Ministros julgaram ação da PGR que questionava legitimidade de delegados para negociar com suspeitos.
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira (20) que a Polícia Federal e as polícias civis estaduais podem firmar acordos de delação premiada com investigados, mesmo sem a anuência do Ministério Público —8 dos 11 ministros votaram nesse sentido.
Os magistrados terminaram de julgar uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ajuizada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) que questionava a legitimidade de delegados de polícia para celebrar acordos de colaboração.
O julgamento começou em dezembro passado e foi adiado quando já havia maioria para liberar os acordos feitos pela polícia. Na ocasião, porém, não ficaram definidos os limites da atuação dos delegados. Uma questão que havia ficado em aberto era a necessidade de o acordo ter aval do Ministério Público para poder ser homologado (validado) por um juiz.
O relator da ação, Marco Aurélio, afirmou que delegados de polícia podem negociar acordos de delação nos termos da lei que baliza esse instrumento, sem necessidade de aval do Ministério Público, desde que não invadam as competências daquela instituição (como prometer o não oferecimento de denúncia). Cabe, então, somente ao juiz decidir se homologa o acordo ou não.
Pela legislação, o Ministério Público é o titular da ação penal —o único órgão responsável por oferecer uma denúncia contra uma pessoa investigada.
Esse é o principal argumento da PGR para sustentar que só o Ministério Público pode firmar acordos e negociar punições.
Mas a maioria dos ministros entendeu que as delações são um meio de obtenção de provas, importantes na fase investigativa, sob os cuidados da polícia judiciária (PF e polícias civis), e, por isso, os delegados não poderiam ser privados desse meio de apuração de crimes.
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso acompanharam o voto de Marco Aurélio, pela total improcedência da ação da PGR.
Gilmar disse não ver óbice para que delegados possam firmar colaborações em moldes parecidos com os de procuradores e promotores. “Tenho por constitucional a representação do delegado [inclusive] pela aplicação do perdão judicial”, afirmou.
Dias Toffoli também concordou com a desnecessidade de anuência do Ministério Público, porém, fez uma diferenciação entre os acordos fechados por procuradores e por delegados. Ele disse que a Procuradoria tem poder de negociar benefícios e oferecer ao colaborador até o perdão judicial, mas a polícia, não.
Todos entenderam que um acordo negociado pela polícia deve ser submetido à avaliação do Ministério Público, mas que a manifestação do órgão não vincula o juiz —ou seja, mesmo se os procuradores forem contrários à delação, ainda assim o magistrado pode homologá-la.
“Cabe ao magistrado, se e quando houver conflito entre as posições do Ministério e da autoridade policial, esse ponto deverá ser objeto de apreciação jurisdicional. Cabe ao Poder Judiciário homologar o acordo. E, ao homologar, compete ao Poder Judiciário verificar se as cláusulas compactuadas são proporcionais”, disse Celso de Mello.
VENCIDOS
Relator dos processos da Lava Jato no Supremo, o ministro Edson Fachin foi o único que votou pela impossibilidade de a polícia firmar acordos do tipo. Para ele, se os acordos começarem a ser feitos somente pela polícia, sem participação do Ministério Público, o poder das delações será diluído.
Rosa Weber e Luiz Fux votaram para que a polícia só pudesse fechar acordos com a concordância do Ministério Público. A ministra afirmou que a anuência da Procuradoria, que é a titular da ação penal, é uma condição de procedibilidade de um acordo —o juiz só deve analisá-lo, para homologação, se o Ministério Público concordar.
“A delação só se perfectibiliza com a manifestação do Ministério Público. E, se o Ministério Público não concordar, essa delação não pode ser homologada [pelo juiz]”, disse Fux na sessão de dezembro.
Há no Supremo ao menos dois acordos negociados com a PF aguardando homologação: do marqueteiro Duda Mendonça e do ex-publicitário Marcos Valério, condenado no mensalão. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, aguarda homologação a colaboração do ex-ministro petista Antonio Palocci.
O pano de fundo da ação que foi julgada nesta quarta, ajuizada em 2016 pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot, é uma disputa de poder entre polícia e Ministério Público —mais especificamente entre PF e PGR— por causa de protagonismo em investigações.
QUEM PODE FIRMAR DELAÇÕES?
O que diz a lei 12.850/2013
“Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial”
O que disse a PGR
Inclusão de “delegado de polícia” nesse artigo é inconstitucional, entre outros pontos
O que decidiu o STF
Delegados têm legitimidade para negociar acordos