Ainda raros, os filmes brasileiros ambientados nos anos 1990 oferecem, sobretudo para espectadores que viveram o período, o prazer nostálgico de lembrar de situações e elementos escondidos na memória. É dessa época a fatia da vida da atriz Malu Rocha que o cineasta Pedro Freire escolheu contar em “Malu”, seu primeiro longa.
O filme estreou no Brasil com prêmios no Festival do Rio. Além de vencer na categoria de melhor longa de ficção junto de “Baby”, Yara de Novaes, que faz o papel principal, levou o troféu de melhor atriz, enquanto Juliana Carneiro da Cunha, como sua mãe, e Carol Duarte, como filha, dividiram o prêmio de melhor atriz coadjuvante.
A Malu que o filme apresenta tem mais de 50 anos anos e vive numa casa sem reboco, numa comunidade litorânea da zona oeste do Rio de Janeiro. Próximo do que seria uma versão mais recente e brasileira de “Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder, o roteiro narra o ocaso da atriz, que na vida real teve papéis importantes em montagens de nomes como Anselmo Duarte e Plínio Marcos, entre outros.
O drama de Malu, porém, não é o drama do envelhecimento. Jamais conformada diante do conservadorismo e da caretice, ela tenta manter o espírito revolucionário em meio a restrições de toda sorte.
Sem trabalho, a protagonista sonha em arranjar dinheiro para construir um teatro ali no terreno onde mora e passa seu tempo entre leituras e baseados, na companhia do amigo Timbira, vivido por Átila Bee e da mãe, Lili, com quem tem uma relação conflituosa. Depois de uma temporada de estudos na França, a filha Joana aparece para uma visita, mas não fica. Vai tentar ganhar a vida como atriz em São Paulo.
A força de “Malu” reside na encenação de alto nível da trinca de atrizes, no cenário construído com minúcia e na beleza dolorida da história, repleta de passagens desprovidas de função narrativa. Por vezes, esses momentos são considerados “tempos mortos”, mas aqui eles são essenciais para a construção do clima.
Mais bonitos do que os diálogos mais “informativos” entre avó e neta, é, por exemplo, a cena em que Juliana Carneiro da Cunha torce os lábios e envesga o olho, contando à neta que foi campeã num concurso de caretas. Mais intensa do que a troca de acusações entre Malu e Lili é a cena em que as duas ouvem uma música de Noel Rosa tocar na vitrola.
Apesar das cenas de festa, da comicidade de algumas sequências e do deleite em ver o Rio de Janeiro dos anos 1990, entre um Fusca verde e uma Caravan caramelo, “Malu” não é um filme leve. A trajetória da personagem-título nos faz pensar no destino não só de atrizes e atores, mas de outros trabalhadores do teatro e da cultura no Brasil, que sempre soube oferecer a seus artistas uma condição de grande precariedade.
É curioso que o realizador, filho de Malu Rocha, tenha focado nas três gerações de mulheres da família – e não tenha colocado no roteiro um filho homem.
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