Silas Martí
Uma banana é uma banana, mesmo. Não estamos falando do cachimbo de René Magritte, o artista belga que nesta temporada de leilões em Nova York entrou para o clube dos artistas com obras arrematadas por mais de US$ 100 milhões, ou R$ 578 milhões no câmbio atual.
Magritte está morto. Maurizio Cattelan está vivo —e um tanto irritado. Sua obra “The Comedian”, ou o comediante, mostrada pela primeira vez na feira Art Basel Miami Beach, nos Estados Unidos, há cinco anos, era uma piada, um trabalho conceitual destinado a desarranjar os parâmetros do mercado. Era para ser, como o urinol de Marcel Duchamp, uma sátira do jet-set que se leva tão a sério comprando bobagens descartáveis.
Mas o mundo dá voltas, mais que uma casca de banana. Seu original, uma edição de cinco bananas para compradores dispostos então a desembolsar US$ 120 mil por cada uma, sendo que em plena feira uma fruta foi devorada por outro artista ávido por holofotes, agora virou um recordista desta temporada de vendas de outono para o artista italiano —US$ 6,2 milhões, ou R$ 36 milhões.
Vale dizer que a banana vai apodrecer. A obra não é a banana grudada na parede, também vale explicar. Falamos da venda de uma performance. O proprietário pendura na parede a banana que quiser, pode até comer a fruta. O ponto é a banana ressignificada como troféu, a banana como fruta, como ready-made, como escultura banal, como propriedade intelectual dos super-ricos.
Cattelan é um artista que já fez de tudo, até uma escultura do papa esmagado por um meteorito. É um gênio da arte pós-pop, do delírio mercadológico que seduz tanto o mundo do “old money” quanto os novos ricos, os emergentes. É hilário que uma escultura sua, um potente dedo do meio em riste esculpido em mármore, mande para aquele lugar a Bolsa de Valores de Milão, uma das esculturas públicas mais pertinentes hoje na Itália.
O artista não está feliz, nem presente. O que era uma piada se tornou deboche para o próprio. Ele disse ao New York Times que não ganharia nem um centavo com qualquer que fosse o resultado do leilão —a fruta leiloada pela Sotheby’s, aliás, foi vendida numa quitanda do Upper East Side nova-iorquino por US$ 0,35, algo em torno de R$ 2.
E aí reside o humor do mercado de arte, um dos mais voláteis, mais opacos e mais imprevisíveis do capital atual. Uns riem alegres, outros choram amargando aquilo que venderam cedo demais ou não compraram na hora certa. A banana de R$ 36 milhões é um “plot twist” digno da temporada atual de leilões. É um fato que coroa dois anos de mercado em queda livre, um pós-pandemia sofrido para os parâmetros dos inabaláveis do mercado, e um atestado de que o novo “Trump bump” veio para ficar, ao menos no mundo da arte.
Enquanto a esquerda chora o ressurgimento do homem alaranjado no comando da maior potência política e militar do planeta, a direita no armário que não disfarça sua liderança no mundo artístico celebra os lucros dessa vitória. A banana de Maurizio Cattelan, afinal, foi vendida por quase seis vezes mais que seu lance inicial, de US$ 1,1 milhão. É a prova de que a promessa do novo governo americano, de queda da taxa dos juros e dos impostos, quer mesmo dizer que, para os super-ricos, quem ri por último ri melhor. “The Comedian” estava certíssima em sua premissa, a banana para o mundo da arte.
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