A prefeita Marília Campos (PT), reeleita no primeiro turno em Contagem (MG), diz que o PT deve mudar sua estratégia política e evitar um discurso concentrado na polarização ou em questões identitárias.
Ela vai para seu quarto mandato à frente da cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, que tem 620 mil habitantes e representa a maior comandada pelo PT no país —o partido ainda disputa o segundo turno em quatro capitais: Fortaleza, Porto Alegre, Natal e Cuiabá.
Após ser eleita em uma disputa acirrada em 2020, agora Marília contou com uma aliança com outros 13 partidos para vencer em primeiro turno, com 61% dos votos válidas. Escolhida por 188.228 eleitores, ela foi a prefeita mais bem votada no país.
Seu principal adversário na disputa foi o deputado federal Junio Amaral (PL), que contou com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros expoentes da direita na campanha, mas terminou o pleito com 39% dos votos.
Em 2022, Contagem deu vitória a Bolsonaro contra o presidente Lula (PT) no segundo turno, por 55% a 45%. Assim como o ex-mandatário, a prefeita reeleita venceu em todas as zonas eleitorais do município.
Questionada sobre o que poderia explicar o voto do eleitor de Bolsonaro em uma candidata do PT, Marília citou sua ampla aliança, realizações da gestão dela na cidade e a capacidade de diálogo com diferentes setores.
“Eu conquistei parte do eleitorado que se diz de direita, que votou no Bolsonaro, mas que preferiu fazer uma escolha pautada pela diferença que o nosso governo fez na vida delas”, afirma à Folha a prefeita reeleita.
Ela ressalta que evitou replicar no município a polarização que existe no país e afirma que o caminho deveria ser seguido pelo partido.
“O PT deve repensar sua estratégia política, seu discurso, que ainda continua muito focado na polarização”, diz a prefeita.
“O partido tem condição de ter propostas, mas o que mais vejo são os parlamentares focados ou em questões essencialmente identitárias, que não somam num projeto de disputa política, ou em polarização com o passado”, diz.
A prefeita ainda afirma que no seu período como deputada estadual — cargo para o qual foi eleita por três ocasiões, na última vez em 2018 — , nunca chamou alguém de “coxinha” ou de “gado”.
Marília também comentou sobre o desempenho eleitoral do PT na vizinha Belo Horizonte, onde o deputado federal Rogério Correia (PT) ficou em sexto lugar, com 4,37% dos votos. Ela opina que a legenda deveria ter apoiado a reeleição do atual prefeito, Fuad Noman (PSD), ainda no primeiro turno.
“Um candidato ou candidata à prefeitura tem que, em primeiro lugar, ter perfil, um discurso municipalista, conhecer bem a cidade e disputar um projeto de cidade. Eu diria que em Belo Horizonte a gente não atendeu a esse perfil”, afirma.
Em relação ao segundo turno, a prefeita de Contagem diz torcer pela reeleição de Fuad e lembra que conviveu com o adversário do atual prefeito, Bruno Engler (PL), quando foi deputada.
“Eu vou procurar o futuro prefeito, qualquer que seja eleito, para continuar o diálogo. O que eu adianto é que eu acredito que o Fuad tem um perfil de diálogo mais aberto. O Engler era mais fechado, preconceituoso. Talvez ele melhore [se for eleito]”, diz Marília.
Marília diz que não convidou Lula para sua campanha. Na última vez que o presidente esteve em Minas, no fim de junho, ele foi a Contagem para o anúncio de obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e ouviu cobranças da prefeita, que pediu mais investimentos e uma solução para a dívida do estado, hoje em torno de R$ 165 bilhões.
Ela afirma que o governo federal começa a mostrar dados positivos em políticas públicas e na economia, mas ressalta que o presidente precisa melhorar a interlocução junto à população.
“Eu acho que ele precisa visitar mais o Brasil, para que as pessoas sintam proximidade do presidente, que ele possa escutar quais são as demandas. Eu acho que falta diálogo, dos ministros e também do presidente. Eu queria o Lula mais perto”, afirma Marília.
Em relação ao governador Romeu Zema (Novo), a prefeita afirma também faz cobranças. Ela pede uma presença mais constante das polícias no município e tem concentrado as demandas em relação ao transporte público e à saúde.
“Em Contagem, 70% do transporte coletivo é metropolitano, do estado. Na saúde, ele [governo estadual] não faz a regulação da alta e da média complexidade. O paciente fica internado dez dias numa UPA esperando o exame de cateterismo. Ou ele morre, ou ele se contamina, o quadro se agrava”, afirma.
Marília é frequentemente citada por interlocutores do PT como um nome que poderia em 2026 participar das eleições ao governo do estado como vice de um nome do PSD, como o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um de seus aliados.
Ela afirma que não cogita deixar a prefeitura e que o debate precisa começar pelo perfil do candidato, não pelo nome. Questionada sobre a que lado do espectro político pertenceria esse perfil, ela diz que seria um nome de centro.
“Nós temos que ter um projeto de recuperação para Minas Gerais, com alguém representativo, com capacidade de diálogo. E que seja ousado para lutar para que Minas saia desse estrangulamento. Mesmo tendo negociado a dívida [com a Advocacia-Geral da União], a questão não está resolvida”, ela diz.
Perguntada se Pacheco se encaixa nesses requisitos, a prefeita reeleita disse: “Eu gosto muito dele”.
O PT de Marília tem sua imagem desgastada em Minas desde a gestão de Fernando Pimentel à frente do estado, de 2015 a 2018, período que foi marcado pelo atraso do salário de servidores e dos repasses para municípios.
A prefeita reeleita vê “falta de política” do então governador na piora da imagem junto ao eleitorado.
“Ele [Pimentel] entrou com uma ação para suspender o pagamento da dívida e só se beneficiou por dois meses. Quem se beneficiou foi o governo que o sucedeu [Zema]. A pergunta é: por que o Pimentel não tornou isso claro desde o primeiro dia do governo?”, ela questiona.
Raio-X
Marília Campos, 63
Nascida em Ouro Branco (MG), é formada em psicologia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). É casada, tem três filhos e uma neta. Presidiu o sindicato dos bancários de BH e região na década de 1990 e foi uma das fundadoras do PT e da CUT (Central Única dos Trabalhadores) no Triângulo Mineiro. Foi vereadora, deputada estadual por três vezes e agora vai para seu quarto mandato como prefeita de Contagem.
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