A técnica em patologia clínica Jacqueline Iris Bacellar de Assis, 36, afirma que nunca realizou testes no PCS Lab, laboratório que está sob investigação por emitir laudos com falsos negativos para HIV no Rio de Janeiro, o que resultou na contaminação de seis pacientes transplantados no estado.
Jacqueline declarou à Folha que começou a trabalhar no local como supervisora administrativa em outubro de 2023, não assinava testes e, de acordo com as informações divulgadas, seu nome estaria sendo usado como “laranja”.
Procurado, o PCS Lab afirmou que “ela informou ao laboratório diploma de biomédica e carteira profissional com habilitação em patologia clínica” e que a funcionária “assinou diversos laudos de exames nos últimos meses”.
A reportagem voltou a procurar Jacqueline sobre o novo posicionamento do laboratório. A defesa afirmou que ela “jamais trabalhou como biomédica”, que “não tem capacidade técnica e nunca teve interesse na função” e que não reconhece o diploma citado pelo PCS Lab, pois a funcionária “jamais cursou ou tem a faculdade de biomedicina”.
O nome da técnica aparece na assinatura de um dos laudos de uma mulher de 40 anos que morreu no Hospital Municipal Albert Schweitzer, na zona oeste da cidade, após ter seus rins e fígado transplantados em maio. Em outubro, um dos receptores apresentou sintomas e testou positivo para HIV.
No laudo, abaixo do nome de Jacqueline, cuja profissão não tem autorização para atestar exames, consta o registro de uma biomédica.
“Só quem tinha o poder de vincular meu nome a um exame eram eles [os responsáveis pelo laboratório]. Qual o interesse em colocar meu nome como laranja?”, questionou Jacqueline, acompanhada de seu advogado, José Félix. Na entrevista, realizada por videoconferência, ela segurava um lenço e chorava.
O que eu fazia em relação a esses laudos era uma conferência para verificar se estava tudo digitado corretamente, se a pontuação estava certa, porque havia laudos que precisavam de vírgula e não de ponto, por exemplo.
“O que eu fazia em relação a esses laudos era uma conferência para verificar se estava tudo digitado corretamente, se a pontuação estava certa, porque havia laudos que precisavam de vírgula e não de ponto, por exemplo. Eu fazia essa conferência antes de enviar para os médicos liberarem”, explicou Jacqueline, que tem 18 anos de experiência na área.
Ela acrescentou que o sistema de conferência era computadorizado e que apenas encaminhava os exames para os médicos responsáveis pelo laboratório.
“Para entrar no sistema e fazer a conferência do exame, eu colocava uma rubrica. A parte da assinatura não aparecia para a gente [técnicos], só para quem estava assinando. Eu nunca via a assinatura. Eu estava na academia quando vi meu nome vinculado ao registro de uma biomédica. Nunca tinha visto isso antes”, afirmou.
Jacqueline também mencionou que, no laboratório onde trabalhava, em Nova Iguaçu, só eram realizados testes rápidos para HIV. Ela disse que nunca viu exames mais completos para o vírus, mas não descartou a possibilidade de eles estarem disponíveis em outras filiais do laboratório.
Além disso, a técnica afirma que o exame que consta em seu nome foi realizado em uma unidade onde ela não trabalhava. Ela contou que sua carteira de trabalho só foi assinada após o laboratório tomar conhecimento dos erros que resultaram na infecção de receptores do sistema de transplante, em setembro.
“Qual o interesse do laboratório em não assinar a carteira dela? E por que vinculá-la a uma função que nunca exerceu? Dentro do laboratório, há seis técnicos com carteiras assinadas devidamente cadastrados. Como ela iria passar por cima dessas pessoas para assinar? Onde estão os outros técnicos cadastrados do laboratório? Todos sumiram, então estão jogando toda a responsabilidade do laboratório em cima da senhora Jacqueline, sem qualquer veracidade”, afirmou o advogado José Félix.
O defensor também informou que, nesta segunda-feira (14), procurará a Polícia Federal para que Jacqueline possa apresentar sua versão dos fatos.
“Eu estou sendo massacrada. No meu WhatsApp, recebo mensagens de várias pessoas que não conheço, me humilhando, falando diversas coisas. Eu que estou vivendo isso, enquanto eles, se bobear, nem estão mais no país. Foram eles que ganharam milhões com esses contratos, e eu fiquei aqui, tendo que botar a cara a tapa”, desabafou a técnica, que disse ter sido demitida na sexta-feira (11), após o laboratório ter suas atividades suspensas.
Jacqueline expressou sua solidariedade às famílias atingidas. “Desde que essa notícia saiu, fiquei com o coração muito aflito, porque é uma situação muito grave. Eu amo minha profissão. Então, é um erro grave que atingiu muitas pessoas, e eu não consigo nem expressar o quanto isso partiu meu coração”.
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