“Votos tornaram-se pedras de papel” com as quais a classe operária derrubará o edifício do capitalismo. A frase, citada aqui de memória, é de um otimista Friederich Engels (1820-1895), quando, nos anos 1880, os socialistas decidiram participar a sério das eleições parlamentares na recém-criada Alemanha. Com a conquista do sufrágio universal —masculino que fosse—, o parceiro de Karl Marx (1818-1883) imaginou que seria possível aos trabalhadores abolir a propriedade privada pela via eleitoral, dispensando barricadas e insurreições.
A decisão de participar de eleições —além de ensejar o grande cisma socialista entre reformistas e revolucionários— teve resultados bem diferentes dos esperados. Os partidos social-democratas, ao enveredar pela via parlamentar, abandonaram o fim último de liquidar o capitalismo, transformando-se na grande força propulsora de sua reforma progressista, que mais de meio século depois desaguaria nos Estados de Bem-Estar.
De fato, os partidários do socialismo parlamentar adaptaram-se ao jogo democrático, no qual o êxito político depende da capacidade de ganhar votos suficientes para formar maiorias. A meta os levou a moderar programa e objetivos, para ir mais além de seu eleitorado-raiz.
Esse mecanismo próprio da disputa democrática autêntica é detalhado no livro de Adam Przeworski e John Sprague, “Paper Stones – a History of Electoral Socialism” (1986), um clássico à espera de tradução para o português. Longe de ser apenas uma análise da trajetória da social-democracia europeia, o estudo revela uma espécie de lei da política competitiva que se aplica a partidos e lideranças progressistas contemporâneos.
Não foi outro o caminho percorrido pelo PT —o que de mais próximo o Brasil teve de um partido social-democrata temporão—, que, de resto, já nasceu ancorado na arena eleitoral. Não parece ser diferente a trilha seguida por Guilherme Boulos (PSOL), que disputa a Prefeitura de São Paulo.
Dele vêm sendo cobradas pelos adversários a sua origem no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), movimento social de luta pela moradia por meio da ocupação de imóveis vazios; a sua atitude ambígua com relação ao Hamas; e outras manifestações passadas de radicalismo político de esquerda. Elas são contrastadas com o discurso moderado que deu a tônica da campanha atual, apresentado ora como traição a suas origens, ora como disfarce de ocasião para enganar o eleitor incauto.
Nem uma coisa nem outra. A moderação presente no discurso do candidato da centro-esquerda parece antes reiterada comprovação do efeito virtuoso das regras da corrida eleitoral em regimes democráticos. Tão mais presente quando a vitória necessita que se conquiste a maioria do eleitorado, como ocorre no segundo turno da disputa.
De resto, a moderação exigida para vencer nas urnas continuará imperativa quando se trata de governar uma cidade como São Paulo, na qual os problemas são tão grandes quanto numerosos os interesses a compatibilizar e fragmentada a representação partidária na Câmara Municipal, onde a esquerda é minoritária.
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