamento: ‘Faz t…
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21 de novembro de 2024 Da Redação
Após ser indiciado pela Polícia Federal, o ex-presidente Jair Bolsonaro publicou em sua conta na rede social X, nesta quinta-feira, 21, trechos de uma entrevista sua ao site Metrópoles. Na reportagem, ele informa que irá esperar o seu advogado para avaliar o indiciamento e disse que usam de “criatividade” no inquérito.
“Tem que ver o que tem nesse indiciamento da PF. Vou esperar o advogado. Isso, obviamente, vai para a Procuradoria-Geral da República. É na PGR que começa a luta. Não posso esperar nada de uma equipe que usa a criatividade para me denunciar”, disse o ex-presidente.
Bolsonaro também criticou o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF). “O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei”, criticou Bolsonaro.
Bolsonaro é um dos 37 indiciados no inquérito da Polícia Federal que apura a existência de uma organização criminosa acusada de atuar coordenadamente para evitar que o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu vice, Geraldo Alckmin, assumissem o governo, em 2022, sucedendo ao então presidente Jair Bolsonaro, derrotado nas últimas eleições presidenciais.
O relatório final da investigação já foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Também foram indiciados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos; o ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin) Alexandre Ramagem; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno; o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; o presidente do PL, Valdemar Costa Neto; e o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, Walter Souza Braga Netto.
(Com Agência Brasil)
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Rumor de vaga inesperada no TCU movimenta os polít…
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21 de novembro de 2024 Laryssa Borges
De Fernando Haddad a Tarcísio de Freitas, não há político que, por conveniência ou cautela, não peça hoje as bênçãos do Tribunal de Contas da União para tentar evitar uma futura dor de cabeça. Recentemente, o ministro da Fazenda enviou explicações espontâneas sobre as previsões de receitas que garantiriam o cumprimento da meta de déficit zero neste ano, enquanto o governador de São Paulo pediu subsídios técnicos para uma intervenção na companhia que fornece luz aos paulistanos. Mas nem sempre foi assim. Como órgão de assessoramento do Congresso, o TCU se limitava a analisar (burocraticamente) as prestações de contas do governo e questões comezinhas envolvendo prefeitos do interior. A mudança de patamar começou após a Corte fornecer, em 2016, os argumentos que resultaram no impeachment de Dilma Rousseff. Depois disso, as prerrogativas foram se alargando. O tribunal passou a arbitrar parâmetros para concessões de infraestrutura, a atuar como braço fiscalizador de obras, a inspecionar compras e a acompanhar o andamento de programas federais — o que conferiu aos seus nove ministros poder e protagonismo excepcionais. Por isso, a notícia de que uma vaga inesperada no TCU poderá surgir em breve tem movimentado a classe política.
+ AMARELAS ON AIR: Assista à entrevista com Bruno Dantas
Em janeiro do ano que vem, Vital do Rêgo vai assumir a presidência do tribunal. Bruno Dantas, o ministro que deixará o posto, já anunciou que pretende passar uma temporada no exterior como pesquisador em uma universidade americana. A ideia, a princípio, é continuar participando virtualmente dos julgamentos e retornar ao Brasil no segundo semestre de 2025. Há rumores, porém, de que ele também considera a possibilidade de antecipar sua aposentadoria e migrar para o setor privado.
Dantas imprimiu um estilo próprio ao tribunal nos últimos dois anos. Ex-consultor do Senado, ele é considerado como o mais político de todos os seus colegas. Seu gabinete é um ponto de peregrinação de prefeitos, parlamentares e ministros de Estado. Em seu apartamento, costuma receber para jantar empresários, juízes do Supremo Tribunal Federal e até o presidente da República — rotina natural no dia a dia de qualquer representante de uma instituição em Brasília.
No caso de Bruno Dantas, porém, é mais que isso. É uma estratégia de trabalho. “Aprendi o valor que tem quem faz a mediação entre a técnica e a política. Recebo todos os dias romarias de políticos que estão com suas contas sob julgamento do TCU, e o meu raciocínio é sempre o mesmo: há algo dentro da lei e do meu senso de justiça que possa ser feito para ajudar essa pessoa?”, explica ele a VEJA. Em dez anos como ministro, Dantas expandiu as áreas de atuação da Corte e comprou briga com diferentes espectros partidários, especialmente os setores mais próximos ao governo Bolsonaro. Às vésperas da eleição presidencial, por exemplo, ele se articulou com o ministro Alexandre de Moraes para reagir ao discurso do ex-presidente de que as urnas eletrônicas eram passíveis de fraude. Na época, o tribunal se prontificou a auditar o sistema de votação e passou a acompanhar os testes de integridade. Foi uma forma bem-sucedida de desidratar o discurso dos bolsonaristas que colocavam em dúvida a segurança do processo.
Antes disso, o tribunal já havia fustigado o governo durante a pandemia, infernizou até onde pôde o hoje senador Sergio Moro por causa da Operação Lava-Jato e defendeu em público, já no governo Lula, a desvinculação de benefícios previdenciários do aumento do salário mínimo, proposta que coincide com o que prega a atual equipe econômica, mas contraria o discurso do PT. O trânsito com os principais expoentes do Congresso e o amplo arco de amizades que cultivou ao longo do tempo levaram o ministro a ser listado entre os favoritos à última vaga no Supremo Tribunal Federal, que acabou ocupada por Flávio Dino. É um currículo invejável e extremamente valorizado pela iniciativa privada. Procurado, Bruno Dantas refutou as especulações sobre sua saída. Aos 46 anos, ele lembra que pode ficar no cargo até 2053. “Não me passa pela cabeça sair do TCU, casa à qual me afeiçoei profundamente, onde fiz muitos amigos e modestamente ajudei a construir um novo perfil, mais didático e resolutivo e menos policialesco e punitivista”, garantiu. Pelo sim e pelo não, a cobiça tem falado mais alto. De olho nessa vistosa fonte de poder, mesmo que, por enquanto, ela não passe de miragem, os políticos já elaboram listas com nomes de candidatos ao posto.
Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920
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Conspiração dentro do Planalto empurra trama golpi…
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21 de novembro de 2024 Laryssa Borges
Na Presidência da República, Jair Bolsonaro confrontou instituições, lançou dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral e radicalizou o discurso, especialmente contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Ele sempre negou que tal postura tenha relação direta com a ação de seus apoiadores extremistas, que incendiaram ônibus nas ruas de Brasília, planejaram explodir um caminhão de combustível no aeroporto da capital e finalmente invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes no fatídico 8 de Janeiro. Sob a alegação de que joga dentro “das quatro linhas da Constituição”, o ex-presidente também sempre negou que tenha articulado ou participado de qualquer trama golpista para impedir a posse de Lula. Apesar disso, a Polícia Federal (PF) investigava há tempos indícios de que Bolsonaro, alguns de seus auxiliares e um punhado de militares cogitaram anular o resultado da eleição de 2022 para manter o capitão no comando do país. Outras descobertas reforçaram as suspeitas de organização de uma insurreição antidemocrática, mas nada comparado aos fatos graves — e estarrecedores — tornados públicos na terça-feira 19, que complicaram a situação jurídica do ex-presidente e culminaram em seu indiciamento pelos crimes de tentativa de golpe, tentativa de abolição do estado de direito e organização criminosa.
Além de Bolsonaro, a Polícia Federal acusou outras 36 pessoas pelos mesmos crimes. Na lista estão quatro ex-ministros do governo passado (Walter Braga Netto, da Casa Civil, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, Paulo Sérgio de Oliveira, da Defesa, e Anderson Torres, da Justiça), o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, o ex-assessor internacional da Presidência Filipe Martins, e alguns militares graduados (Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do presidente, e o general Estevam Theophilo Gaspar, ex-membro do Alto-Comando do Exército). O inquérito foi encaminhado, na quinta-feira 21, ao ministro Alexandre de Moraes, que agora vai remetê-lo à Procuradoria-Geral da República, a quem caberá denunciar ou não os suspeitos. Dois dias antes do indiciamento, a pedido da PF, Moraes havia determinado a prisão de quatro militares e um agente da Polícia Federal suspeitos de urdir um plano para matar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio Moraes.
Para os investigadores, Bolsonaro e seus principais auxiliares estavam no epicentro dessa trama diabólica. A polícia afirma que uma reunião preparatória para o planejamento do assassinato de Lula, Alckmin e Moraes foi realizada na residência do general Braga Netto, ex-ministro, braço direito e candidato a vice na chapa presidencial de Bolsonaro em 2022. Além disso, à frente do projeto “Punhal Verde Amarelo” — o nome que os extremistas escolheram para a ofensiva criminosa e antidemocrática — estava o general Mario Fernandes, secretário-executivo da Secretária-Geral da Presidência no governo Bolsonaro. É justamente a atuação dele que fez a PF reafirmar a certeza sobre a participação de Bolsonaro no caso.
Apesar de desconhecido pelo grande público, o general Mario Fernandes tinha livre acesso ao ex-presidente. Quando era comandante de Operações Especiais do Exército, ele foi um dos responsáveis pelo esquema de segurança da posse de Bolsonaro na Presidência. A aproximação entre os dois ocorreu de forma mais definitiva sete meses depois, quando o então mandatário fez uma visita institucional à sede da corporação comandada por Fernandes, em Goiânia. Juntos, os dois vistoriaram exercícios de guerrilha urbana e acompanharam treinamentos de tiro no que é conhecido como “sala de matar”, um compartimento escuro em que alvos eletrônicos com silhuetas humanas testam a destreza do atirador. Convertido ao bolsonarismo, o general se radicalizou depois de não ter sido promovido na carreira e, como definiu um outro general a VEJA, “virou um ativista”. Essa definição não é de todo apropriada, já que a PF reuniu elementos de que Fernandes redigiu o plano para assassinar Lula e Alckmin no fim de 2022 — portanto, antes da posse — e sequestrar e explodir o ministro Alexandre de Moraes, que na época também chefiava a Justiça Eleitoral.
O “Punhal Verde Amarelo” e seu autor foram descobertos porque os policiais encontraram mensagens em um aplicativo no celular de um militar, também preso na semana passada, que já era investigado por conversar com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, sobre a possibilidade de uma virada de mesa. Depois, os policiais apreenderam arquivos guardados pelo próprio Mario Fernandes, apontado por Cid na colaboração premiada como “um dos militares mais radicais” do entorno presidencial. Nos documentos, o general avalia a chance de êxito do plano do triplo assassinato como “média tendendo a alta”, faz estimativas de baixas de civis e militares, considerando-as aceitáveis, e lista formas diferentes de execução das mortes e até os armamentos que poderiam ser usados. Egresso das Forças Especiais, grupo de elite preparado para situações de confronto, Mario Fernandes faz um roteiro minucioso, ousado e marcado pela frieza. Identificados por alcunhas, Lula, o “Jeca”, e Alckmin, o “Joca”, deveriam ser mortos para que a chapa vitoriosa fosse “extinta” e abrisse caminho para a perpetuação de Bolsonaro no poder.
O general ainda desenhou o governo golpista que emergiria depois da “neutralização” do presidente eleito, que poderia ocorrer, segundo ele, por envenenamento, dada a suposta “vulnerabilidade de seu atual estado de saúde e sua frequência a hospitais”. A nova gestão seria tocada por expoentes da administração Bolsonaro. O general Braga Netto, por exemplo, seria nomeado coordenador-geral do “Gabinete Institucional de Gestão de Crise”. O ex-comandante do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno, alvo de buscas no início do ano por suspeita de participação na tentativa de golpe, seria o chefe de gabinete do grupo, enquanto o ex-assessor para Assuntos Internacionais Filipe Martins, preso por seis meses por ordem de Moraes, teria o posto de Relações Institucionais. Ocupante de cargos estratégicos na Secretaria de Governo, na Casa Civil e na Secretaria-Geral da Presidência, Mario Fernandes tinha acesso direto ao então presidente, dizem autoridades que trabalharam com os dois, e intensificou o discurso golpista depois de Bolsonaro não ter liquidado a última eleição presidencial no primeiro turno. Sem nenhuma base na realidade, o general dizia que a simples disputa em segundo turno era evidência de que as urnas eletrônicas estavam programadas para dar vitória ao petista.
Quando dava expediente no Planalto, Mario Fernandes se movia com desenvoltura. Segundo as investigações, ele imprimiu o plano golpista em uma impressora do prédio e depois levou o papelório ao Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro estava. Até onde se sabe, a PF não colheu prova de que o ex-presidente conversou com o general sobre o assunto ou tomou conhecimento de sua proposta de ação criminosa, como ocorreu no caso de uma das minutas do golpe, editadas pelo ex-presidente. Essa é uma lacuna importante da investigação. Em mensagens colhidas pelos investigadores, o general fala, no entanto, que Bolsonaro acatou alguns de seus “assessoramentos” e que os dois debateram sobre o melhor momento para reagir à vitória de Lula. A data ideal seria até 12 de dezembro, quando o petista seria diplomado. Depois disso, entraves como a troca de comando das Forças Armadas, por militares da predileção do petista, e a potencial desmobilização de apoiadores bolsonaristas em frente a quartéis militares espalhados pelo país poderiam dificultar que o plano fosse adiante. “Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro”, resumiu Fernandes em uma mensagem a Cid.
Além de trânsito no gabinete presidencial, o general tinha contato com extremistas que depredaram a sede da Polícia Federal após a oficialização da chapa presidencial eleita, telefonava constantemente para a cúpula militar em busca de melhores estruturas aos golpistas apinhados em frente aos quartéis e contabilizava defecções no Alto-Comando do Exército, àquela altura um anteparo contra as aspirações antidemocráticas. Pelos cálculos dos golpistas, pelo menos três generais toparam a intentona. A maioria, no entanto, não quis embarcar na aventura, como o próprio Mauro Cid registrou certa vez, em tom de lamento, numa troca de mensagem. No plano para “neutralizar” dissidentes que invariavelmente resistiriam ao golpe, Alexandre de Moraes — ou a “Professora”, segundo os extremistas — também virou alvo preferencial. Chefe do Tribunal Superior Eleitoral quando Bolsonaro foi declarado inelegível por promover uma reunião com embaixadores com o objetivo de descredibilizar as urnas eletrônicas brasileiras, Moraes foi monitorado clandestinamente logo após a eleição presidencial de 2022 por militares fiéis à cartilha do ex-presidente, que colocariam em prática um plano para sequestrá-lo e matá-lo no dia 15 de dezembro.
O planejamento para a ofensiva teria sido realizado na residência de Braga Netto, também inelegível por endossar atos antidemocráticos. Foi nessa reunião, segundo a PF, que foram elencadas as necessidades logísticas e orçamentárias para que integrantes das Forças Especiais pudessem colocar em operação a “neutralização” de Moraes. O projeto reunia estudos sobre os trajetos feitos pelo ministro em São Paulo e em Brasília, o efetivo de segurança que o acompanhava, o armamento necessário para o assassinato — de armas de grosso calibre à explosão e envenenamento em uma solenidade pública — e até a contabilidade de baixas aceitáveis na própria equipe dos conspiradores. Essa parte do plano, registrada no acervo golpista sob o título de “Copa 2022”, foi abortada, mas a PF não sabe nem o porquê nem por quem. Como ocorria com Bolsonaro, Mario Fernandes era próximo de Braga Netto e chegou a sugerir que ele voltasse para o Ministério da Defesa como forma de pressionar a caserna a se mobilizar contra a posse de Lula.
Em um áudio enviado em novembro de 2022 a um auxiliar de Bolsonaro, o general rebelde argumentou: “Te mandei aí acima uma mensagem que eu elaborei e mandei pro comandante do Exército. Cara, eu tô aloprando por aqui. Sugeri o presidente até, p*, ele pensar em mudar de novo o MD (ministro da Defesa), p*. Bota de novo o General Braga Netto lá. General Braga Netto tá indignado, p*, ele vai ter um apoio mais efetivo. (…) Aí vão alegar que eu tô mudando isso pra dar um golpe. Qualquer solução, caveira, tu sabe que ela não vai acontecer sem quebrar ovos, né, sem quebrar cristais”. A prisão de Mario Fernandes, a primeira de um militar de altíssima patente nas investigações que apuram a tentativa de golpe de Estado, faz a PF dar mais um passo na tarefa de completar o quebra-cabeça, ligando todas as peças, dos soldados rasos à cúpula. O trabalho chegou ao topo da pirâmide. No início do ano, ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica prestaram depoimento e afirmaram que Bolsonaro não só convocou reuniões em que a trama antidemocrática era debatida, como alterou termos de uma minuta que decretaria intervenção nos poderes constituídos, prenderia desafetos como Alexandre de Moraes e permitiria que ele, mesmo derrotado nas urnas, se perpetuasse no poder.
Bolsonaro estava em viagem a Alagoas quando estourou a nova operação da Polícia Federal. A VEJA, ele minimizou sua relação com o general Mario Fernandes, disse que todos tinham acesso livre a seu gabinete e afirmou que jamais fora informado sobre um plano de assassinato de autoridades. Os filhos também saíram em sua defesa. O senador Flávio Bolsonaro, por exemplo, declarou que o simples ato de planejar um homicídio não configura crime. Outros aliados desdenharam do plano de triplo assassinato, declarando que profissionais não registram atos desse tipo em papel ou que, se houvesse algo de fato nesse sentido, um atirador de elite resolveria o problema. “Lá na Presidência havia mais ou menos 3 000 pessoas naquele prédio. Se um cara bola um negócio qualquer, o que eu tenho a ver com isso? Discutir comigo um plano para matar alguém, isso nunca aconteceu”, disse Bolsonaro a VEJA. “Eu jamais compactuaria com qualquer plano para dar um golpe. Quando falavam comigo, era sempre para usar o estado de sítio, algo constitucional, que dependeria do aval do Congresso”, acrescentou.
O ex-presidente alega que as acusações contra ele são políticas, o que reforçaria a tese segundo a qual ele é vítima de uma perseguição destinada a tirá-lo do jogo. O fato é que não há mais o que se questionar sobre as tentações autoritárias de boa parte dos auxiliares civis e militares que cercavam o então presidente. É difícil imaginar que tudo isso aconteceu sem que ele fosse informado ou, no mínimo, tenha percebido que havia uma conspirata em andamento bem debaixo de seu nariz. O mesmo vale para o general Braga Netto e todos os militares e civis indiciados por envolvimento na trama. A Justiça, porém, não opera com imaginação. Dias antes de Jair Bolsonaro, depressivo e isolado, ter deixado o país sem passar a faixa presidencial para o sucessor, Mauro Cid, em uma mensagem ao general Mario Fernandes, resumiu assim a suposta reticência do chefe em seguir adiante com a virada de mesa: “O negócio é que ele tem essa personalidade às vezes. Ele espera, espera, espera, espera pra ver até onde vai, ver os apoios que tem”. O golpe não se concretizou, porém a mais grave investida contra as instituições democráticas de que se tem notícia desde o fim da ditadura está demonstrada e não pode ficar impune, seja o responsável um soldado raso, um general, o ex-presidente da República — ou todos eles juntos.
Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920
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