Mais de seis anos após o crime, começa o julgamento dos assassinos confessos da vereadora. Após delação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, PF prendeu suspeitos de serem o mandante do crime.Começa nesta quarta-feira (30/10) o julgamento dos assassinos confessos da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, mortos em março de 2018. Os réus, os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, vão a júri popular no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Durante dois dias, serão ouvidas no julgamento nove testemunhas, além dos réus Lessa e Queiroz. A expectativa é que as sentenças sejam promulgadas no dia 31 de outubro. A acusação deve pedir penas de 84 anos de prisão para os dois ex-PMs.
Lessa e Queiroz respondem pelos crimes de duplo homicídio triplamente qualificado – por motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima – , tentativa de assassinato de Fernanda Chaves, a assessora da vereadora que estava no veículo com duas vítimas, além de receptação do veículo usado no atentando.
Lessa assistirá o julgamento do Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, local para onde foi transferido após seu acordo de delação, que prevê o cumprimento de pena em regime fechado até março de 2037.
Queiroz acompanhará a sessão do Centro de Inclusão e Reabilitação em Brasília. O acordo firmado entre o réu e as autoridades não foi tornado público.
Possíveis mandantes
A prisão pela Polícia Federal (PF), em março deste ano, do conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro) Domingos Brazão e de um irmão dele, o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ), ambos suspeitos de mandar matar Marielle , pode ser a peça que faltava para responder a duas perguntas que pairam há mais de seis anos: quem está por trás do assassinato da vereadora carioca e do motorista Anderson Gomes, e por quê?
Os mandados de prisão contra os irmãos Brazão foram expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Operação Murder Inc., que apura o assassinato da dupla e a tentativa de homicídio da assessora Fernanda Chaves, que estava no carro no momento do crime.
Além dos Brazão, a PF prendeu também o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio que assumiu o cargo um dia antes da execução da vereadora, em 13 de março de 2018. Suspeito de ajudar a planejar o crime e obstruir as investigações, Barbosa foi nomeado pelo então interventor federal no Rio durante o governo Michel Temer, o general do Exército Walter Braga Netto.
Delação premiada
As investigações do mais escandaloso crime político da história recente brasileira ganharam novo fôlego com a validação do acordo de delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, apontado como o autor dos disparos que mataram Marielle e Anderson. Lessa incriminou o trio preso suspeito de serem os mandantes.
O anúncio da homologação da delação, assinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, relator das investigações na Corte, foi feito em 19 de março deste ano pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.
Em fevereiro de 2023, a PF assumiu as investigações sobre o caso, e uma operação em julho daquele ano trouxe novos elementos, mas algumas perguntas continuam sem respostas. Entenda em que pé estão as apurações e o que falta ser revelado.
Quem são os suspeitos presos?
O ex-PM Élcio Queiroz, preso desde 12 de março de 2019, que firmou acordo de delação premiada em julho de 2023 e confessou que dirigiu o carro usado no crime.
O ex-PM Ronnie Lessa, preso no mesmo dia que Queiroz e apontado por ele como autor dos disparos. Seu acordo de delação premiada homologado pelo STF foi fechado no final de 2023.
O ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel, acusado por Queiroz e preso em julho de 2023, é suspeito de ter cedido um carro para a quadrilha, vigiado a vereadora desde agosto de 2017 e participado de uma ação frustrada para matá-la. Uma vez consumado o crime, ele teria agido para ocultar provas e atrapalhar as investigações. Corrêa já tem uma condenação por tentar obstruir as investigações do caso.
Edilson Barbosa dos Santos, o Orelha, é o dono do ferro-velho que teria feito o desmanche do veículo usado no crime, um GM Cobalt. Ele foi preso no último dia 28 de fevereiro, em Duque de Caxias.
Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil do Rio, assumiu o cargo um dia antes do crime, em 13 de março de 2018, nomeado pelo então interventor federal no Rio, o general do Exército Walter Braga Netto. É suspeito de planejar o crime e obstruir as investigações.
Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) e ex-deputado estadual, é suspeito de ser mandante do crime.
Chiquinho Brazão, deputado federal do Rio de Janeiro pelo União Brasil e irmão de Domingos. Foi eleito quatro vezes vereador no Rio de Janeiro. Também é suspeito de ser mandante do crime.
Queiroz, Lessa e Corrêa são réus pelo crime de homicídio contra Marielle e Anderson. Santos é acusado de atrapalhar as investigações.
Outros suspeitos no radar das autoridades são o casal João Paulo Vianna Soares, o Gato do Mato, e Alessandra da Silva Farizote, que teriam descartado a arma usada no crime; e dois homens que teriam vazado informações sobre as investigações a Lessa para ajudá-lo – o PM Maurício da Conceição dos Santos Júnior, o Mauricinho; e Jomar Duarte Bittencourt Júnior, Jomarzinho, filho de um delegado federal.
Em sua delação, Queiroz apontou o possível envolvimento de mais uma figura: Bernardo Bello, já investigado como um dos líderes do jogo do bicho no Rio e procurado pela Polícia Civil do Rio. O grupo liderado pelo bicheiro, segundo Queiroz, teria fornecido o celular usado por Ronnie Lessa e o carro utilizado no crime.
Quais suspeitos foram mortos no decorrer das investigações?
O ex-PM Edmilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, foi apontado por Queiroz como tendo recrutado Lessa, mas acabou assassinado em novembro de 2021. Suspeito de envolvimento em atividades criminosas no Rio de Janeiro, Macalé teria, ao lado de Lessa e Corrêa, vigiado Marielle e participado de uma tentativa frustrada de assassiná-la em 2017.
O miliciano Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro de 2020 na Bahia, durante ação policial que chegou a ser apontada por parentes como “queima de arquivo”. Ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio, Nóbrega foi assessor do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) quando o político ainda era deputado estadual. A mãe dele e uma ex-mulher também foram funcionárias do gabinete de Flávio. Nóbrega comandava o Escritório do Crime, organização suspeita de envolvimento no assassinato de Marielle – meses depois, uma investigação da Polícia Civil do Rio liderada pelo delegado Daniel Rosa descartou o envolvimento do Escritório do Crime no caso.
Quem foi o mandante e qual foi a motivação do crime?
Uma das linhas de investigação da Polícia Federal é que Marielle teria sido morta por defender a ocupação de terras por pessoas pobres na zona oeste do Rio. Essa atuação de Marielle em questões fundiárias poderia ter ameaçado negócios de milicianos relacionados a construções irregulares na região.
Ao anunciar a prisão de Barbosa e dos irmãos Brazão, autoridades brasileiras reforçaram essa suspeita. Falando a jornalistas, o diretor da PF, Andrei Rodrigues, ressaltou, porém, que o assassinato não foi apenas motivado por uma disputa de terras envolvendo interesses da milícia.
Conselheiro do TCE-RJ, Domingos Brazão foi acusado de envolvimento no crime tanto por Queiroz quanto por Lessa.
Antes de ser conselheiro do Tribunal de Contas, Brazão foi deputado estadual pelo MDB e foi citado no relatório final da CPI das Milícias como um dos políticos “autorizados” pelas organizações criminosas a fazer campanha política em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio. A CPI da Milícias foi presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), de quem Marielle foi assessora parlamentar.
Em 2019, a Procuradoria-Geral da República afirmou em denúncia ao STJ que Brazão “arquitetou o crime de homicídio” contra Marielle e “esquematizou a difusão de notícia falsa sobre os responsáveis pelo homicídio” – detalhes sobre a real motivação do crime, porém, permanecem desconhecidos.
Brazão nega qualquer envolvimento no crime. Em janeiro, ele afirmou ao jornal O Globo: “Depois das famílias de Marielle e Anderson, posso garantir que os maiores interessados na elucidação do caso somos eu e minha família. Tenho fé que, se houver mesmo essa delação [de Lessa], que, graças a Deus, isso termine logo.”
Por que a PF entrou no caso?
O delegado que acompanhou o caso no primeiro ano de investigação, Giniton Lages, foi afastado logo após a prisão de Lessa e Queiroz, em 2019. O inquérito da Polícia Civil seguiu trocando de mãos, passando por outros três delegados até chegar a Alexandre Herdy. No Ministério Público, promotoras abandonaram o caso queixando-se de “interferências externas”.
Apesar disso, até a eleição e posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência, a família de Marielle se opôs à federalização das investigações devido à proximidade de filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro com suspeitos do crime.
Com a entrada da PF no caso, o novo governo – do qual participa Anielle Franco, irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial – buscou demonstrar compromisso com a elucidação do crime.
Em 2023, uma “investigação da investigação” do caso Marielle feita pela PF indicou que haveria uma estrutura de autoproteção das polícias, Ministério Público e do Judiciário no Rio.
Em janeiro, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que a investigação daria uma “resposta final” sobre o assassinato de Marielle e Anderson no primeiro trimestre deste ano.
rc/ra/bl (ots)