No Brasil, a ginecologia é dividida de forma equilibrada entre homens e mulheres. São 60,9% de mulheres exercendo a especialidade ante a 39,1% de homens, segundo a Demografia Médica da AMB (Associação Médica Brasileira). No total, o estudo contabilizou 37.327 profissionais com o título no país até 2023.
Por outro lado, especialidades em que a maior parte dos pacientes é homem, como a urologia, tem 97,1% de homens exercendo a profissão e apenas 2,9% das mulheres ocupando o mesmo cargo.
Médico ginecologista e obstetra há quase meio século, Cesar Eduardo Fernandes é presidente da AMB e diz ter assistido a uma transição dentro da especialidade. Em décadas anteriores, o número de homens na profissão era muito maior que o de mulheres em qualquer área.
A mudança na ginecologia passou a ser mais perceptível, segundo ele, há uns 20 anos —o que pode justificar ainda uma percepção de que mulheres mais velhas tendem a aceitar mais facilmente um profissional homem a examinando, diferente das mais jovens.
“Essas mulheres [mais velhas] podem estar acostumadas a passar com ginecologistas homens e se sentem acolhidas e respeitadas assim. Em relação às mais jovens, vejo uma oferta maior de profissionais mulheres da ginecologia, mas não dá para afirmar se elas preferem por um maior conforto ou por uma questão de oferta, ou os dois”, diz Fernandes.
Entre pacientes, é comum que algumas prefiram atendimento com profissionais do mesmo gênero, enquanto outras tendem a mostrar predileção por homens.
Em uma consulta de rotina com a ginecologista, a estudante Beatriz Acarine, 20, se sentiu desconfortável com uma fala da médica. O episódio resultou em um vídeo de desabafo nas redes sociais em que a jovem buscava encorajar outras meninas a deixarem de temer o atendimento ginecológico com homens.
Preocupada com a saúde íntima desde os 13 anos, a estudante sempre optou por médicas ginecologistas mulheres para se sentir mais confortável.
Em uma dessas consultas, após queixar-se de dor ao fazer um exame, a médica disse à jovem que o canal vaginal tinha sido feito para acomodar um pênis, então a dor do bico de pato —instrumento utilizado no papanicolau— seria menor.
“Na época eu até achei engraçadinho. Mas aquela fala me incomodou e não quis mais ser atendida por ela”, diz Beatriz que, por conta do ocorrido, decidiu seguir os passos da mãe e da avó que só gostavam de se consultar com homens.
Para ela, a consulta com um profissional do gênero oposto ocorreu dentro do esperado, com a diferença de que, neste caso, uma auxiliar entrou no consultório para acompanhar o atendimento à Beatriz.
Uma determinação do CFM (Conselho Federal de Medicina) diz que, para atendimento ginecológico, é indicada a presença de uma pessoa do gênero feminino. De acordo com a presidente da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), Maria Celeste Osório Wender, esse parecer dá, além de segurança ao paciente, uma tranquilidade maior ao médico.
Além disso, a Lei 14.737, sancionada em 2023, garante às mulheres o direito de ter um acompanhante em qualquer tipo de atendimento realizado nos serviços de saúde públicos e privados, especialmente em procedimentos que envolvam sedação ou anestesia, nos quais a mulher possa estar em situação de vulnerabilidade.
Comentários vindos de médicos como a que atendeu Beatriz, apesar de tentar ilustrar a situação ao paciente, são subjetivos e podem gerar mal-entendidos, segundo a médica.
O recomendado, de acordo com a representante da Febrasgo, é que os profissionais expliquem o que está acontecendo com o corpo do paciente sempre pedindo permissão e descrevendo o que vai ser feito. “Precisa ser anunciado de alguma maneira para que o paciente se sinta confortável e entenda que aquilo aquilo vai ser executado com respeito e rigor científico”, diz Wender.
Diferente de Beatriz, a jornalista Marina Azambuja, 30, diz que opta por profissionais mulheres da ginecologia.
Natural de Frutal (MG), a cerca de 600 km de Belo Horizonte, Marina sempre se consultou com a mesma profissional, indicada por familiares e a quem até chamava de tia. “Ela me deixava muito à vontade e tirava todas as minhas dúvidas. Me sentia tranquila com o meu corpo”, diz.
Ao se mudar para São Paulo (SP), precisou também mudar a médica. Após ouvir diversos comentários de outras mulheres que faziam acompanhamento com homens, decidiu buscar atendimento com um ginecologista do gênero oposto. A experiência não agradou. “Tinha dúvidas sobre métodos contraceptivos e pensava em colocar DIU, mas ele não me explicou nada sobre o que era”, afirma Marina.
Relatar coisas pessoais da vida íntima e até mesmo para fazer o exame ginecológico com um profissional homem também assombra a jornalista, que diz se sentir desconfortável. “Não quero falar da minha vida íntima e nem ficar nua na frente de um homem que não conheço. Da última vez me senti constrangida e o exame chegou a ser doloroso”.
Casos de assédio como de Roger Abdelmassih e de outros médicos que ganharam repercussão nacional também corroboram para a opinião de Marina. “Não gosto nem de pensar que poderia ser comigo. Então prefiro sempre ser atendida por mulheres porque sei que não vou correr esse risco”.
De acordo com Wender, há uma tendência de que a proporção de mulheres atuando na ginecologia seja maior com o tempo. O percentual do gênero se formando dentro das faculdades de medicina têm crescido, assim como o interesse desse público pela especialização.
“E várias questões podem explicar isso, desde mercado a uma maior afinidade das mulheres nessa especialidade”, explica a médica.
Para a presidente da Febrasgo, a predileção pelo profissional de um gênero ou de outro pode ser muito individual. “Mas eu acho que nos resume a uma questão de gênero, e cada pessoa tem aí a sua competência, a sua afinidade, a sua compreensão, perspicácia. Acho que independe de gênero”, diz Wender.
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