Fraudes eleitorais são tão antigas quanto as próprias eleições, e aos órgãos de controle compete aperfeiçoar a regulação, aprimorar a fiscalização, apurar a fundo as suspeitas e punir os ilícitos comprovados.
Polícia Federal, Ministério Público Eleitoral e Justiça Eleitoral têm seguido essa cartilha diante do que parece ser um esquema de compra de votos por meio da transferência coletiva e ilegal de títulos de eleitores —nada a ver com a segurança das urnas eletrônicas, alvo de campanha bolsonarista mentirosa.
Suspeita-se que, na disputa deste ano, inúmeros candidatos a prefeito e vereador tenham cooptado votantes de fora de suas cidades por meio da oferta de dinheiro ou outros benefícios —injetando, assim, um anabolizante para o desempenho nas urnas.
De acordo com as investigações, entre as maneiras utilizadas para burlar as regras estão a emissão de documentos falsos para comprovar residência na nova cidade e a apresentação de boletos de microempresas de telefonia, que não verificam o endereço informado pelo cliente.
Há indícios da manobra fraudulenta em diversas partes do país. Em municípios de pequeno e médio porte, ela pode ter sido decisiva para o desfecho do pleito.
Estranha que, ante esse quadro, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, tenha minimizado o problema na primeira declaração sobre o tema. Depois, esquivou-se de novos questionamentos.
Dados do próprio TSE mostram a dimensão potencial do esquema: em 2024, nada menos que 717 cidades viram seu eleitorado aumentar em pelo menos 10% apenas com a transferência de títulos de outras localidades (ou seja, excluídos novos títulos tirados por jovens, por exemplo).
Em um recorte ainda mais explícito, o total de votantes cresceu entre 20% e 46% em 82 municípios, a maioria deles com menos de 10 mil habitantes —após tamanha majoração, 58 caíram na situação esdrúxula de ter um número maior de eleitores formais do que o da população contabilizada pelo IBGE.
Em Fernão (SP), por exemplo, são 1.754 eleitores e 1.656 moradores, de acordo com o Censo de 2022 —o que inclui crianças e adolescentes. Lá, o prefeito eleito venceu por um voto de vantagem e se tornou alvo do Ministério Público, que o acusa de cooptar gente de municípios vizinhos.
Divino das Laranjeiras (MG), por sua vez, tem 4.178 habitantes e 4.968 pessoas aptas a votar. A PF desconfia que cerca de mil títulos tenham sido transferidos mediante fraude para a cidade.
Em Elesbão Veloso (PI), a PF investiga manobra capitaneada por um candidato a vereador e levada a cabo mediante o uso de documentos falsos.
Não se descartam explicações legítimas para alguns desses descompassos, mas, como apontou reportagem da Folha, diversas ações dos órgãos de controle sugerem que não cabe, de forma nenhuma, minimizar o problema.