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O que Ebony, Chico e a Geração Z nos dizem sobre a busca por autenticidade – 18/10/2024 – Sons da Perifa

O que Ebony, Chico e a Geração Z nos dizem sobre a busca por autenticidade - 18/10/2024 - Sons da Perifa

Jairo Malta

Recentemente, assisti ao vídeo da rapper Ebony, 23 anos, ouvindo “Construção”, de Chico Buarque, pela primeira vez. A canção, lançada em 1971, deixou-a perplexa, quase desestabilizada emocionalmente. Para uma artista nascida na era do TikTok, essa obra parecia um choque de realidade. “Senti como se estivesse comendo arroz e feijã”, ironizou ela, capturando a sensação de ser confrontada com a complexidade dos versos do Chico. O vídeo acumulou milhões de visualizações, e aqui estamos nós, em 2024, assistindo uma jovem da Geração Z ser impactada por algo que parece tão distante do imediatismo digital.

Estamos falando de uma geração que, supostamente, só se importa com o agora, com o que é viral, com o hit de três minutos criado para ser esquecido na semana seguinte. Mas Ebony é um símbolo de algo maior. Ao ouvir Chico, ela involuntariamente nos lembrou de que a Geração Z, aquela que muitos rotulam como superficial, está, na verdade, buscando algo que o presente falhou em oferecer: profundidade. E a música é o campo de batalha perfeito para essa busca.

De acordo com o Spotify, o consumo de músicas e podcasts entre jovens de 13 a 27 anos aumentou 76% em 2023. A maior parte desse crescimento foi impulsionada por faixas e artistas que sequer estavam na ativa quando esses jovens nasceram. Sade, Kate Bush, Green Day, todos esses nomes têm ressurgido como se fossem novidades. E não é por falta de oferta de música nova. A indústria musical nunca produziu tanto, tão rápido. Mas o que realmente está tocando o coração da Geração Z são as obras de épocas passadas. Isso não soa como uma grande crítica ao estado atual da música?

Essa geração está nos dizendo algo que muitos parecem ignorar: a velocidade e a superficialidade do presente são insustentáveis. Quando Ebony cresceu em um lar onde músicas “mundanas” eram proibidas, ela foi privada de contato com o que poderíamos chamar de “cultura secular”. Mas, ao se deparar com “Construção” aos 23 anos, ela finalmente encontrou algo que fez sentido em um nível muito mais profundo. E isso não é coincidência. A Geração Z está em um estado constante de busca por autenticidade, algo que simplesmente não encontram no que o mercado atual lhes oferece.

Agora, paremos para refletir: como uma música de 1971, que narra a alienação do trabalhador brasileiro, pode impactar tanto uma jovem da era digital? Talvez porque o presente seja alienante demais. Essa geração, que tem que lidar com as maiores taxas de ansiedade e depressão já registradas, está se afogando em uma cultura que a empurra para consumir, produzir e se adaptar incessantemente. E, nesse mar de efemeridade, o passado se apresenta como um porto seguro.

Se olharmos para os dados de consumo cultural, a tendência se torna ainda mais clara. Em 2023, 69% da Geração Z no Brasil afirmaram que preferem conteúdos de décadas passadas, porque eles remetem a uma época “mais simples”. Mais simples? Talvez para quem não vivia a ditadura ou as crises econômicas dos anos 80. Mas o ponto não é esse. O que eles estão dizendo é que o presente, com todas as suas modernidades, não está lhes oferecendo a profundidade que precisam.

O caso de Ebony ouvindo “Construção” vai além de uma simples curiosidade geracional. Ele é um alerta. A Geração Z está pedindo, não, exigindo mais. Eles não vão se contentar com o que é superficial ou descartável. E a música é só o começo. Essa busca por sentido vai se expandir para outras áreas: moda, política, espiritualidade. Estamos diante de uma geração que, ao contrário do que muitos pensam, está profundamente conectada às questões mais complexas de nossa época. E, para quem ainda não percebeu, o passado será a chave para entender o futuro, em especial, na música.

Se a Geração Z está recorrendo à música de 50 anos atrás para se sentir viva, então o que isso nos diz sobre o estado das coisas hoje?


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