Ramana Rech
Mudanças climáticas podem pôr em risco a união de algumas aves. É o que sugerem estudos recentes, que indicam um possível aumento de separação entre elas. Nesses casos, o divórcio pode ser resultado do estresse que uma atribuiria a outra, mas que na verdade teria como origem a alteração no ambiente.
A maioria das espécies de aves vive sob uma monogamia social. Isso significa que elas têm um parceiro por vez, seja por uma estação reprodutiva (que dura alguns meses) ou por anos.
Quando a separação ocorre, ela pode ser uma estratégia de correção de incompatibilidades comportamentais ou reprodutivas, em especial quando o casal enfrenta problemas em gerar prole —estima-se que 92% das espécies monogâmicas de aves se divorciem.
Após o fim de um relacionamento, os indivíduos tendem a ter maior sucesso reprodutivo, “mostrando que o divórcio é adaptativo”, segundo Pedro Diniz, bolsista de pós-doutorado da Fapesp na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Por outro lado, permanecer junto melhora a sincronia do casal, o que propicia o nascimento e a sobrevivência dos filhotes.
Um estudo publicado em novembro de 2024 investigou a relação entre condições ambientais mais difíceis e o divórcio envolvendo pássaros canoros de Seychelles (Acrocephalus sechellensis), endêmicos do arquipélago de Seychelles, na África. A pesquisa concluiu que a taxa de divórcio anual da espécie aumentava se nos sete meses anteriores ao período reprodutivo tivesse chovido muito ou pouco.
Os autores analisaram dados de 1997 a 2015 dos pássaros de Seychelles e cruzaram com informações de chuvas na região. Para os autores do trabalho, o aumento das separações nos períodos climáticos mais difíceis, em que há menos disponibilidade de comida e os filhotes demandam mais investimento, pode estar relacionado ao estresse vivido pelo animal. Os indivíduos podem interpretar essa sensação como má qualidade do parceiro, mesmo quando o casal não enfrenta insucesso reprodutivo.
O primeiro estudo que documentou como mudanças climáticas afetam a separação de casais em uma população monogâmica foi realizado com albatrozes-de-sobrancelha (Thalassarche melanophris). O trabalhou saiu em 2021 na revista Proceedings of the Royal Society B.
Os autores dessa pesquisa observaram que a probabilidade de divórcio aumentava em anos de anomalia de temperatura da superfície do mar (SSTA). Com esse fenômeno, a probabilidade de as fêmeas trocarem de parceiro cresce. “O divórcio causado pelo meio ambiente pode representar uma consequência subestimada do aquecimento global”, diz o artigo.
Para o autor do estudo com pássaros Seychelles, Agus Bentlage, a relação entre divórcio de aves e condições ambientais nem sempre foi bem discutida, em parte, por demandar bases de dados de longo prazo, que são raras e levam tempo para serem construídas.
“É crucial entender primeiro quais as consequências no curto e longo prazo desses divórcios relacionados à chuva. Uma vez que se conhece isso, podemos predizer melhor como exatamente a crise climática pode prejudicar esses pássaros”, disse à Folha.
Um estudo publicado no último dia de 2024 na revista Ecology Letters ofereceu uma das primeiras evidências do custo do divórcio para a sobrevivência. As fêmeas de Seychelle que se separam e perdem sua posição no acasalamento têm menos chances de sobreviver do que as que nunca se divorciaram.
Separações entre os pássaros canoros de Seychelles não são tão comuns –no estudo mencionado acima, 14% das parcerias monitoradas terminaram. Mas nem todas as espécies são assim.
Diniz diz que algumas aves migratórias costumam ter parceiros apenas por uma estação reprodutiva. “Não é vantajoso esperar o parceiro da estação anterior, porque existe uma variação na data de chegada de cada parceiro.”
A estabilidade do casal varia a partir da estratégia reprodutiva da espécie. Aves que têm proles com maior demanda e que vivem em ambientes de condições mais difíceis se separam menos, de acordo com Alexandre Aleixo, pesquisador titular do Instituto Tecnológico Vale.
As araras-azuis, espécie citada como exemplo de monogamia social, são os maiores papagaios do mundo, demoram mais para atingir a maturação sexual e têm uma dieta restrita que inclui poucos vegetais. Alguns casais de arara-azul conseguem procriar a cada dois anos.
Karlla Barbosa, coordenadora de divulgação científica da Unesp, avalia que, em um cenário hipotético em que mudanças climáticas teriam efeitos nas araras-azuis semelhantes aos observados nos Seychelles, muitos indivíduos poderiam perder o “timing” da estação reprodutiva. “Digamos que naquele ano, ela não conseguiu se reproduzir. Então, ela vai se reproduzir a cada três anos.”
Doutor em ecologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Rafael Fratoni afirma que, a longo prazo, a continuidade e a intensificação das mudanças climáticas podem influenciar a monogamia e o divórcio das aves de forma profunda. “Há plasticidade nas espécies, potencial para elas adotarem outros comportamentos.”
Mudanças no ambiente e clima do planeta sempre existiram, mas, com a ação antrópica, a crise climática tem avançado, o que levanta perguntas sobre se esses animais conseguirão se adaptar a tempo.