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O que realmente importa | VEJA

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O que realmente importa | VEJA

Arthur Pirino

“A desigualdade mata”, leio em um desses artigos de “combate”, que fazem a festa do ativismo político, baseado em um “relatório” sobre a desigualdade global. Dados impressionistas sobre disparidades econômicas, imagens dos bilionários da lista da Forbes e a sugestão de que é “deles” a culpa pelas nossas desgraças. Tudo se passa como se houvesse um estoque fixo de riqueza no planeta. Algo como bolinhas de gude em um pote. Se alguma criança pega bolinhas demais, sobram menos para os amiguinhos. A retórica é perfeitamente falsa. Sergey Brin, do Google, ficou rico não porque capturou algum dinheiro dos demais, agarrado ao Estado, mas porque as pessoas, por seu próprio juízo, melhoram a vida usando seus buscadores de informação. Vale o mesmo para os compradores de livros na Amazon (eu, por exemplo), os usuários do Whats­App, de Zuckerberg, os agricultores que usam a Starlink, de Elon Musk. Do outro lado do mundo, 200 000 pessoas são internadas, todos os anos, no Brasil, por falta de saneamento básico. E isso não porque o saneamento funciona bem em Maringá ou Uberlândia. Ou porque Bill Gates tem uma mansão com 24 banheiros. O sofrimento não deriva da diferença entre quem vive sob más condições e quem tem um bom serviço, mas dos erros de políticas públicas. Do atraso do modelo estatal e da falta de investimento ao longo dos anos. É disso que seria vital tratar, se houvesse uma preocupação real com a vida dessas pessoas.

Ainda agora li uma teoria estranhíssima sobre o tema. O “limitarismo”, da filósofa holandesa Ingrid Robeyns. A teoria diz que é preciso pôr um teto na riqueza que cada um pode ter. Nossa cantora Anitta já havia sugerido algo assim. E arriscado até um valor: 1 bilhão de dólares. À época, me perguntei o que a pessoa deveria fazer quando sua grana chegasse a esse patamar. Doar o dinheiro e ir morar na Praia da Pipa? Continuar trabalhando por esporte? Por que os incentivos de mercado deveriam valer até o ponto “X”, para logo depois serem jogados pela janela? Seus argumentos me soaram frágeis. Um deles diz que “ninguém precisa de tanto dinheiro assim”. Sob certo aspecto, é verdade. Musk costuma dormir num colchão em suas empresas. Alguns vivem melhor, é verdade. O ponto é que grandes empreendedores usam seu capital para investir, criar negócios, fazer filantropia (sugiro pesquisar The Giving Pledge). Não porque “precisam”, em algum sentido popularesco. Outro argumento diz que muitos ricos são perigosos porque podem usar o dinheiro para lobby político. É verdade. Mas isso depende de muito dinheiro? Os maiores lobbies no Congresso vêm das altas carreiras do setor público, contra o teto salarial; dos militares, contra reformar sua previdência; da Zona Franca de Manaus, para manter os incentivos; dos sindicatos e agregados da educação estatal, mantendo o monopólio. É sobre isso que deveríamos perguntar: a riqueza foi ganha em um ambiente aberto, no mercado, ou via pressão, no mundo político?

Para ter uma boa pista sobre como a economia está longe de ser um jogo de soma zero, vale observar o que se passou com os dois maiores casos de redução da pobreza nos últimos quarenta anos: China e Índia. A China reduziu a pobreza extrema virtualmente a zero, depois que se livrou do maoismo e fez sua guinada para o mercado. A Índia foi de metade da população na extrema pobreza, no início dos anos 90, para menos de 1%, por agora. E aqui vem o detalhe: foram os dois países com maior crescimento de bilionários nesse mesmo período. Enquanto a miséria despencava, os bilionários chineses foram de nenhum a 408; os indianos, de 3 para 209, no ano passado. Não passa de um mito a ideia de que exista alguma contradição entre a geração de riqueza, de um lado, e a redução da pobreza, de outro. Ao contrário: são dois lados do mesmíssimo fenômeno de abertura e dinamização da economia.

“Geração de riqueza e redução da pobreza andam juntas”

O filósofo austríaco Helmut Schoeck escreveu um livro provocativo, ainda nos anos 60 (e hoje um tanto esquecido), tentando entender (entre muitas coisas) de onde vem o “ódio aos mais ricos”. O título da obra: A Inveja: uma Teoria da Sociedade. Ele vê a inveja tanto como uma força positiva como negativa em nossa vida. O lado positivo surge quando ela é “domesticada”, no mercado. Do sujeito que diz: “Vou mostrar a eles do que sou capaz”, e age dentro da regra, trabalhando duro. Quando mal direcionada, é força destruidora. Se torna Salieri, o bom músico, ainda que não genial, e sua relação tóxica com Mozart. Ou quem sabe um bocado de gente gastando energia em odiar empreendedores globais, em vez de se preocupar com o que realmente pode fazer a diferença na vida dos mais pobres.

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A melhor resposta a esse dilema foi dada por um tranquilo professor de Harvard, John Rawls. Sua tese: em vez de combater a desigualdade, por si só, por que não fazer com que ela funcione em benefício dos que estão na pior? Ele nos pede para imaginar a seguinte situação: estamos reunidos para escolher as regras de justiça na sociedade. Temos muitas opções. Renda mínima? Mais ou menos desigualdade? Limitarismo? Livre mercado? Detalhe: ninguém sabe o lugar que vai ocupar nesta mesma sociedade. O que cada um escolheria: a sociedade “A”, mais igualitária, mas onde os mais pobres, vamos supor, ganham em média 1 000 reais? Ou a sociedade “B”, mais desigual (vamos imaginar: com Musk e Bezos na vizinhança), mas onde os mais pobres têm uma condição duas vezes melhor? Ou quem sabe: viver na China mais pobre e igual, por volta de 1980? Ou na China fortemente desigual, mas virtualmente sem pobreza, em 2025? Resumo da ópera: apenas a inveja, ou ao menos seu lado sombrio, identificado por Schoeck, faria com que as pessoas escolhessem a sociedade “A”. Uma escolha coletivamente irracional. O ponto não é que não seja natural ambicionar a posição dos outros. O ponto é que usar esse sentimento como parâmetro para as escolhas sociais fará com que todos se tornem perdedores. Algo como: “Eu aceito perder, desde que os outros percam mais do que eu”. O que nunca fez nem fará o menor sentido.

O melhor é mudar o foco. Em vez de gastarmos tempo e energia esbravejando com os resultados de Larry Page, no Google, ou de Larry Ellison, na Oracle, deveríamos nos preocupar com o que realmente importa. Se o ponto é universalizar o saneamento, por exemplo, por que não dar segurança para atrair investimento e fazer uma boa modelagem, com metas e bons contratos? Coisas que já se faz em muitos lugares, que avançaram com uma boa política, como o marco do saneamento. E que rigorosamente nada têm a ver com o valor das ações da Tesla ou da Amazon. É previsível que coisas como segurança jurídica, incentivos e investimento não sejam propriamente excitantes. São temas “a favor”, e não “contra”. Não polarizam, não geram likes e são impróprios para a guerra política, como é o tema da “desigualdade”. E quem sabe exatamente aí resida o problema sobre o qual valeria pensar.

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

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Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935



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Integrantes do governo comemoraram operação que fa…

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Integrantes do governo comemoraram operação que fa...

Laryssa Borges

O diagnóstico é o de que, em um primeiro momento, integrantes do governo Lula “esperavam mais”, mas o fato é que pelo menos dois ministros de Estado comemoraram a deflagração da Operação Overclean, cuja investigação começou a partir de fraudes em licitações de projetos de pavimentação de ruas sob responsabilidade do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) na Bahia e terminou por jogar luz no empresário Marcos Moura, tido como um operador financeiro de múltiplos partidos e com ligações políticas que fazem deputados e senadores tremerem nas bases.

Segundo relatos obtidos por VEJA, integrantes do governo comemoraram, ainda no final do ano passado, que a Overclean havia chegado ao ex-prefeito de Salvador Antonio Carlos Magalhães Neto, adversário político do ministro da Casa Civil Rui Costa. ACM Neto não é investigado, mas é amigo de Marcos Moura, que tem a irmã do político, Renata Magalhães, como sócia em um jatinho.

O problema, relatam interlocutores a par da investigação, é que Moura também tem relações com o PT e com políticos do Centrão, fazendo com que a celebração pela suposta armadilha seja, no mínimo, equivocada. “Marcos Moura atuava de forma multipartidária. Quando os ministros comemoravam ter chegado a ACM Neto, mostraram que estavam vendo raso demais. São vários partidos que podem acabar na Operação Overclean”, disse em deles, que ouviu dos ministros de Lula os primeiros relatos de que o ex-prefeito de Salvador teria sido pego.

Sob a relatoria do ministro do STF Kassio Nunes Marques, a Operação Overclean concluiu que Moura, apelidado de Rei do Lixo, tinha papel crucial no êxito da quadrilha que direcionava emendas parlamentares para obras viciadas e fraudava licitações. “Moura é uma figura-chave que conecta os líderes da organização com figuras políticas de relevância, garantindo que os esquemas de fraude continuem operando sem interrupções”, relatou a Polícia Federal no inquérito sobre o caso.

Responsável por uma investigação que, pelo que se sabe até agora, tem potencial para colocar a classe política novamente de joelhos, a corporação já havia apreendido 1,5 milhão de reais em uma mala em um jatinho que desembarcou em Brasília, encontrado dinheiro escondido ao cumprir mandados de busca e presenciado um dos investigados atirar mais de 200.000 reais pela janela para se livrar do flagrante.

No final de janeiro, de forma considerada pelo próprio Supremo como inusual, a PF tentou, sem sucesso, que o ministro Flávio Dino, ex-superior hierárquico dos policiais, ficasse responsável pelo processo. Por haver menção ao nome do deputado Elmar Nascimento (União-BA), a investigação tramita no STF de forma sigilosa.



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A ‘prateleira’ de reações do Congresso contra as i…

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A ‘prateleira’ de reações do Congresso contra as i...

Marcela Mattos

Com mais de 70 deputados e senadores na mira de inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal, caciques do Centrão e da oposição estão convictos de que há uma emboscada tramada pelo Judiciário e pelo governo Lula para direcionar as operações policiais, controlar a verba que destinam a seus redutos e manter o grupo nas cordas. Em meio à percepção de que a classe política está sob ataque, o incômodo já chegou à cúpula do Congresso – que, em recados velados, avisa que está sendo pressionada a reagir.

Como mostra reportagem de VEJA desta edição, foi apresentado aos presidentes da Câmara e do Senado um pacote de ações a ser gradualmente colocado em prática – o que foi traduzido como uma “prateleira” de reações contra a investida de investigadores e juízes.

A primeira estratégia que vem sendo trabalhada visa dar fim ao secretismo das investigações contra parlamentares. São mais de 80 inquéritos sob sigilo no Supremo envolvendo supostos desvios em emendas, dinheiro público que deputados e senadores encaminham para seus municípios com o objetivo de construir obras, pontes e atender a necessidades locais.

Entre os alvos, é recorrente a reclamação de que nem eles têm acesso às apurações ou conhecem em detalhes os motivos de serem alvos de operações – o que os mantêm em constante suspeição. A ideia seria fazer um questionamento oficial ao STF questionando o nome de todos os parlamentares investigados.

Ministro Flávio Dino entra na mira

Uma das mais recentes investigações sobre as emendas parlamentares foi aberta em dezembro por ordem do ministro Flávio Dino, que criticou a falta de transparência no repasse de 4 bilhões de reais e mandou a Polícia Federal apurar possíveis casos de corrupção.

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Outras ações, mais antigas, foram comandadas enquanto Dino era ministro da Justiça, quando, até o ano passado, tinha o controle da PF em suas mãos. Por essa dupla atuação, deputados e senadores colocam a isenção do ministro em xeque e cobram uma reação oficial do Congresso para afastá-lo da relatoria das investigações.

O caminho para isso, conforme o que vem sendo estudado, seria uma ação da advocacia da Câmara ou do Senado apontando a necessidade de impedimento do juiz. Não é, porém, uma tarefa simples. A decisão de tirar Dino do caso teria de partir da Presidência do Supremo e é considerada remotíssima por integrantes do tribunal.

Ação e reação

Há, ainda, medidas mais drásticas. Congressistas ameaçam dobrar a aposta caso a sangria não seja controlada e instaurar procedimentos internos para apurar eventuais abusos e desvios cometidos por parte de quem os investiga.

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Um dos caminhos seria abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para depurar se há o uso da máquina estatal contra adversários políticos. O colegiado poderia vasculhar os bastidores das operações e se debruçar, por exemplo, se há preferência em ações que envolvam oposicionistas em detrimento de apurações contra governistas e ainda sobre os métodos praticados pelos agentes para a obtenção de provas.

A CPI também miraria a atuação do STF, a quem cabe determinar as operações e conduzir os inquéritos sigilosos. Mesmo que nenhuma investigação concreta seja levada adiante, se criado, um colegiado como esse tem potencial de tumultuar os trabalhos do Congresso num momento em que o governo Lula enfrenta os seus piores índices de popularidade e depende dos parlamentares para aprovar medidas que agradam o eleitorado, como a isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais.

Outra possibilidade na mesa seria usar a Polícia Legislativa, órgão que também tem competência investigativa, para instaurar um inquérito para apurar a legalidade das ações da PF – o mesmo objeto de uma das CPIs em estudo, mas com a diferença de que ações como quebras de sigilo e diligências se dariam longe dos holofotes e sob o conhecimento apenas da cúpula do Congresso.



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A previsão sombria de Bolsonaro sobre sua prisão

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A previsão sombria de Bolsonaro sobre sua prisão

Da Redação

Perto de ser julgado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que teme ser envenenado caso seja preso. O STF decidirá nos próximos dias se aceita a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente e mais sete acusados de envolvimento na trama golpista após as eleições de 2022.

Ao podcast Flow, Bolsonaro falou na última sexta-feira, 14, sobre sua trajetória política até o Palácio do Planalto e se comparou com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “Minha vida é feita de coisas. Até a facada foi um milagre. Médicos dizem que, de cada cem, só um sobrevive. É igual ao Trump com o tiro na orelha. Temos muita coisa em comum, exceto a fortuna”, afirmou ele.

“Precisam me eliminar”

O ex-presidente prosseguiu dizendo que não vai morrer na prisão. “Deus não me colocou aqui para morrer atrás das grades. Se me prenderem, vão me matar. Não tenho a menor dúvida de que serei envenenado. Não é de interesse que me vejam preso, porque vou dar dor de cabeça. Precisam me eliminar”.

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O presidente da 1ª Turma do STF, ministro Cristiano Zanin, marcou para o dia 25 de março o julgamento, após a denúncia ser liberada na quinta-feira para análise pelo ministro Alexandre de Moraes. Caso seja aceita pela Corte, Bolsonaro e os outros sete acusados se tornarão réus por tentativa de golpe de estado.

Na entrevista de ontem, Bolsonaro também falou sobre o tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens. Na sua delação, o militar declarou que o ex-presidente redigiu um decreto para instaurar uma “estado de defesa” com o objetivo de impedir a posse de Lula. “Ele fala muita coisa. Algumas coisas são verdade, mas outras eu fico pensando: ‘Como o cara teve conhecimento disso, se nem eu estava sabendo?’”, questionou Bolsonaro.



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