É bastante possível que a sobrevivência da floresta amazônica nas próximas décadas seja ameaçada pelo que os generais de outrora chamariam de “movimento de pinça”. Assim como um estrategista ousado e com tropas de sobra pode tentar dividir suas forças em dois braços, mandando que cada um deles ataque um dos flancos do inimigo para, assim, esmagá-lo no meio, a ação humana corre o risco de amassar a mata entre duas pontas de uma só pinça de destruição.
A primeira metade da pinça é nossa velha conhecida: as derrubadas e o fogo que há décadas consomem a selva a partir de sua beirada sul, no chamado Arco do Desmatamento. A segunda, conforme detalha um estudo que acaba de ser publicado por pesquisadores brasileiros e colegas do exterior, é mais indireta. São mudanças na circulação dos oceanos que desencadearão um novo regime de chuvas, o qual, por sua vez, pode ressecar a parte norte da mata.
A análise que aborda essa possibilidade, publicada na revista especializada Nature Geoscience, é fruto da pesquisa de doutorado de Thomas Akabane, do Instituto de Geociências da USP. Junto com seus orientadores Cristiano Chiessi e Paulo Eduardo de Oliveira, além de outros pesquisadores, Akabane olhou para o passado do bioma amazônico para tentar entender o futuro.
Em ambos os casos, o elemento-chave da equação é um fenômeno designado pela sigla inglesa Amoc (Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico), que é o principal sistema de correntes marinhas desse oceano.
O funcionamento da Amoc depende de fatores como a temperatura e a salinidade da água do mar. Isso significa que lançar ao oceano grandes quantidades de água doce –digamos, com o derretimento de geleiras de lugares como a Groenlândia, o que tende a acontecer cada vez mais com o aumento da temperatura global– tende a bagunçar a Amoc.
E é aí que teríamos um perigoso efeito-dominó. A configuração das correntes marinhas também afeta o clima, e uma Amoc enfraquecida empurraria a atual faixa de chuvas intensas nos trópicos para o sul, o que poderia tornar a região norte da Amazônia mais seca. Talvez tão mais seca que a floresta entraria em colapso, fragmentando-se em áreas de savana (na prática, uma versão empobrecida do cerrado).
Mas será que isso aconteceria de fato? É aqui que olhar para o passado traz pistas importantes. A equipe da USP, sabendo que alterações na Amoc já tinham acontecido no final da Era do Gelo, analisou camadas de sedimentos depositadas na foz do Amazonas justamente nesse período.
Eles montaram um inventário dos grãos de pólen nesses sedimentos, os quais funcionam como um retrato panorâmico da vegetação que existia em solo amazônico durante essa fase alterada da Amoc. Trata-se de um período entre 18 mil anos e 14,8 mil anos atrás.
Resultado? “A densidade da cobertura arbórea diminuiu no norte da Amazônia em função de uma diminuição na chuva e de um aumento na duração da estação seca. Houve uma maior ocorrência de cerrado em relação à floresta sempre-verde”, resume Cristiano Chiessi.
A situação, segundo o pesquisador, é comparável ao que pode acontecer, agora numa escala de tempo muito mais curta, com os efeitos da crise climática produzida pela ação humana. E ainda há quem tenha o desplante de achar que não há problema nenhum em encher a foz do Amazonas com plataformas petrolíferas…
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