Thomas Traumann
O Lula de 2026 ganhou do Lula de 2025. Entre 3 de outubro, quando encomendou ao ministro Fernando Haddad um plano de ajuste fiscal capaz de dar ao Brasil a nota de investment grade até 2026, e 25 de novembro, quando anunciou a Haddad que o anúncio viria junto da isenção de imposto para quem recebe até R$ 5 mil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se arrependeu. Por várias vezes, ele disse temer o efeito do pacote na sua popularidade, incentivou brigas internas no ministério e só aceitou o resultado depois que Haddad aceitou fazer um pronunciamento em rádio e TV assumindo a paternidade do projeto.
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Desde 28 de outubro, quando Haddad apresentou o plano original do ajuste, Lula participou de mais de 20 reuniões nos Palácios do Planalto e Alvorada. Além de Haddad, Lula ouviu defesas enfáticas da necessidade de um controle de gastos do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, do vice-presidente Geraldo Alckmin, e dos ministros Rui Costa, Simone Tebet, Esther Dweck e Alexandre Padilha, além do do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. Ouviu resistências dos ministros Camilo Santana (principal porta-voz contrário ao ajuste), Luiz Marinho, Nísia Lima, Wellington Dias, Carlos Lupi, José Mucio e Márcio Macêdo. Foram consultados ainda os ministros Paulo Pimenta, Jorge Messias e Alexandre Silveira, o ex-ministro Guido Mantega, o marqueteiro Sidônio Palmeira, o sociólogo Marcos Coimbra, o presidente da Emgea, Fernando Pimentel, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann e os líderes no Congresso Randolfe Rodrigues, José Guimarães. Dois interlocutores que acompanharam Lula nos seus primeiros mandatos asseguram que ele nunca demorou tanto e consultou tanta gente antes de tomar uma decisão.
Em várias ocasiões, Lula perguntou aos interlocutores como eles achavam que a população mais pobre iria encarar a mudança no reajuste do salário mínimo, as regras mais rígidas para o BPC e a redução do valor do abono salarial. O anúncio da isenção do imposto — prevista inicialmente apenas para o ano que vem — tenta atenuar este efeito negativo.
O temor de Lula tem relação com o trauma do PT com a brutal queda de popularidade de Dilma Rousseff depois do ajuste de 2015. Prestes a iniciar seu segundo mandato, o governo da presidente tinha 42% de avaliações ótimo e bom em dezembro de 2014. Em fevereiro, depois do anúncio do ajuste, a aprovação havia caído para 23%. Em 2018, no seu livro entrevista A Verdade Vencerá, Lula fez a seguinte análise:
“Ora, o que aconteceu depois de 2014? Nós ganhamos a eleição com um discurso. A Dilma dizia “nem que a vaca tussa eu vou mexer nisso, nem que a vaca tussa eu não vou fazer aquilo”, e isso levou a juventude da periferia, os movimentos funk, rap, punk, o que você possa imaginar, companheiros do Psol e muito mais gente a mostrar a cara para dizer que a direita não podia ganhar. Primeiro veio o Levy como ministro da Fazenda, o que foi um desastre para a nossa militância. Depois, a proposta de Reforma da Previdência apresentada no dia 29 de dezembro [de 2014]. Quem é militante de base do partido sabe que ali nós perdemos muita credibilidade. Aí, primeiro veio o (Joaquim) Levy como ministro da Fazenda, o que foi um desastre para a nossa militância. Depois, a proposta de Reforma da Previdência apresentada no dia 29 de dezembro [de 2014]. Quem é militante de base do partido sabe que ali nós perdemos muita credibilidade. A Dilma sabe disso, ela tem clareza de que ali perdemos credibilidade. O nosso povo do movimento social, do movimento sindical, dizia: “Fomos traídos”. Esse é o sentimento da militância. E aí os adversários não nos perdoaram. Qual era a propaganda do PSDB? “Estelionato eleitoral.” Isso nos fragilizou demais.”
Foi este Lula, que responsabiliza o impeachment de Dilma Rousseff pelo ajuste fiscal de 2015 e não pelos gastos ilimitados de 2013 e 14, que demorou tanto a aceitar as propostas de contenção de Haddad. Seus temores foram confirmados por pesquisas qualitativas encomendadas pela Secom. A explosão do dólar a R$ 6 foi levada por Lula como se fosse uma exclusivamente a reação à cobrança de imposto sobre quem ganha mais de R$ 600 mil.
Na avaliação dos ministros políticos, a isenção de imposto de renda irá atrair o voto da faixa de eleitores que recebem entre 2 e 5 salários mínimos, que representam 37% do eleitorado. Na pesquisa Datafolha de outubro, apenas 27% dos eleitores nesta faixa de renda acham o governo ótimo ou bom, ante 39% que o consideram ruim ou péssimo. Para comparar: entre os que ganham menos de 2 salários mínimos, a aprovação do governo Lula é de 46% contra 24%.
No papel, o plano para trazer em 2026 a boa vontade dos eleitores que serão beneficiados pela isenção de imposto parece perfeito. A questão é atravessar 2025 com o dólar a R$ 6 reais e seus efeitos nos juros, inflação e atividade econômica.