José Casado
Há algo fora de ordem em Brasília: ministros de Lula e de juízes do Supremo se mostram mais preocupados com o fim das regulações no Facebook e no Instagram, divulgadas pelo empresário Mark Zuckerberg, da Meta, do que com os anúncios de Donald Trump sobre o “uso da força militar ou econômica” para promover uma expansão territorial dos Estados Unidos — tomar o Canal do Panamá e a Groenlândia, além de anexar o Canadá.
Zuckerberg está na defensiva, e como Elon Musk, dono do X, busca a proteção política da Casa Branca, sob Trump a partir do próximo dia 20. O lucrativo negócio das plataformas digitais passou a ter um componente imprevisto de incerteza no radar com a evolução de legislações punitivas para as empresas na União Europeia, na Austrália, e ainda incipiente na Índia e na Indonésia.
Zuckerberg e Musk batalham para neutralizar avanços legislativos que limitem iniciativas de suas empresas na construção do futuro num mundo digital. Querem transferir para o usuário/consumidor a responsabilidade integral por tudo aquilo que publicam ou veiculam. Tentam, principalmente, sobrepor regras corporativas às jurisdições nacionais. No limite, poderia resultar na mudança de padrões de arbitragem das relações empresariais fundamentados no conceito de soberania nacional, que balizaram a evolução do capitalismo na Europa e nos Estados Unidos.
Em Brasília, onde a falta de empenho do governo travou o debate no Congresso sobre plataformas digitais, Zuckerberg e Musk estão conseguindo atrair mais atenção do que a ameaça de Trump de usar força militar contra um aliado da OTAN, a Groenlândia, e tomar o Canal do Panamá. Vale lembrar: a OTAN é uma aliança militar regida pelo princípio de que ataque contra um dos integrantes deve ser tratado como ataque a todos. E o Canal do Panamá é rota vital ao escoamento de parte das exportações brasileiras.
Trump terá quatro anos de mandato para fazer tudo que propõe, o que incluiria neutralização da ascensão econômica e tecnológica da China; fim da guerra da Rússia na Ucrânia; pacificação no Oriente Médio; expansão territorial dos EUA ao Norte (Groenlândia e Canadá) e ao Sul (cerco da fronteira com o México e tomada do Canal do Panamá), e, repressão tarifária aos países que “cobram muito” sobre os produtos exportados pelos EUA — situação em que identificou recentemente o Brasil e a Índia. Além disso, tem uma agenda doméstica com valorização do dólar, redução da inflação, reindustrialização, aumento do nível de emprego e reformas sociais restritivas a direitos à saúde, educação e assistência social aos mais pobres.
O governo brasileiro, em todos os níveis, faz de conta que Trump não é problema e, em caso de dificuldade, tudo poderá ser resolvido na conversa – se possível, como diria Lula, em torno de uma caixa de cerveja. Se tem razão ou não, vai se saber em poucos dias.
Por enquanto, ganha realce a mensagem principal: Brasília está alheia, e aparentemente despreparada, para o caos que Trump anuncia em Washington e que deve afetar os interesses do país nos próximos quatro anos.